Educação financeira: o impacto do ensino dentro das escolas 

Instituições buscam o ensino para além da matemática e conceitos básicos
Diego em sala de aula da unidade Higienópolis do Colégio João Paulo I – ALANA SCHNEIDER/BETA REDAÇÃO

A educação vem mudando seus conceitos e novos conteúdos vêm ganhando força na grade curricular brasileira. Dentro das novas necessidades absorvidas, a educação financeira se tornou obrigatória na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC-RS), houve uma piora na condição das famílias gaúchas em 2024. Apesar dos fatores econômicos e das consequências das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, estudiosos entendem que parte da crise financeira da população resulta da falta de consciência e educação sobre o tema.  

Diego Angelos é administrador e pós-graduado em finanças, e, após um período fora do país, percebeu a importância de levar o ensino para os jovens. Em 2020, iniciou um projeto piloto na escola João Paulo I, em Porto Alegre. Hoje é titular da disciplina de Educação Financeira na unidade Higienópolis. “A criança e o jovem estão na sua formação, e a educação é a ferramenta que pode transformar a sociedade”, diz o professor. 

Com aulas para turmas de 8º e 9º ano, os alunos aprendem as premissas básicas do universo financeiro, como a origem do dinheiro, economia doméstica, inflação e juros. Além disso, recebem aulas socioemocionais, nas quais um professor psicólogo ensina questões de comportamento voltado ao consumo.  

Em 2020, Diego propôs um projeto-piloto de Educação Financeira no Colégio João Paulo I e hoje é titular da disciplina – ALANA SCHNEIDER/BETA REDAÇÃO

Para a professora da UFRGS Wendy Carraro, a chave do ensino está no entendimento sobre o uso do dinheiro. “Nós precisamos de alfabetização financeira. Quando trazemos isso para dentro das escolas, precisamos entender que não é só os números, mas a consciência”, explica a professora. 

Segundo ela, a educação financeira precisa aparecer em diversas disciplinas, com adequação de linguagem e melhor preparo dos professores. “Material didático existe, o principal desafio é o professor estar preparado para entender o que ele precisa ensinar, tendo a compreensão do que os alunos precisam aprender. As finanças devem estar também nas aulas de geografia e história, por exemplo, com técnica e método.” 

Ambos os professores, Diego e Wendy, reforçam a importância da transversalidade do assunto, apoiando que a educação financeira vá além do dinheiro, mas trate de um uso consciente dos recursos e melhores escolhas.  

Docente produziu série de materiais sobre Educação Financeira – ALANA SCHNEIDER/BETA REDAÇÃO

O economista Presley Vasconcelos acredita que a temática nas escolas é importante não somente para entendimento sobre economia pessoal, mas também para compreender como funciona o sistema financeiro e político do país. Porém, ele alerta que o ensino precisa ser diferenciado do conceito de finanças baseados na meritocracia: “Não faz muito sentido dentro do contexto de um país subdesenvolvido como o Brasil. A ideia não é trazer educação financeira baseada em discursos motivacionais, ou fórmulas que não sejam aplicáveis para a realidade de todos, mas sim conhecimento que seja fácil de ser dissipado e aplicado para pessoas independente do seu nível de renda”. 

O desafio das telas 

Wenner Lucena, idealizador da Olimpíada Brasileira de Educação Financeira (Obef), celebra o maior acesso à informação dentro das escolas: “Na minha época, falar de dinheiro com a família, ou com amigos na igreja, era tabu. E hoje a gente já consegue falar abertamente, então conseguimos identificar isso, e estamos evoluindo aos poucos”. 

Doutor em Ciências Contábeis, coordenador da pós-graduação na área e professor de finanças pessoais e comportamentais na UFPB, Lucena afirma que, apesar do avanço no ensino, o fácil acesso aos jogos e bets aumentam o desafio. “Na nossa pesquisa diagnosticamos, em escolas, tanto públicas como privadas, crianças entre 14 e 16 anos que estão jogando no celular. Pegam o CPF do pai ou da mãe, se cadastram na plataforma e com a mesada eles entram e ficam gastando. Vai virar um problema de política pública. Um problema muito sério”, alerta Wenner. 

Olimpíada de Educação Financeira 

A Olimpíada de Educação Financeira foi criada pelo professor Wenner Lucena, após perceber que dentre as inúmeras olimpíadas de ciências, matemática, física e astronomia nenhuma abordava a pauta das finanças. 

Após ter a ideia rejeitada por inúmeras escolas, o professor conseguiu, em um “trabalho de formiguinha”, como ele relata, realizar o primeiro evento em João Pessoa, na Paraíba, com cerca de 1.200 inscritos, o que motivou a seguir acreditando no projeto. “Voltei a bater na porta das escolas, pedindo para que elas aplicassem as provas, já que tiveram alunos dali inscritos. ‘A gente roda as provas, deixa com vocês, e vocês só aplicam aos inscritos.’ Vieram com os pais, tios, avós, e eu disse ”Rapaz, isso vai dar certo”. Então a gente fez as provas e alguns meninos foram premiados. Aí fomos para o segundo ano, já com 12.000 alunos. As escolas começaram a se interessar, e os meus alunos me incentivaram dizendo que era hora de ir para o Brasil.” 

Realizada através de trabalho voluntário e sem cobranças de inscrição ou taxas, a prova abrange questões matemáticas e de interpretação de texto, como história e geografia voltadas à educação financeira: “E eu posso te dizer, não é uma prova fácil. Hoje o recurso que a gente tem é zero. A gente cresceu de forma orgânica, mas para a gente crescer mais, para desenvolver alguns aspectos, só com recursos”. 

O projeto de Wenner mostrou-se um sucesso com crescimento exponencial, inspirando a criação de diversas olimpíadas do tema pelo Brasil e atraindo o investimento de algumas instituições. Em 2024, a sexta edição da Obef bateu recorde, envolvendo 74 mil crianças e adolescentes de todo o país.  

Luís Henrique Leite

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