Indígenas são historicamente criadores de tecnologias, os povos originários inventaram formas de caças, sobrevivência, transporte, alimentação e ritos. Por outro lado, o mundo está cada vez mais desenvolvido digitalmente. Tecnologias como celulares, computadores, carros, entre outros, chegaram até os brasileiros, e com os povos nativos não foi diferente. Por conta disso, precisaram se adaptar a essa nova realidade, e utilizá-la em seu benefício próprio.
Memória e Resistência
É isso que se encontra na exposição permanente que fica no Museu Júlio de Castilhos. Intitulada “Memória e Resistência” mostra ao público o protagonismo indígena na história e estabelecendo parcerias com indígenas e suas comunidades.
O prédio possui 121 de existência. Porém, dentro de suas dependências estamos falando de milhares de anos de histórias expostas em cada uma daquelas salas. Como é o caso da exposição citada acima, que apresenta mais de duas mil peças indígenas. Estas ilustram a linha do tempo desde os primeiros caçadores-coletores que chegaram há pelo menos 12 mil anos, até os povos indígenas atuais do Rio Grande do Sul e de outros estados do país.
Apesar de ser berço cultural e possuir entrada franca, o Júlio de Castilhos não estava cheio. Uma lástima. Claro que talvez o sábado de manhã não seja o melhor parâmetro. Enfim, é de se pensar. Por um momento o silêncio se fez ensurdecedor na Duque de Caxias, 1205. Ele só é interrompido com a chegada de Leonardo Fagundes.
O nome lembra um músico tradicionalista gaúcho, mas o não se confunda; a área de especialização era sobre cultura indígena. O estagiário do museu e estudante de história, atua como guia, e, com o perdão da redundância, guiou numa viagem pelo tempo.
A exposição é dividida em três módulos: o primeiro exibe peças arqueológicas das culturas mais antigas do estado, o segundo apresenta artefatos do período das Missões Guaraníticas, e a sala principal conta com uma exposição fotográfica.
Tais peças arqueológicas exemplificam o que foi citado antes: indígenas como criadores de tecnologias. Nada digital, mas tudo extremamente elaborado. Era útil para a rotina, mas também mostrava a seus rituais, como por exemplo a admiração pela natureza e pelos animais. “Quando recebemos grupos, principalmente escolas, gostamos de questionar se os estudantes acreditam que os indígenas possuem tecnologias, e a resposta normalmente é a mesma. Afirmam que não”, aponta Fagundes.
Isso, muito provavelmente é fruto da digitalização vivenciada pelos jovens, que acontece cada vez mais cedo e uma crença de que tecnologia é apenas um celular, um carro ou uma televisão. “Buscamos fazer esse resgate da cultura indígena, junto as crianças para que a história não caia no esquecimento, e para que entendem que muito antes do “touth” da tela já existiam invenções tecnológicas que eles não imaginavam”, declara o guia do Museu Júlio de Castilhos.
O digital importa
Embora tenha muitos indígenas que não morem em aldeias, o distanciamento com o lugar em que pertencem desde pequeno faz falta. É o caso de Goj Téj Kaingang, que teve de sair do conforto para buscar melhorias para si e para aqueles que ama. “No território todo mundo se ajuda, estamos sempre juntos, é difícil ficar só. Fora da aldeia, posso estar em um lugar cheio de gente, que ao mesmo tempo vou estar muito sozinho e deslocado”, pontua o estudante da Escola de Música da OSPA.

As tecnologias digitais têm aumentado cada vez mais com a globalização. Inevitavelmente chegam nas aldeias e adentram a cultura indígena sendo utilizadas da mesma forma que que restante da população: para entretenimento e fácil comunicação. Porém, os movimentos utilizam celulares e redes para fortalecer as lutas sociais. ” Usamos o celular no dia a dia como ferramenta para facilitar a comunicação, mas também para espalhar nossa cultura e buscar mais espaço. Por exemplo, agora no mês de abril estamos vivendo o mês indígena, utilizamos as redes sociais para nos articular politicamente e reivindicar nossos direitos”, exemplifica o músico, que usa esta sua paixão para arrecadar verba para se manter morando em Porto Alegre.
O dia dos povos indígenas, é comemorado em 19 de abril mais especificamente. A data é utilizada para ressaltar várias pautas importantes que precisam de divulgação. “Nós temos páginas de diversos coletivos indígenas nas redes sociais, principalmente no Instagram. Lá, compartilhamos atos, movimentos ou eventos. Utilizamos esses espaços para debater as demandas, não só entre nós, mas também para mostrar nossa realidade e problemas relativos à demarcação de terra, saúde e educação”, descreve Kaingang
Quando se fala em tecnologia, há um senso comum de entender e associar o termo com dispositivos digitais, quando na verdade os povos indígenas criaram muitas tecnologias que fogem dessa ideia. Como por exemplo, de caça, transporte, rituais, dos quais a sociedade muitas vezes desconhece. “As pessoas não procuram saber quais são as nossas tecnologias, objetos, artefatos e vestimentas. Conhecem muito pouco do nosso vasto repertório. Geralmente, conhecem só o arco e flecha ou objetos estereotipados”, afirma.
Falando em estereótipos, Goj Téj Kaingang também conta que nunca se sentiu livre dos preconceitos ao longo de sua trajetória. “O preconceito é uma coisa que sempre esteve presente. Desde muito novo eu já percebia que existia e acontecia comigo. Tem uma cobrança muito forte, na qual, para os outros, eu preciso atender os estereótipos da cabeça deles: cabelo liso, pele escura e olho puxado. Olhavam para mim e perguntavam: Se tu és índio por que tu estás de tênis? Parece que quando utilizamos algo do mundo moderno, estamos indo contra nossas raízes”.
Ele ainda afirma que seu maior desejo é conseguir captar recursos e espalhar o movimento indígena pelo país. Assim que sentir que o seu papel foi cumprido, quer voltar à sua aldeia, porque como ele mesmo diz, nada do mundo externo pode preencher o senso de coletivo que encontra dentro de casa.