No dia 20 de setembro, música gaudéria, vestes tradicionalistas e churrasco formaram o cenário para a 9ª edição do Torneio de Mesa Pilchado. Realizado pela Associação Cultural Esportiva Nipo Brasileira (Acenb), na Colônia Japonesa, em Ivoti-RS, a competição amistosa reuniu desde jogadores da categoria mirim, de 11 e 13 anos de idade, até atletas com experiência internacional. Em comum entre eles havia a habilidade com a raquete na mão, as roupas que representavam o Rio Grande do Sul e o respeito entre as diferenças étnicas e culturais.
“Os ancestrais dos gaúchos lutaram na Guerra dos Farrapos para que o Governo Imperial não levasse mais do que o necessário, e isso faz parte da cultura japonesa também”, afirma o presidente da Acenb e técnico de tênis de mesa, Paulo Tanaka, que, embora tenha origem japonesa, é tradicionalista e frequentador do CTG Portal da Serra, em Dois Irmãos. Para o idealizador do evento, não basta só organizar a competição, é preciso viver o Dia do Gaúcho. Junto da família e amigos, Paulo estava desde a noite anterior assando o famoso e tradicional “costelão 12 horas” – a fôrma na cozinha, com resto de ossos, mostrava que valeu a pena o tempo de preparo da carne. De acordo com ele, as tradições e culturas devem ser respeitadas. “As culturas se interligam, e, por isso, é mais fácil para nós tentar passar para os jovens, porque já faz parte da nossa cultura, da origem japonesa, respeitar os mais velhos e os ancestrais por tudo que lutaram por nós. Não é só um direito, mas sim um dever do povo.”
O evento contou com 16 atletas, divididos em quatro grupos por sorteio, todos devidamente pilchados. Os gaúchos de bombacha, lenço, bota ou alpargatas. As prendas, com vestidos longos e bonitos, mas desconfortáveis para jogar. Filha mais nova do presidente da Associação, Thais Tanaka disputa competições no tênis de mesa desde os 8 anos, idade em que alcançou a altura adequada para competir. Hoje, com 19, já coleciona participações e medalhas em torneios nacionais e internacionais. Porém, no Dia do Gaúcho, a experiência em competição que valeu mesmo foi a das edições anteriores do torneio de Tênis de Mesa Pilchado. Em vez do vestido, Thaís utilizou uma camisa de botão, saia longa até os pés e alpargatas. “É horrível jogar com pilcha! O tênis de mesa é um dos esportes mais rápidos e é pura explosão. A roupa é apertada, está explodindo a minha alma!”, relata, dando risada e já sabendo das dificuldades que a roupa traz, por ter participado nos anos anteriores. “Eu estou com a veste mais tranquila, porque o vestido aperta a garganta, então, para jogar é pior ainda, pois precisa ficar reta. Mesmo assim, a saia dificulta muito.” Thaís observa que para os homens a dificuldade está em utilizar a bota, que aperta a parte de cima do pé, e a bombacha, que tira a abertura das pernas.
A confraternização começou de forma competitiva, já que o desempenho dentro do grupo definiria também a divisão que o jogador ficaria. Os primeiros ficavam no grupo “Taita” (expressão utilizada no Rio Grande do Sul para se referir a alguém destemido e corajoso). O segundo lugar de cada grupo foi para a divisão “Bagual” (bravo e arrojado). Já os que ficaram em 3º e 4º lugares na primeira fase se classificaram para o grupo dos “Esgualepados” (outra expressão gaúcha, que significa cansaço ou exaustão).
O torneio amistoso misturou diversas categorias, mas isso não acontece somente no amador. Thaís conta que desde pequena enfrenta homens adultos na mesa: “Até 2019 competia contra homens, porque não tinha público feminino no estado, somente em nível nacional. Imagina, eu com 10 anos e uma cara de 40 gritando na minha cara. Eu fui criada assim, não estava nem aí se o adversário estava estressado, eu vou fazer o meu”. Essa valentia levou a atleta para a série “Taita” do torneio de Tênis de Mesa Pilchado e colocou o nome do Rio Grande do Sul no mapa brasileiro de tênis de mesa, motivo de orgulho para a gaúcha de origem japonesa. “Em 2015, o Rio Grande do Sul não era bem visto no cenário do tênis de mesa. Poder levar a cultura para fora do estado sempre foi uma honra.” Assim como os pais, a jogadora valoriza as batalhas dos ancestrais e a luta de quem já passou pelo caminho que ela segue. “Era um sentimento de raiva a gente ser negado no país. Quando conseguimos fazer as pessoas temerem o Rio Grande do Sul, inscrito nas chaves, foi muito bom. Mesmo sem ter o tempo de jogo e estrutura que elas tinham, sabiam que a gente tinha muita garra, a gente iria até o final sem desistir”, conta a atleta campeã nacional de tênis de mesa.
O técnico da seleção brasileira de tênis de mesa feminino nos Jogos Olímpicos de Paris, Jorge Fanck, mora em São Leopoldo, Região Metropolitana de Porto Alegre, e confirma o crescimento da modalidade em âmbito nacional: “Hoje, todo mundo olha para o Rio Grande do Sul com olhar de respeito. Quando eu comecei a gente não conseguia resultados positivos, a quantidade de atletas era muito pequena”. O técnico reforça que ainda é necessário crescer mais na quantidade de atletas e núcleos. “A gente ainda fica atrás de alguns estados, mas temos um nível técnico bem forte e uma representante gaúcha, já treinada por Tanaka também, na equipe principal da seleção brasileira (Victória Strassburger). Precisamos melhorar o nível técnico no masculino e demais categorias, além do juvenil feminino, que se destaca das outras.”
Jorge trabalhou na Acenb de 2010 a 2020, e já treinou as três filhas de Paulo Tanaka, sendo Thaís a mais nova entre elas. “O estado cresceu a partir do trabalho e da dedicação tanto da família Tanaka quanto da Associação em Ivoti, como em outros núcleos também, por exemplo, em Caxias do Sul e São Leopoldo.” A irmã mais velha, Akari Tanaka, de 25 anos, foi a primeira gaúcha a ser campeã em nível nacional e o técnico estava ao lado nas viagens. “Eu tenho muita gratidão a ele. A mulher que sou hoje também passa pela influência dele. Fanck me ajudou a ser mais calma e jogar com o coração. O tanto que ele demonstrava gostar do esporte fazia a gente amar o tênis de mesa também”, diz Akari, que hoje não compete mais em alto nível e trabalha com educação infantil.
Entretanto, na sexta-feira, 20 de setembro, as irmãs Akari (25 anos) e Tainara (21 anos) também competiam contra Thaís. Todas com os mesmos trajes, mudavam de uma para a outra apenas a cor da saia comprida, mas a habilidade na mesa se equiparava. A caçula estava de azul e ficou com o 2º lugar. A mais velha, com o vestido da cor marrom, ficou com o 3º, ambas na série “Taita” , que foi vencida por Marcelo Benítez, de 41 anos. Já Tainara, a irmã do meio, que estava de vestido roxo, foi campeã da série “Bagual”, e Kaho Miyabe, de 31 anos, foi a vencedora da série “Esgualepados”. Uma loja de tradição gaúcha e montaria patrocinou o evento para dar as premiações a todos os competidores que estiveram no pódio. Os atletas foram agraciados com cuias para chimarrão, lenços e camisetas, mas o verdadeiro prêmio da tarde dos gaúchos Paulo Tanaka falou no final: “A gente aprendeu a respeitar os mais velhos, não pelo medo, mas pela admiração”. O 9º torneio de Tênis de Mesa Pilchado encerrou com um pedido do presidente: “Para finalizar, eu quero pedir uma salva de palmas para a família do menino que começou a treinar conosco, pois sem a família, não existe o atleta!”.