Hip-hop salva vidas. A frase estampada na parede do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Santa Marta, em Canela, foi desenhada coletivamente pelos alunos da oficina de graffiti realizada no projeto Hip-Hop em Sintonia. E é esse o espírito que move a iniciativa: levar para as crianças e jovens do bairro oficinas de breaking, slam, graffiti, teatro e saúde mental, mas também autocuidado, pertencimento, identidade e crítica social – conhecimentos e valores que norteiam a cultura hip-hop.
Desde março de 2025, todas as quartas-feiras, o espaço do CRAS recebe cerca de 40 participantes. Divididas em duas turmas, de oito a 12 anos e de 13 a 18 anos, as aulas são ministradas por cinco educadores especializados. O projeto, que é financiado com recursos da Lei 14.399/2022 (Política Nacional Aldir Blanc – PNAB), foi o vencedor do edital 03/2024 de Fomento a Projetos Culturais de Canela, que assegurou R$ 44.309,00 para sua execução.

GABRIELE RECH/BETA REDAÇÃO
O objetivo das oficinas vai além do domínio técnico das vertentes do hip-hop, conforme explica a produtora cultural e idealizadora do Hip-Hop em Sintonia, Jéssica Rodrigues. “A gente sempre sonhou em fazer alguma coisa que fizesse a diferença para as crianças e os adolescentes e que envolvesse a saúde mental. Por isso, também contamos com a coordenação da psicóloga Hana Ariel. Queremos mostrar como a arte do hip-hop pode auxiliar nessa construção”. Jessica afirma que também cresceu em comunidade periférica e ressalta a importância de iniciativas como essa: “Eu também vim de um bairro assim e participava de todos os projetos que eram oferecidos, sei a diferença que faz”.
Para muitos alunos, a timidez e a falta de oportunidade são barreiras que começam a desaparecer durante as oficinas. Santhiago Albuquerque, de 12 anos, admite que, na escola, desenha durante as aulas. Mas na oficina de graffiti seu traço ganhou outro valor. “Na escola eu não presto muita atenção na aula e fico desenhando. Nas aulas de graffiti eu aprendi a desenhar melhor e entendi que isso também é importante.”

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Durante o projeto, as práticas artísticas são mescladas com atividades de consciência emocional. “Trabalhamos muito a mente durante as aulas. A aula de dança é minha preferida. Mas uma aula que me marcou foi a de teatro, porque foi bem tocante, a gente conversou sobre nossos sentimentos e fizemos uma atividade em que a gente ficava de frente para um colega e brigava com ele, falava coisas maldosas, e depois a gente falava palavras de amor, coisas bonitas. No final, sentamos todos juntos e conversamos sobre aquilo. Teve gente que chorou, a gente ficou mais unido”, contou Julia Francisca, de 12 anos.

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A Beta Redação acompanhou uma aula de graffiti mediada pelo professor Bernardo Jr., que enfatiza o impacto de oferecer experiências novas para os estudantes. “O simples ato de fazer uma atividade especial e diferente na sua rotina já estimula a criatividade e a reflexão. O encontro em uma pequena imersão na arte visual amplia significativamente a visão de mundo e ajuda a formar uma noção artística e uma memória positiva nessa fase da vida dos alunos”, destaca.
Vulnerabilidade social
Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a escola do bairro Santa Marta registrou pontuação de 4,1 em 2023 nos anos finais do Ensino Fundamental, um dos menores índices do município e abaixo da média nacional, que é 5,0. Entre os desafios de realizar um projeto cultural com jovens em situação de vulnerabilidade, uma das surpresas para a coordenação foi descobrir que muitos alunos não sabiam sequer o que significava periferia. “Na primeira aula eu fui contar que o slam é um movimento da periferia e eles não sabiam o que é isso, tá ligado? Pra eles a realidade é essa, eles não sabem que tem desigualdade social, eles não saem daqui”, comenta Jéssica.
Apesar das limitações estruturais e do desconhecimento sobre temas sociais mais amplos, os educadores enxergam nas crianças um potencial transformador. “Eu sei que existe um estigma e uma memória coletiva pejorativa que rodeiam o bairro, mas as crianças são inocentes e o conhecimento que vai alcançá‑las é o foco principal”, garante o professor Bernardo.

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Para ampliar o repertório cultural dos participantes e romper com os limites geográficos da comunidade, o projeto está organizando uma visita ao Museu do Hip Hop, em Porto Alegre, prevista para julho. O encerramento das atividades está marcado para o mesmo mês, com a realização de um grande sarau. O evento contará com uma competição de slam que terá premiação de R$ 300,00, apresentações de dança, exposições de graffiti e até a presença de um trancista, que vai arrumar os cabelos dos participantes.
Importância dos editais de fomento
Mesmo com os desafios de implantar um projeto cultural, Jéssica acredita que o impacto positivo nas crianças é o que realmente importa. Para ela, os editais de fomento são essenciais nesse processo. “A gente realiza esse projeto porque ele nos preenche. Aqui não existe uma cultura local de base e a gente está fazendo isso. É uma construção”, afirma.
A prefeitura de Canela também reconhece a relevância dessas iniciativas. “O papel da prefeitura é fundamental para fomentar projetos culturais nos bairros mais vulneráveis, promovendo a inclusão social, o acesso à cultura e o fortalecimento da identidade local. Quando esses projetos acontecem de forma ativa e descentralizada, a cultura ganha força e combate desigualdades”, avalia Sabrina Manara de Sá, diretora do Departamento de Cultura de Canela.

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O município já aderiu ao segundo ciclo da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) para 2025. “Canela foi uma das primeiras cidades do Rio Grande do Sul a aderir. Estamos na fase de escutas públicas, garantindo transparência e assegurando o diálogo necessário para que esse recurso seja bem distribuído e chegue a quem realmente precisa”, completa Sabrina.
Que matéria importante!
Destacar que hip Hop chega onde precisa chegar. Levando cultura, paz amor e união mas também consciência e pertencimento.