Apostas esportivas: reflexos na economia e na saúde mental dos jogadores

Nos últimos anos, as apostas esportivas têm se tornado uma indústria multibilionária, movimentando economias em diversos países. Ao mesmo tempo, esse crescimento acelerado tem levantado preocupações sobre seus efeitos sociais, especialmente na saúde mental dos apostadores
Próximo ao estádio Beira-Rio, é possível avistar placas publicitárias da casa de apostas, patrocinadora oficial do Sport Club Internacional – DOMINIK MACHADO/BETA REDAÇÃO 

As apostas esportivas legalizadas geram receitas significativas para os governos por meio de impostos, licenças e regulamentações. No Brasil, a regulamentação das apostas esportivas, prevista desde 2018, vem atraindo empresas nacionais e estrangeiras. Apenas em 2023, o mercado movimentou bilhões de reais, com uma taxa crescente de adesão entre os jovens. Segundo um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros gastaram R$ 68 bilhões em apostas nas bets. O montante representa 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e 0,95% do consumo total no período. Essa expansão também reflete em patrocínios esportivos nos clubes de futebol que, cada vez mais, têm dependido das casas de apostas para sustentar suas finanças.

Grêmio e Internacional são patrocinados por casas de apostas, com alusões a essas empresas facilmente identificáveis no entorno de seus estádios – DOMINIK MACHADO/BETA REDAÇÃO

O professor titular dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) em Ciências Contábeis e Engenharia de Produção da Unisinos Carlos Alberto Diehl fala que a legalização normatiza uma prática já existente, incluindo arrecadação e alguma geração de emprego. No entanto, a falta de regulamentação clara em alguns países pode abrir espaço para práticas ilegais, evasão fiscal e problemas de transparência. Para garantir que a indústria beneficie a economia, especialistas defendem a implementação de políticas rigorosas, como limites de apostas, auditorias frequentes e campanhas educativas. No Reino Unido, existem algumas regras para as empresas atuarem no ramo, como ter uma licença para operar, apresentar um detalhado plano de negócio, monitorar apostas suspeitas e fazer relatórios periódicos sobre suas atividades. “Existe o risco dessas casas de apostas serem usadas para lavagem de dinheiro e desvio de recursos que poderiam ser usados para girar a economia real. Porém, regulamentado, esse mundo pode trazer um aumento de arrecadação, mas os recursos gerados por esse setor podem ser utilizados pelo governo para combater o potencial vício que o jogo gera”, complementa Diehl.

O professor Carlos Alberto Diehl afirma que a legalização das apostas, pode gerar arrecadação e geração de empregos – Carlos Alberto Diehl/Arquivo Pessoal 

O preço na saúde mental

Com a alta disseminação das apostas esportivas, ainda não é possível ter acesso a um cenário real estatístico no Brasil, porém, um levantamento da Universidade de São Paulo (USP) de 2014 mostrou que 1% da população brasileira poderia desenvolver jogo patológico ao longo da vida, enquanto outro estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de 2009, mostrou que 1,6% dos adolescentes entrevistados tinham problemas com jogos de azar.

A psicóloga clínica Jady Martins de Mello afirma que as apostas esportivas podem afetar negativamente a saúde mental, causando estresse e ansiedade, depressão e isolamento, perda de controle e compulsividade, dificuldades financeiras e culpa, além de prejuízo na autoestima e confiança.

Muitas plataformas de apostas utilizam estratégias que incentivam o engajamento contínuo, como bônus atraentes e sistemas de recompensas instantâneas, criando um ciclo viciante. Para indivíduos vulneráveis, esse comportamento pode evoluir para o chamado “transtorno do jogo”, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma condição de saúde mental. “Alguns dos sinais de comportamento compulsivo se manifestam no aumento frequente das apostas, causando dificuldade em parar ou reduzir, uso de dinheiro destinado a outras necessidades e mentiras ou ocultação sobre o hábito”, fala Jady.

As consequências podem ser amplas, como endividamento, problemas familiares, diminuição da produtividade e, em casos extremos, pensamentos suicidas. Grupos de apoio e linhas de assistência vêm se tornando fundamentais em países onde o problema é mais prevalente, mas o acesso a esses serviços ainda é limitado em muitos lugares. Jady explica que um psicólogo pode avaliar a gravidade do problema, para assim desenvolver estratégias de controle e tratar as questões subjacentes, como depressão e ansiedade.

O equilíbrio necessário

O desafio enfrentado pelo governo e pela sociedade é encontrar um equilíbrio entre o potencial econômico das apostas esportivas e a redução dos danos sociais. Campanhas de conscientização sobre os riscos do jogo compulsivo são essenciais, assim como medidas para proteger apostadores vulneráveis, como limites automáticos de tempo e dinheiro gasto em plataformas.

Em paralelo, a regulamentação pode criar um ambiente mais seguro, permitindo que a indústria cresça de forma responsável. Incentivos para que operadoras de apostas invistam em iniciativas de prevenção e tratamento também são considerados passos importantes. Um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em parceria com a AGP Pesquisas, mostrou que 63% das pessoas que apostam no país tiveram parte da renda comprometida com as bets. Outros 19% pararam de fazer compras no mercado e 11% não gastaram com saúde e medicamentos.

Embora as apostas esportivas sejam uma fonte de entretenimento para milhões, seu impacto vai muito além do simples ato de apostar. A gestão cuidadosa desse setor pode determinar se ele será um aliado do desenvolvimento econômico ou um gerador de crises sociais. Para isso, é essencial que governos, empresas e a sociedade atuem em conjunto, garantindo que o jogo seja, de fato, um jogo justo. “Apesar de muitos profissionais e influenciadores atentarem para formas de tornar a aposta um jogo de diversão, eu como profissional defendo que não existe”, complementa a psicóloga.

A psicóloga Jady Martins afirma que as apostas esportivas podem afetar negativamente a saúde mental dos apostadores – Jady Martins/Arquivo Pessoal 

Rede de apoio

O grupo Jogadores Anônimos é uma irmandade cujos membros compartilham suas experiências, energia e esperança, com o objetivo de parar de jogar, manter-se abstinente e ajudar outros jogadores compulsivos a fazerem o mesmo. Um dos jogadores do grupo de Porto Alegre relata que começou nas apostas esportivas como se fosse uma brincadeira, sempre com valores baixos. “Aquela brincadeira foi tomando conta de mim, pois esses valores já não tinham mais graça. Cada vez aumentando o valor e buscando resultados mais rápidos, peguei dinheiro emprestado com amigos e até investi o meu salário nesses jogos.” https://jogadoresanonimos.com.br/

“Eu acredito que antes de orientar e conscientizar alguém sobre a atividade de apostas, precisamos tratar o assunto com a seriedade que ele tem, ou seja, a sociedade como um todo, e inclusive a nova era de influencers digitais, também deveriam conscientizar mais sobre os jogos on-line. Acredito que toda a sociedade deveria trabalhar junto para a construção de uma conscientização”, alerta Jady.

Lorenzo Mascia

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