Região Sul é quase lanterna quando o tema é investimento público no futebol feminino

Apesar de terem times competitivos, os três estados só perdem para a região Norte, em volume de recursos destinados ao fomento deste esporte entre as mulheres
Jogo entre Internacional e Futebol com Vida fez parte da primeira fase da segunda rodada do Gauchão Feminino (Foto: PETRA KARENINA/BETA REDAÇÃO)

*Matéria produzida por Dominik Machado, Giordano Martini, Nicolas Córdova e Petra Karenina.

A desigualdade de investimento é apontada no Diagnóstico do Futebol Feminino, documento que se baseia em uma pesquisa divulgada pela Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor. O relatório mostra que em primeiro lugar vem o Sudeste, depois o Centro-Oeste, o Nordeste, e só depois a região Sul. A região Norte está em último lugar. O estudo integra outro, mais amplo, denominado Estratégia Nacional para o Futebol Feminino produzido pelo Ministério do Esporte (MESP). O documento tem o objetivo de enfrentar desafios históricos, como a falta de investimento, desigualdade de gênero e ausência de infraestrutura adequada.

Dados:  Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor.
Gráfico: Petra Karenina

Para melhor entender como cada estado da Região Sul trata o investimento e o desenvolvimento do futebol feminino, a reportagem enviou pedidos via LAI (Leis de Acesso à Informação) para as secretarias de esporte dos três estados.

A Secretaria do Esporte e Lazer do Estado do Rio Grande do Sul (SEL), informou que foram investidos R$1.453.992,28 em projetos femininos, divididos em oito associações e projetos.

Dados: Secretaria do Esporte e Lazer do Estado do Rio Grande do Sul
Tabela: Petra Karenina

A Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte (FESPORTE) de Santa Catarina, em resposta via LAI, afirmou que não realizou repasses específicos, fomentando a modalidade apenas por meio de eventos oficiais e apoio a delegações. Já a Secretaria do Esporte do Paraná informou que o futebol feminino integra o programa Paraná Bom de Bola, sem orçamento exclusivo. Confira as respostas de ambos os estados clicando aqui.

Recursos legislativos

Vale ressaltar ainda que, conforme dados obtidos via LAI junto ao Ministério do Esporte, além dos repasses realizados por Secretarias Estaduais, os investimentos também podem ser feitos por meio de Emendas Parlamentares.

Um exemplo disso é o Senador da República por Santa Catarina, Esperidião Amin (PP/PR), que destinou R$898.692,00 em emendas parlamentares, para a Sociedade Esportiva KINDERMANN, em Caçador – SC. A Associação tem o objetivo de promover o desenvolvimento humano e a inclusão social para 90 adolescentes femininas do entorno da cidade de Caçador no contra turno escolar, além de manter 30 adultas femininas da equipe de futebol da Associação Esportiva Kindermann para a disputa de competições oficiais (municipais, estaduais, universitárias e nacionais).

Outro exemplo é a deputada federal Leandre Dal Ponte (PSD/PR), que destinou quatro emendas parlamentares, totalizando o valor total de R$ 588.762,00 para apoiar o desenvolvimento de algumas instituições na área do futebol. No entanto, nem todas incluem o futebol feminino.

Por exemplo, a Associação Esportiva Pato Futsal, de Pato Branco/PR, recebeu o maior valor entre as emendas parlamentares da deputada Leandre Dal Ponte (PSD/PR), mas não inclui a modalidade feminina. Em contrapartida, houve um investimento exclusivo para o futsal feminino da Associação Patobranquense, nas categorias Sub-13, Sub-15, Sub-17, Sub-20 e Adulto, no valor de R$100.000,00. Já o Operário Laranjeiras Futsal (OLF) recebeu R$100.000,00 destinados a 200 beneficiários, dos quais apenas 20 são do sexo feminino. O valor mais baixo, no entanto, foi apresentado sem a descrição do número de beneficiados.

Para o Rio Grande do Sul, não foram encontradas Emendas Parlamentares que beneficiassem o futebol feminino. 

Diferença no investimento em relação aos grandes clubes

As atletas do futebol brasileiro têm conquistado, a passos largos, o respeito e a atenção do público, especialmente após a medalha de prata nas Olimpíadas de 2024. Porém, essa trajetória de reconhecimento é marcada por um longo histórico de restrições e preconceitos.

Em 1941, o Decreto-Lei número 3.199 impôs um duro golpe ao esporte feminino ao proibir a prática de atividades consideradas incompatíveis com a natureza das mulheres. .O Artigo 5 do decreto de 1941 informava que “para as mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Somente em 1979, após décadas de luta, essas restrições foram finalmente revogadas. Mas foi em 1983 que o futebol feminino passou a integrar o calendário de competições a usar estádios e a ter a modalidade incluída nas escolas. Essas mudanças foram fundamentais para o desenvolvimento e a visibilidade do esporte, pavimentando o caminho para as conquistas que as atletas brasileiras desfrutam hoje.

Gráfico: Petra Karenina

Na região Sul, há 22 equipes de futebol feminino profissional cadastradas nas Federações de cada Estado: 4 no Paraná, 8 em Santa Catarina e 10 no Rio Grande do Sul. Os clubes que mais se destacam na região são: Grêmio, Internacional e Juventude, classificados para a primeira divisão do Brasileirão Feminino 2025. Já na segunda divisão do torneio nacional, os times do sul estão representados por: Athletico-PR e Avaí/Kindermann-SC. 

Grêmio e Internacional já figuram entre as equipes principais do campeonato nacional há alguns anos, diferentemente do Juventude que conseguiu o acesso somente em 2024 e irá disputar em 2025 a primeira divisão. No contexto do futebol feminino na região sul, Grêmio e Internacional se destacam não apenas pela sua história e tradição, mas também pelo investimento em infraestrutura e desenvolvimento de suas equipes. Assim como no futebol masculino, esses dois clubes são os maiores em termos financeiros, estruturais e desportivos, refletindo a importância da modalidade em suas trajetórias.

Gurias Coloradas atuando em partida do Gauchão Feminino 2024. (Foto: Petra Karenina)

Élis Rodrigues Filho é Diretor do Departamento de Futebol Feminino do Internacional, e, de acordo com ele, a história do colorado com o gênero vem de longa data.

“A primeira associada de um clube de futebol no Brasil foi no Sport Clube Internacional.”, afirmou Élis, ressaltando a importância dessa informação. “Não estamos aqui para distinguir gêneros; a nossa missão é formar atletas” comentou o Diretor. 

Outro ponto importante citado por Élis é que mesmo que a estrutura para treino e jogo não seja tão boa quanto a do futebol masculino, as jogadoras se surpreendem.

“As gurias que chegam aqui de outros estados comentam sobre a nossa estrutura. A gente sabe que aqui temos um baita centro de treinamento e uma ótima casa para mandar suas partidas, jogando no Beira-Rio algumas vezes. Isso realmente enche os olhos das jogadoras para jogar aqui. Existe um poder de atração” contou o Élis. 

Vale ressaltar que na temporada 2024 as Gurias Coloradas disputaram apenas uma partida no Estádio Beira-Rio, justamente a final do campeonato Gaúcho, contra o Grêmio, no dia 18 de novembro. Elas atuam normalmente no SESC, na zona leste de Porto Alegre, que tem um estádio com capacidade para 2,8 mil pessoas. Entretanto, para o diretor, o que chama a atenção na abordagem  do Internacional é que a modalidade é tratada além de um simples projeto; trata-se de uma formação.

“Aqui não é um projeto social, é uma formação. Nós exigimos boletins escolares, porque nos preocupamos com a formação de cidadãos. Temos transporte para levar as jogadoras à escola, isso é uma responsabilidade que temos”, explicou, destacando a necessidade de cuidar das jogadoras que, muitas vezes, estão longe de suas famílias.

    Élis Rodrigues Filho acompanhando a partida entre Internacional e Futebol com Vida. (Foto: Petra Karenina)

Procurados pela reportagem, a assessoria de imprensa do Grêmio informou que existe uma normativa do clube que não permite a participação de profissionais do clube em entrevistas ou cedência de dados para trabalhos universitários. 

Comparação entre as modalidades

Quem acompanha futebol há mais tempo sabe que é notório o esforço dos clubes profissionais para promover o crescimento do futebol feminino no cenário nacional. No entanto, algumas informações mostram que, apesar desses esforços, a modalidade ainda está longe de alcançar o nível de investimento e apoio destinado ao futebol masculino.

Um exemplo que ilustra bem essa disparidade é a diferença nas negociações de atletas. A maior venda de uma jogadora do futebol feminino brasileiro foi a da atacante Priscila, do Sport Club Internacional, para o América do México, por R$2,8 milhões. Essa negociação foi a terceira maior do mundo entre as mulheres. Em comparação, a maior venda de um jogador do futebol masculino brasileiro foi a de Estêvão, do Palmeiras, para o Chelsea, por 61,5 milhões de euros (aproximadamente R$358 milhões na cotação atual, sem impostos).

Outra evidência da diferença entre as modalidades está nos orçamentos anuais destinados aos times. Segundo dados do portal de transparência do Internacional, o time destinou, em 2024, R$312.803.908 para a equipe masculina, enquanto que para a equipe feminina o valor foi de apenas R$9.528.389.

A disparidade também é perceptível em clubes de médio porte, como o Juventude, de Caxias do Sul, que se manteve na primeira divisão do futebol masculino em 2024. No início do ano, em entrevista ao programa Show dos Esportes, da Rádio Gaúcha Serra, o presidente Fábio Pizzamiglio comentou sobre o orçamento do clube para a temporada:

“Esse orçamento para o Juventude é o maior da história, próximo de R$100 milhões”, declarou.

Entretanto, enquanto o futebol masculino recebe um orçamento expressivo, a diferença de investimento para o futebol feminino é evidente. Esta reportagem da ESPN, revela que apenas R$1,8 milhão foi destinado ao futebol feminino, uma quantia que representa menos de 2% do orçamento total.

Essas discrepâncias revelam o abismo de recursos entre as duas modalidades, refletindo a disparidade de investimento que persiste mesmo em clubes grandes como o Internacional, e menores como o Juventude. Em outras palavras, infelizmente ainda estamos longe de níveis de comparação entre o futebol masculino e o feminino.  

Esta é a segunda reportagem sobre desigualdade de gênero no futebol feminino. A primeira reportagem, mostrou que após investigação foi possível afirmar que os problemas vão de dupla jornada, falta de salário e até mesmo investimentos escassos na modalidade. Na terceira reportagem mostramos a história do primeiro Centro de Desenvolvimento de Futebol Feminino, localizado em Porto Alegre e inaugurado em 2024.

Dominik Machado

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