“O SUS é a política pública mais efetiva que temos no Brasil”, diz diretor do Grupo Hospitalar Conceição

A saúde é um direito de todos, e não um privilégio de poucos. Uma das maiores conquistas do povo brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS) nasceu do esforço coletivo da população e transformou o que antes era um benefício restrito em um direito universal. O sistema foi criado pela Constituição Federal de 1988 e o seu funcionamento foi regulamentado pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

Para entender mais sobre os desafios e potenciais deste sistema que atende milhões de pessoas todos os dias, o diretor de Atenção à Saúde do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Luís Antônio Benvegnú, falou à Beta Redação sobre este recurso tão importante. Entre os assuntos abordados nesta entrevista, estão o papel do SUS na promoção da dignidade humana, as barreiras de acesso que ainda existem e o que a população precisa saber para se aproximar desse sistema que, muitas vezes, atua de forma silenciosa, mas essencial.

Na sua visão, o SUS é, de fato, um direito garantido para todos? Ou podemos dizer que ainda há barreiras invisíveis que limitam esse acesso?

O SUS é um direito garantido para todos, mas ainda existem barreiras que não deixam esse direito ser completamente atendido. Não tenho dúvidas de que o Sistema Único de Saúde é a política pública mais efetiva que nós temos no Brasil. Ele é um exemplo para vários locais do mundo. O SUS tem um financiamento público que poderia ser melhor, mas que existe e ao qual todo mundo tem acesso. É um sistema que pensa a saúde da população desde a prevenção, promoção até a reabilitação. Então, eu acho que sim, o SUS é um direito garantido para toda a população. Tem barreiras? Tem, porque para conseguir colocar todas as opções disponíveis para o SUS, desde a prevenção até a reabilitação, são necessários recursos.

Muita gente associa o SUS apenas a pronto-atendimentos. O que as pessoas ainda não conhecem e deveriam conhecer sobre os serviços que o sistema oferece?

O acesso a vacinas, além de vários outros recursos, como a água com flúor e a Vigilância Sanitária nos estabelecimentos comerciais de alimentos. Tudo isso tem o SUS fazendo fiscalização. Isso não aparece, mas está acontecendo. A população tem, sim, um serviço do SUS preventivo, que funciona e é muito efetivo, mas que a gente não percebe.

O senhor atua na gestão de um dos maiores grupos públicos quando se fala na questão de saúde. Como é lidar no dia a dia com as situações que a função proporciona?

O GHC é um grande provedor de serviços de saúde 100% SUS. Oferecer uma saúde de altíssima qualidade para a população é uma grande satisfação, tanto do ponto de vista da atenção primária quanto do atendimento hospitalar de alta complexidade. Ano passado, por exemplo, começamos a fazer cirurgia de implante coclear, que é talvez o topo da especialização da reabilitação auditiva. Só tínhamos um serviço no Rio Grande do Sul que fazia esse procedimento, que era o Hospital de Clínicas. As pessoas ficavam até oito anos esperando a cirurgia. Com essa implantação no GHC, a gente deve diminuir a fila para dois anos ou até um ano. É uma satisfação trabalhar em uma área que ajuda a oferecer às pessoas algo é direito delas e que está sendo oferecido com recursos públicos.

Por que existem tantos estigmas sobre o SUS, mesmo ele sendo um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo?

O SUS não caiu do céu, ele foi uma conquista. Quando a gente diz que o que tinha antes do SUS era um sistema que só atendia uma parcela da população, não estamos dizendo que isso acontecia por acaso. Tinham muitos interesses sociais, políticos e de grupos que estavam atendidos naquela situação. Hoje, temos um número de serviços de emergência que está aquém das necessidades da população, então acabamos tendo serviços superlotados. Assim, fica aquela imagem do SUS de que as pessoas estão em uma fila para esperar o atendimento. Como é muita gente e a oferta ainda não é como a gente quer que seja, às vezes tem um tempo de espera. E aí fica esse preconceito de que o SUS não funciona.

Luís Antônio Benvegnú, segundo à esquerda, junto da equipe do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) – Giordano Martini/BETA REDAÇÃO

O que tu falarias pra uma pessoa que nunca usou o SUS ou tem uma visão um pouco distorcida desse sistema?

O SUS não é somente um plano de saúde e nem um prestador de serviços curativos de saúde. Ele faz isso, mas não se limita nisso. Ele é um sistema completo que te ajuda a cuidar da saúde e te acompanhar ao longo do tempo. Eu tentaria dizer para a pessoa que é importante que ela entenda o SUS como esse sistema que cuida de toda a saúde, não como um plano de saúde para ser acessado quando a coisa já está grave.

Quais são hoje os maiores desafios para que o acesso à saúde seja realmente universal, como prevê a Constituição?

A população não entende direito o que é o SUS. Muitas vezes, se queixa do acesso, mas faz esse acesso de forma equivocada. A pessoa que teve uma tontura faz um mês e foi na Unidade de Pronto Atendimento não está indo para o lugar certo para ser atendida e acaba atrapalhando o atendimento de quem foi no lugar certo. O SUS tem uma organização hierarquizada, na qual a pessoa começa na sua unidade de saúde e vai para o serviço especializado encaminhado quando necessário.

Como deveria funcionar o acesso ao SUS?

A rede de atendimento de emergência está nas UPAs e nas emergências dos hospitais; já a rede de atenção primária é o grande ponto de entrada das pessoas e a retaguarda hospitalar e de exames. Quando a pessoa acessa pela atenção primária, ela vai sendo encaminhada e os sistemas de regulação vão garantindo (ou, pelo menos, vão tentando garantir) que esse encaminhamento seja certo. Quando parte da população faz acesso em pontos diferentes, isso dificulta para todos. De fato, nossa oferta de serviços em todas as áreas para atender 100% da população anda muito aquém do que precisaria. Para a gente conseguir ter mais oferta e aumentar essa oferta nas diversas áreas é necessário um maior investimento. Não se faz serviço público de saúde efetivo, público ou privado, sem um bom investimento. Então, se tiver um pouco do entendimento da população, um pouco da organização do sistema (que existe) e um bom financiamento, o acesso melhora.

Como o GHC está lidando com a dengue na questão do atendimento ao público?

O GHC tem a rede de atenção primária, com 12 postos e 39 equipes, que estão em contato direto com a população. Essa ação, neste local, é de orientação, promoção de saúde e prevenção da dengue. O pessoal tem feito folders, cartazes e reuniões com a comunidade dizendo que precisamos cuidar para não ter o mosquito da dengue. Outra coisa é organizar o serviço para atender as pessoas com dengue, na qual organizamos. Terceira coisa é ter um plano de contingência, se houver uma epidemia, que parece que nós estamos começando uma, para sabermos o que a gente vai deixar de atender para atender todas as pessoas que vierem consultar dengue. Por que isso? Porque a evolução da dengue, de uma simples gripe ou sintomas gripais, para um caso muito grave, é muito curta, entre 12 e 13 horas. Quando a pessoa tiver o sintoma, vamos recebê-la e suspeitar que ela está com dengue, mas nem sempre a gente vai ter o teste positivo. Mas, se tiver, tem que instalar a hidratação necessária. Por isso, precisamos estar com a nossa estrutura pronta para receber a população.

GHC abriu tendas para auxiliar no combate contra a dengue – Giordano Martini/BETA REDAÇÃO

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