Nos últimos anos, os brechós deixaram de ser pequenos comércios alternativos para se tornarem protagonistas de uma revolução silenciosa na indústria da moda. O que antes era associado a roupas antigas e desgastadas agora é celebrado como um movimento em relação à sustentabilidade e à economia circular.
O cenário do consumo vem se transformando globalmente. Segundo uma pesquisa realizada pela Global Data entre 2019 e 2020, o mercado de segunda mão cresceu 25 vezes mais rápido que o segmento de moda tradicional. No Brasil, esse mercado representa uma movimentação de R$ 7 bilhões, com potencial para alcançar R$ 31 bilhões até 2025.
Em Porto Alegre (RS), a situação não é diferente. Embora não haja dados consolidados da cidade, conversamos com dois casos de sucesso que apontam para o crescimento do setor.
Brechó Espaço Tri
O Brechó Espaço Tri, no bairro Glória, surgiu durante a pandemia da Covid-19 e rapidamente se tornou um sucesso no segmento de brechós femininos. As proprietárias, as irmãs Andréia e Patrícia Flores, sempre foram empreendedoras, gerenciando uma barbearia, um salão de beleza e um estúdio de treinos funcionais. No entanto, com o fechamento dos negócios durante o pico da pandemia, foram obrigadas a reinventar suas estratégias.
Nesse período, as clientes, já habituadas ao salão, começaram a sugerir a ideia de um brechó temporário, promovendo trocas de roupas. “No começo, surgiu quase como uma brincadeira”, revela Patrícia. O negócio cresceu rapidamente, atraindo mulheres de todas as idades em busca de moda acessível e consciente, levando as irmãs a focarem exclusivamente no brechó após a pandemia.
Entretanto, criar um brechó do zero trouxe seus próprios desafios. Patrícia destaca que o maior obstáculo foi desenvolver processos sem referências claras. “A forma de comprar em brechós é muito diferente da de uma loja convencional, e a cultura é outra”, afirma.
Um dos maiores reflexos do sucesso do brechó é a mudança de comportamento dos consumidores. O estigma associado à compra de roupas de segunda mão, ainda presente em alguns segmentos da sociedade, está sendo gradualmente superado. “Hoje, muitas pessoas estão mais abertas a essa prática”, comenta Patrícia.
Para a empresária, o impacto dos brechós vai além de oferecer peças a preços acessíveis. Eles desempenham um papel crucial na promoção do consumo consciente e sustentável, além de incentivarem uma economia circular, onde os produtos são reutilizados e valorizados. “Os brechós, além de serem mais acessíveis economicamente, trazem a mensagem ecológica e promovem esse engajamento de sustentabilidade a um grupo social. Percebo que as clientes acabam se empolgando com a moda circular”, explica.
Em relação ao futuro dos brechós, Patrícia finaliza: “Eles serão a nova forma de fazer moda, não mais voltada para o ‘novo’ e ‘inédito’. A moda circular só traz benefícios”.
Brechó Nana Banana
Outro exemplo é o Brechó Nana Banana, no bairro Passo D’Areia, na zona norte de Porto Alegre. Criado há nove anos com foco inicial em moda infantil, agora também explora a moda feminina adulta, oferecendo peças de marca a preços em conta.
Palmira Wasem, proprietária e fundadora, era decoradora e trabalhava em um brechó focado em roupas de marca, predominantemente femininas. Por achar a proposta muito interessante e pela escassez de brechós infantis na época, decidiu abrir seu próprio negócio.

O nome “Nana Banana” é uma homenagem à sua filha, cuja primeira palavra foi essa, e a empreendedora sempre teve a intenção de usar esse nome quando abrisse um negócio.
Palmira começou em 2015, revendendo peças dos vizinhos no condomínio onde mora. Com o tempo, estabeleceu-se em um local fixo e cresceu gradualmente. “A ideia inicial era promover o consumo consciente. Queria criar um brechó diferente dos outros; esse foi meu primeiro impulso”, conta Palmira. Ela ainda enfatiza a importância de manter uma rede de relacionamentos e contato com os clientes para sempre contar com roupas de qualidade para venda.
Assim como no Brechó Espaço Tri, Palmira observa que, no início, muitas clientes sentiam vergonha de comprar roupas de segunda mão. “Pensando nisso, criamos uma sacola especial, semelhante à de uma loja, para proporcionar maior conforto às nossas clientes. Hoje, essa vergonha foi se dissipando ao longo do tempo”, comenta.
O consumo consciente sempre foi uma prioridade para Palmira. Ela observa que pôde acompanhar o crescimento dos filhos de clientes, que passaram a cuidar mais das peças, sabendo que poderiam trocá-las futuramente. “Fomos uma influência para muitas famílias ao estimular o consumo consciente e inteligente”, conta, com orgulho.
Sobre os desafios, o momento atual tem sido o mais difícil para o Nana Banana. Palmira ressalta que, devido às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, muitas roupas originalmente destinadas à doação estão sendo vendidas a preços baixos, algo de que ela discorda e que acaba afetando o mercado. Além disso, muitos de seus fornecedores doaram roupas para pessoas que foram diretamente atingidas pelas enchentes, enfraquecendo sua rede de fornecedores.
Quando questionada se faria tudo novamente, Palmira afirma que sim, mas com algumas mudanças. “Eu teria entrado anteriormente na moda feminina adulta, pois as mães compram para se compensar [por fazer compras para os filhos] e, pensando como empresária, faria sentido ter peças para as mães desde o início”, finaliza a empresária.

Brechós e a moda sustentável
A popularidade que os brechós estão tendo hoje em dia reflete uma transformação significativa no comportamento do consumidor e nos valores da indústria da moda. O que antes era visto como uma alternativa, agora se consolidou como um movimento que desafia as grandes marcas e valoriza a sustentabilidade.
Segundo o professor de Design de Moda da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), José Luís de Carvalho Reckziegel, a moda, apesar de cíclica, está passando por uma revisão profunda de seus conceitos de durabilidade, com o slow fashion ganhando espaço em detrimento do fast fashion.
O professor afirma que a conexão entre brechós e moda sustentável é uma das principais razões para o sucesso atual. “Brechós são a materialização de uma consciência sustentável”, enfatiza Reckziegel.
Essa conscientização indica que os consumidores estão mais atentos às questões de sustentabilidade e dispostos a adotar práticas de consumo mais responsáveis. “Os brechós vieram para ficar e estão se consolidando cada vez mais devido à mudança de mentalidade das pessoas”, ressalta.

Vieram para ficar
O crescimento de brechós e do consumo de peças de segunda mão é um reflexo claro da mudança na mentalidade dos consumidores atuais, que, com o poder de suas escolhas, estão se tornando conscientes do impacto ao meio ambiente.
A ideia de que peças de brechós são sinônimos de produtos menos atrativos está ficando para trás, à medida que os brechós demonstram que é possível ter estilo, economizar e cuidar do planeta ao mesmo tempo. Assim, os brechós estão surgindo para ficar e transformar a forma como os indivíduos pensam sobre moda e consumo.
* Fast Fashion: termo utilizado para descrever a renovação constante das peças comercializadas no varejo de moda.
* Slow Fashion: um movimento que valoriza o processo de produção e a sustentabilidade na indústria da moda.