Cidades da região mais populosa do RS não oferecem informações organizadas sobre o serviço de coleta seletiva para os moradores 

Resíduos se acumularam nas cidades gaúchas.

Apenas 11 das 34 cidades que compõem a Região Metropolitana de Porto Alegre disponibilizam o itinerário do serviço de coleta seletiva e orgânica de resíduos

A constatação decorre de uma pesquisa feita pela reportagem nos sites de todos os municípios da RMPA, que concentra 4,4 milhões de habitantes, a área mais densamente povoada do estado. O Levantamento foi feito no mês de junho e refeito no dia 24 de julho, nos sites das prefeituras que compõem a Região, utilizando o termo “coleta seletiva”. A pesquisa revelou que apenas as cidades de Campo Bom, Dois Irmãos, Estância Velha, Esteio, Ivoti, Montenegro, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha, Sapiranga, Sapucaia do Sul e Viamão informam aos cidadãos o itinerário completo do serviço, indicando o dia da semana em que  ele é realizado, o bairro e o tipo de coleta (seletiva ou orgânica).

Imagem: Printscreen do site do município de Campo Bom, onde é possível ter informações completas sobre a coleta seletiva no município. 

A pesquisa indicou ainda que sete municípios até apresentam o itinerário da coleta seletiva com indicação dos dias da semana e bairros, porém sem informação sobre o tipo de coleta realizada, fazendo com que a população não saiba em qual momento levar para a lixeira o resíduo seco ou orgânico. No site de Alvorada, por exemplo, além de não informar sobre o recolhimento de resíduo orgânico, a última atualização sobre o tema ocorreu em 2017.

Imagem: Printscreen do site da Prefeitura de Alvorada que mostra a última atualização sobre o tema da coleta seletiva.

Os outros 15 sites não  apresentam qualquer tipo de informação sobre o dia e horário em que ocorre a coleta seletiva no município, deixando a comunidade sem acesso a estas informações que são fundamentais para o descarte residencial correto. Dentre estes 15 estão municípios de grande porte e receita, como Novo Hamburgo, que tem mais de 240 mil habitantes, e São Leopoldo, que abriga mais de 230 mil pessoas. 

A constatação contrasta com o que prevê a Lei de Resíduos do RS, que tem como um de seus princípios o “direito da sociedade à informação e ao controle social”.  A Lei conforma uma  política que prevê uma série de instrumentos, diretrizes, metas e ações adotadas pelo Executivo Estadual, isoladamente ou em regime de cooperação com os municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. 

Infográfico mostra relação de municípios da RMPA e resultado da busca da reportagem nos sites, atualizada em 24 de julho. Gráfico: Larissa Schneider/Beta Redação.

A constatação vai ao encontro de um relatório de 2021 produzido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS). O estudo realizado pelo Tribunal de TCE/RS envolveu todo o RS e revelou que a maioria (62%) dos municípios gaúchos não oferece o serviço de coleta seletiva ou oferece de forma parcial, ou seja, sem atender a totalidade do município. 

Cruzando as informações do TCE/RS, com as obtidas pela reportagem nos sites das 34 prefeituras da RMPA, foi possível observar que mais de 73% dos municípios da Região não têm nem a coleta de resíduo domiciliar orgânico em todo o território.

Quase um quarto da RMPA não possui coleta seletiva. Gráfico: Lucas Kominkiewicz/Beta Redação.

Em entrevista pelo WhatsApp, o doutor em ciência dos materiais, professor da Unisinos, Carlos Alberto Mendes Moraes entende que o Rio Grande do Sul, assim como o Brasil, recicla pouco e o pouco que recicla tem produtividade baixa.

“Mesmo que na cidade tenha o que a gente chama de local de transbordo, e há esteiras para fazer uma segregação, esta segregação é muito pequena. Num resíduo misturado urbano se consegue separar 10%. O restante vai para o aterro. Quando a cidade tem coleta seletiva, o índice que vai para o aterro é de 30 a 50%. Por que o percentual de aproveitamento é tão baixo? Por falta de investimento”, afirma o professor que também é membro da Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB) e membro do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos).

De acordo com um levantamento da International Solid Waste Association (ISWA) o Brasil recicla apenas 4% de todo o resíduo sólido gerado no país. 

Contactada através do WhatsApp, a jornalista e consultora em sustentabilidade socioambiental Silvia Marcuzzo, lembrou que a pauta da reciclagem não tem apelo eleitoral. Ela explica que os candidatos a cargos eletivos não trabalham a pauta dos resíduos por ela não garantir votos. Uma vez nos cargos públicos, os índices são igualmente desanimadores.

Por fazer investigação ambiental há mais de 30 anos e assessorar organizações ligadas ao movimento de resíduo zero, a jornalista entende ainda que a sociedade, em geral, não reconhece este tema como importante. “As pessoas não consideram aquilo que elas rejeitam, que elas não querem mais, como se o problema fosse delas, só que não existe fora… O resíduo vai continuar existindo no planeta, e aquilo que não é orgânico, que não se mistura, não volta para a natureza, fica aí fica para sempre”, pontua.

Por fim, ela explica que além da falta de prioridade dos municípios sobre a pauta dos resíduos, os custos elevados com varrição, transporte e destinação final, ainda são um problema para o poder público. Ela lembra que em Porto Alegre, por exemplo, essa gestão é a terceira maior despesa da Prefeitura.

Em entrevista por videochamada à reportagem, a engenheira sanitarista ambiental Paula Moletta, reforçou que a gestão de resíduos sólidos, da logística reversa, da economia circular, da coleta seletiva, da compostagem, entre outras ações políticas, devem ser aplicadas conjuntamente e estrategicamente para que as cidades possam fazer uma gestão sustentável de seus resíduos. 

“Não existe uma fórmula mágica para se fazer gestão de resíduos, ela é muito cara, é caríssima. A realidade é de ser o terceiro maior custo para algumas prefeituras. Então, é um grande valor investido para a gente estar coletando, e hoje, enterrando, quase 100% dos nossos resíduos, em aterros sanitários”, enfatiza.

Paula também é especialista em economia circular, logística reversa e sustentabilidade, e sócia da startup Green Thinking, de educação para a sustentabilidade, incubada no Pólo Tecnopuc. A empresa tem trabalhado, desde o início de maio, no auxílio às vítimas das enchentes que devastaram o estado.

Os dados sobre este despreparo apontado pelos especialistas acima são ainda mais alarmantes tendo em vista o desastre climático que assolou os gaúchos no mês de maio. Conforme dados obtidos pela Agência Pública, foram geradas 47 milhões de toneladas de resíduos pelas enchentes no RS. 

Resíduos se acumularam nas cidades gaúchas. Foto: Lucas Kominkiewicz/Beta Redação.

O número calculado pelo cientista de dados espaciais na Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU), Guilherme Marques Iablonovski, e pelo consultor em resíduos pós-catástrofe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Martin Bjerregaard, foi amplamente abordado por diversos veículos de imprensa no Brasil. O que também foi checado pela reportagem, em contato com a Agência Pública, pelo WhatsApp.

Os catadores têm sido excluídos do processo de reciclagem

O Brasil tem uma legislação bastante avançada no que se refere aos resíduos sólidos. Em termos nacionais, o país conta com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. No caso do Rio Grande do Sul, a Política Estadual completou 10 anos e prevê a implementação do serviço de coleta seletiva e estabelece princípios e metas para a inclusão dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis, e das cooperativas com os municípios.Mas todo o arcabouço não tem sido suficiente para garantir que as 34 cidades da Região Metropolitana possuam ações assertivas de tratamento de resíduos. Ainda menos, de coleta seletiva e reciclagem.

O incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, a emancipação econômica de catadores e a implantação de infraestrutura para esses trabalhadores são pontos abordados tanto em nível nacional como estadual. 

Os catadores são citados em 12 dos 57 artigos da Lei Estadual de Resíduos Sólidos. Trata-se de uma política pública feita para incluir  uma parcela da população que tem na reciclagem uma forma de renda e tem o potencial para se transformar em agentes para redução de danos à natureza, inclusive em situações de calamidade, como as que vimos há pouco.

Princípios da PERS versam sobre os catadores. Quadro: Lucas Kominkiewicz/Beta Redação.

Entretanto, questionados sobre o fomento à parceria com cooperativas e sobre a reciclagem, fontes ligadas ao Movimento Nacional de Catadores de Resíduos Recicláveis (MNCR) e a Frente Parlamentar dos Catadores de Materiais Recicláveis (Frecata) da Assembleia Legislativa do RS, afirmaram, em uma série de entrevistas à reportagem, que ainda falta essa vontade por parte dos governos. 

“Na Região Metropolitana são 40 cooperativas, com cerca de mil pessoas. Mas existe um universo muito maior de catadoras e catadores individuais nas ruas que não estão em cooperativas”, afirma o militante do MNCR e membro da Secretaria Estadual do Movimento, Fagner Jandrey, que também concedeu entrevista à reportagem por videochamada.

Fagner Jandrey luta há anos pelos catadores junto ao MNCR. Foto: Fagner Jandrey/Arquivo pessoal.

Jandrey explicou que grande parte do problema causado pela falta de cumprimento da Legislação a respeito da coleta seletiva e da reciclagem se deve ao não mapeamento dos catadores e das cooperativas pelo poder público. Ele ressalta, ainda, que a capital do RS, que deveria servir de exemplo para o restante do estado,  é a que mais sofre com a falta da aplicação das leis.

“Sobre dados da coleta, do trabalho dos catadores, da reciclagem, das cooperativas, a gente trabalha com estimativas, a partir do conhecimento que a gente tem, porque não existe nenhum trabalho por parte do Estado para ter este dado atualizado. Começa por aí a falta de política pública”, afirma.

Para o professor Carlos Alberto Moraes, as cooperativas têm capacidade de prestar esse serviço ambiental, que já ocorre em cidades como Porto Alegre, há mais de 30 anos. No entanto, ele reforça que essas organizações precisam ser mantidas, porque só a venda do resíduo não garante a sua subsistência, já que elas estão, na verdade, prestando um serviço ambiental, e não focado no lucro financeiro. 

Mesmo com as leis de resíduos sólidos nacional e estadual estipulando metas para que a população conte com a coleta seletiva em todo território dos municípios, quase um quarto das cidades da região metropolitana de POA ainda não é atendida pelo serviço. A reportagem obteve esses dados fazendo o cruzamento das informações do relatório do TCE/RS com os municípios da RMPA.

Durante quase três meses de conversa pelo WhatsApp, a integrante do grupo de voluntários Projeto Lixo Zero e fundadora da empresa Apoena Socioambiental, Daiana Schwengber, trouxe a sua avaliação sobre a aplicação da Lei Brasileira de Resíduos Sólidos. “Cada cidade tem autonomia para fazer a gestão dos resíduos. A lei prevê que eles sejam coletados de maneira segregada, coleta seletiva de recicláveis, ou coleta comum, os orgânicos e os rejeitos juntos. Porque não há incentivo nenhum à compostagem.”

“Hoje, o Brasil é exemplo para o mundo, em legislações ambientais. Temos boas leis, que se aplicadas corretamente e fiscalizadas, a gente ia viver no paraíso. Contudo, não é assim porque temos vários gargalos por aí, não temos uma política de reciclagem ou de reutilização. Não temos os R’s da sustentabilidade bem descritos, também. Então, as pessoas não sabem o que estão fazendo com o resíduo” – Paula Moletta, engenheira sanitarista ambiental.

Outro fator negativo, para o professor Moraes, é que as as empresas recicladoras estão pagando cada vez menos pelo papelão, plástico e vidro. O que acontece por vários motivos. Um deles é a importação de resíduos. Ele lembra que durante o governo Bolsonaro, a importação desses resíduos tiveram alíquota zero. Então, era mais barato importar do que comprar das cooperativas.

“As empresas também não investem. Existe uma cor setorial de embalagem, cor setorial do vidro, a cor setorial de eletroeletrônicos, e as empresas têm responsabilidade compartilhada aqui, geradoras, importadoras, que comercializam os produtos que depois viram resíduo. Porém, não pagam por essa prestação de serviço ambiental”, afirma Moraes.

A responsabilidade compartilhada conforme a Lei de Resíduos Sólidos do RS. Quadro: Lucas Kominkiewicz/Beta Redação.

Lucas Kominkiewicz

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