Christian Jung: dom que conduz uma vida

Mestre de cerimônias do Palácio Piratini coleciona boas histórias ao lado dos chefes do Executivo estadual

No Palácio Piratini, existem as 23 obras de Aldo Locatelli, bustos de ex-governadores como Borges de Medeiros e Júlio de Castilhos, masmorras e histórias emblemáticas, como a a Operação Farroupilha, em que Ildo Meneghetti saiu às pressas do Palácio e mudou a sede do governo para Passo Fundo durante o período da Ditadura Militar no Brasil. E coexistem pessoas que fazem a história do Rio Grande do Sul.

Se engana quem pensa que um governo se faz sozinho e de forma célere. Para casa ação, existe uma equipe que desenvolve políticas públicas voltadas para pessoas – ou animais, como acompanhamos durante a enchente de 2024. Governar é gerir pessoas – cada uma com a sua personalidade, direitos, deveres e voz.

Quando se fala em voz e Palácio Piratini, a fórmula só resulta em um nome: Christian Jung.

Próximo do governador Eduardo Leite e vice-governador Gabriel Souza, durante solenidade – ARQUIVO PESSOAL 

Entre janelas enormes, corredores largos e poltronas adornadas, surge Christian, um homem de estatura baixa, sorriso cordial e muito estilo. Calça um tênis branco com meia de bolinhas coloridas, calça de alfaiataria num tecido xadrez nas cores pastel, suéter preto com gola alta e óculos de acrílico redondo com transparência na frente e animal print nas hastes. Sentamos lado a lado numa das poltronas históricas – afinal, num lugar como este, cada canto é histórico e preservado – e, ali, falamos sobre comunicação, política, vida pessoal, moda, dentre outros assuntos.

Chegada ao governo

A voz do Palácio Piratini nunca cogitou ocupar o lugar que ocupa há 26 anos como mestre de cerimônias do governo. Sonhava com locução e sabia que queria trabalhar com a criatividade aguçada que percebia como virtude desde a infância, mas jamais pensou em prestar concurso ou qualquer coisa do tipo. Aos 15 anos, já começou a chamar atenção na escola e fazia locuções para a faculdade.

Filho de outra voz emblemática, do locutor Milton Jung, o fruto acabou não caindo longe do pé. Christian me conta que ficava no estúdio do pai lendo e relendo as laudas usadas por ele no Corresponde Renner, da Rádio Guaíba (programa em que Milton começou a ancorar em 1964), imaginando que o pai estaria reprovando as leituras, já que a inexperiência ainda o acompanhava.

O trabalho em veículo acabou não vindo, apesar dos testes que fez. O pai, mesmo sendo um grande nome da Rádio Guaíba, negava qualquer tipo de “benefícios” em troca da sua relevância. Na avaliação de Christian, era até melhor. Tinha receio que a comparação estragasse tudo. Pensava que as pessoas diriam: “O que o filho do Milton está querendo aqui?”. Quem ganhou com essa história toda foi o governo do Estado, que, desde 1999, tem uma RL (registro de lotação) para o filho do Milton, que carrega consigo o dom da fala.

À mesa, a primeira governadora mulher do Estado, Yeda Crusius, e o ex-governador Tarso Genro – ARQUIVO PESSOAL 

O pontapé inicial nos eventos governamentais foi logo após a chegada ao Estado. Fez testes com a chefe do cerimonial e, num universo de oito pessoas, foi escolhido. Olívio Dutra era o governador à época, de quem Christian guarda muitas lembranças e um dos nomes citados quando o assunto é políticos que seguem fiéis aos seus ideais quando estão ou não no poder.

Lembranças não faltam com Olívio. Uma figura caricata, de bom trato e próximo dos colaboradores. Christian lembra de uma Expointer em que havia combinado com todos os participantes os protocolos que deveriam ser feitos durante a cerimônia. Na tribuna clássica do Parque de Exposições Assis Brasil, a hora do esbarrada (quando os cavalos correm em direção à tribuna, fazem uma espécie de drift e voltam para o lugar de início) foi feita antes de Christian anunciar, conforme o protocolo firmado. Os cavalos fizeram a demonstração, voltaram, e o mestre de cerimônias a anunciou após ela já ter sido realizada. Recebe uma palavra singela do governador: “Acho que já foi feito, companheiro”. Para a tristeza do MC que gosta de ter tudo sob controle, o chefe do Executivo tinha razão. Bastava agora aceitar o erro e seguir em frente. Até porque a Expointer é desafiadora.

Junto ao ex-governador Olívio Dutra – ARQUIVO PESSOAL 

Passagem de “bastão”

Não tanto quanto as trocas de gestão. Surpreendentemente, um dos momentos mais lembrados por quem passa pelo governo é o que mais traz dor de cabeça para o cerimonial. Porque, claro, quem trabalha diretamente com os governadores e aprende a “ler” os seus olhares é afetado quando há troca de gestão. Com exceção do atual governador, Eduardo Leite, reeleito, todos os outros acabaram vencidos nas urnas pela oposição. “Não existe um governador que queira fazer um trabalho ruim quando eleito. O que acontece é que os tempos na política são diferentes. Quatro anos passam muito rápido”, salienta. O maior desafio na troca de governo acaba sendo lidar com a tristeza, do lado de quem sai, e a alegria de quem está chegando.

O apego às pessoas é superior às siglas partidárias. Pode haver esquerda, direita ou centro: sendo uma pessoa de bem e comprometida com o atendimento ao Estado, pode ter certeza de que poderá contar com a confidencialidade e até mesmo a amizade – por que não?! – de Christian Jung, ao ponto de conseguir “brincar” durante um evento coberto de seriedade e protocolos.

No Salão Negrinho do Pastoreio são realizadas as solenidades de transmissão de cargo – LARISSA HAR/BETA REDAÇÃO 

Gravata Borboleta

Leonino de carteirinha, foram muitas as vezes em que o mestre de cerimônias se viu realizado na profissão. Com holofotes, requintes majestosos e próximo da figura máxima do Rio Grande do Sul, o visual é marca registrada dentro e fora dos eventos. Foi dono de uma gravataria ao mesmo tempo que administrava uma gráfica junto ao irmão (o jornalista Milton Junior). Os mais de 600 tipos de gravata que tem em casa refletem que a alma criativa do publicitário precisa sempre estar extravazando. 

Das 600 gravatas, cerca de 30 são borboleta – algo que era marca registrada até a posse de Eduardo Leite, em 2019. Pela primeira vez desde que havia começado a trabalhar no Piratini, um governador era mais jovem que Christian. O “baque” se deu quando ele se viu na necessidade de readequar o modo de se vestir para o novo governante. Abandonou a formalidade, mas não renunciou ao estilo. Observando o governador jovial, com tênis, botas de camurça, camisetas e blazer, começou a optar por vestimentas mais casuais.

Impacto que também chegou nos protocolos do cerimonial. A dinâmica de Eduardo Leite trouxe certa leveza ao trabalho minucioso que Christian executa. As ideias construídas pela equipe de comunicação de Eduardo Leite colocaram em execução a dinâmica que o publicitário de formação sempre esteve aberto para receber. Hoje, já próximo e de confiança de Leite, consegue saber a dose de brincadeira que é de gosto do governador.

Jung adapta o estilo para os eventos que conduz, mas não deixa de lado a identidade própria – ARQUIVO PESSOAL 

Um homem caseiro

Fora do ambiente palaciano, Christian Jung, 57 anos, mora no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, desde a infância, é casado com uma pedagoga e tem dois filhos: Vitória e Fernando.  A rotina diária é simples, mas cheia de afeto. Vitória, de 30 anos, nasceu com deficiência cognitiva e, com isso, exige muito cuidado dos pais. Christian e a esposa dedicam boa parte do tempo para os cuidados com a filha. Tem evitado, inclusive, as viagens para eventos no interior do Estado, já que não se sente confortável em sobrecarregar a esposa com os cuidados. Além da família, o Fusca azul é outra paixão.

Não faz exercícios vocais de aquecimento e confessa que até se espanta quando vê colegas emitindo sons estranhos que deixariam qualquer fonoaudiólogo feliz, mesmo quando o trabalho é “somente” executar alguma leitura. No entanto, procura se manter bem hidratado bebendo bastante água e brigando contra as alergias, muito comuns nas trocas de estações.

Adaptado ao novo

Christian já se aventurou na dublagem. Revelou que brinca de imitar algumas vozes, como a do ogro Shrek e como a do menino Miguel de “Viva – a Vida é uma Festa”. Ainda tem vontade de trabalhar com locuções comerciais, mas avalia que o mercado é mais fechado e precisaria de indicações pontuais, porém segue tentando espaço. Hoje, além de integrar a equipe do cerimonial do Palácio Piratini, faz locução para concursos.

E assim como começamos a conversa com braços cruzados, em uma hora já o ouvia falar de forma descontraída sobre todas as presepadas que passou junto à língua espanhola. Histórias cômicas que envolvem personalidades queridas na memória de Christian, como os governadores José Ivo Sartori e Olívio Dutra e os presidentes do Uruguai Jorge Batlle e Pepe Mujica.

Com o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, falecido em maio de 2025 – ARQUIVO PESSOAL 

Christian segue focado no propósito que diz ser aquilo que “sabe fazer”. Não nega que teme as mudanças de governantes, mas crê que uma boa entrega pode superar qualquer sigla partidária, como tem sido há 26 anos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também