“Nossa missão é transformar a jornada oncológica por meio do acolhimento, da educação e da mobilização social”, diz presidente do Instituto Camaleão

Mestra em Políticas Públicas e uma das fundadoras do Instituto, Flávia Maoli destaca a importância e o papel coletivo da associação

Tudo começou em 2011, quando, aos 23 anos, Flávia Maoli Magalhães de Oliveira, atual presidente do Instituto Camaleão, foi diagnosticada com Linfoma de Hodgkin. Depois de um ano e meio em remissão (quando não se encontram células cancerígenas no organismo), o câncer retornou. Foi quando ela precisou realizar um transplante de medula óssea. Para não se sentir só, criou o blog Além do Cabelo, no qual compartilhava dicas de como enfrentar o tratamento com bom humor.

O blog fez com que Flávia conhecesse Leon Golendziner e Bruno Kautz, que acompanhavam as publicações. Juntos, os três organizaram um financiamento coletivo para realizar encontro com outros pacientes, e assim, trocar experiências. Assim nasceu, em 2014, o Projeto Camaleão, com o objetivo de fazer a diferença na vida de pessoas com qualquer tipo de câncer, de seus familiares e de seus cuidadores.

Hoje transformado em um Instituto, o Camelão fica na Av. Protásio Alves, 2820, em Porto Alegre. É uma sociedade sem fins lucrativos que se dedica a aspectos como autoestima, autonomia e reinserção social das pessoas com a doença. Nesta entrevista à Beta Redação, Flávia, atual presidente da entidade, fala sobre a importância do acolhimento e da educação quando o assunto é o câncer.

Flávia Maoli no Instituto Camaleão – JOÃO PEDRO MENDOZA/BETA REDAÇÃO

Entre as normas dos Direitos Humanos, há o “Direito ao acesso à Saúde”. Quanto esse direito rege o trabalho do Instituto Camaleão?

Nossa missão é transformar a jornada oncológica por meio do acolhimento, da educação e da mobilização social – e esses três braços têm ligação direta com o direito à saúde. Acolher a dor de quem descobre o diagnóstico de câncer é o primeiro passo para que a gente possa seguir, trazendo informações de fontes seguras, orientando o paciente a ir atrás de seus direitos. E a mobilização social para a defesa ou criação de direitos também vai no mesmo sentido de garantir o acesso à saúde e à dignidade para quem enfrenta o câncer.

Onde o Instituto Camaleão chega que o poder público não consegue?

O trabalho da sociedade civil organizada não é substituir o poder público, mas sim complementar as necessidades dos usuários, agregar forças e, também, ser a voz do paciente na defesa e criação de direitos sociais. Nesse sentido, temos o papel de representar a sociedade civil e, sendo assim, as pessoas com qualquer tipo de câncer.

Quais foram os passos dados para transformar o Projeto Camaleão em um Instituto? Quais são as diferenças?

Legalmente, só alteramos a razão social no estatuto e aprovamos em assembleia e no cartório. A transformação em Instituto não teve peso fiscal, não há isenção de impostos ou outros benefícios pela simples alteração. Porém, “projeto” tem início e fim, e nós vimos, ao longo dos anos, que o Camaleão já não era um projeto, e sim um instituto de verdade.

Flávia Maoli com os lenços feitos no Instituto – JOÃO PEDRO MENDOZA/BETA REDAÇÃO

Além de arquiteta e urbanista, você é Mestra em Políticas Públicas. O quanto esse conhecimento enriquece o trabalho desenvolvido pelo Instituto Camaleão?

O estudo de políticas públicas me ajudou a compreender mais o trabalho de ativista que eu já vinha realizando “amadoramente”. Além disso, estamos implementando algumas mudanças na estrutura de trabalho do Camaleão que são reflexo dos resultados da minha pesquisa de mestrado, como ampliar as ações educativas e de mobilização social. Conhecimento sempre agrega e, nesse caso, o mestrado não só me beneficiou pessoalmente como ajudou a aprimorar ainda mais o trabalho do Camaleão.

Sobre colaboradores, quantos atuam hoje no Instituto? E todos realizam trabalho voluntário?

Temos seis funcionários remunerados e mais de cem voluntários, que atuam em diferentes áreas para manter os atendimentos e a estrutura do Instituto. Alguns trabalhos de liderança exigem maior dedicação de carga horária e responsabilidades, o que inviabilizaria manter o trabalho apenas com o voluntariado. Porém, o trabalho voluntário é o que move o Camaleão a crescer cada vez mais.

Lenços sendo embalados dentro do Instituto Camaleão – JOÃO PEDRO MENDOZA/BETA REDAÇÃO

Entre os serviços oferecidos estão grupos terapêuticos, Reiki, fisioterapia e outros. Como os voluntários podem chegar até o Instituto e se colocarem à disposição?

Nós abrimos seleção de voluntariado uma ou duas vezes ao ano, conforme necessidade. Fazemos a divulgação das vagas, entrevistas individuais e treinamento, então esse trabalho exige uma dedicação grande da equipe.

No sábado, dia 12 de abril, foi realizada mais uma edição do Brechó Camaleão, que é uma das fontes de renda. Como foi organizar o evento e qual foi o seu resultado?

Temos o Brechó do Camaleão, que funciona de segunda à sexta das 9h às 17h em nossa sede. E os bazares nós organizamos em algumas datas especiais, em que chamamos pacientes, voluntários e apoiadores para expor. Esses eventos são muito legais porque, além de angariar recursos, também ajudam a divulgar nosso trabalho. Ainda não fechamos o resultado financeiro, mas o evento foi um sucesso de público.

Brechó do Camaleão presente no segundo andar do Instituto – JOÃO PEDRO MENDOZA/BETA REDAÇÃO

Quantos serviços o Instituto oferece e quantas pessoas hoje, são assistidas por vocês?

Nós oferecemos grupos de apoio, orientação de direitos, encontros virtuais sobre diversos temas, entregamos o Kit com Carinho (para pessoas que irão passar por cirurgia devido ao câncer de mama) e as próteses personalizadas no Programa Adapta. Também oferecemos treinamentos para nossos voluntários e do Grupo Hospitalar Conceição, capacitações para equipes da atenção primária e estudantes da saúde e organizamos eventos e campanhas de conscientização sobre diversos tipos de câncer. No Hospital Conceição, mantemos o Banco de Perucas e Acessórios, e temos também voluntários que oferecem diversas atividades de apoio, como massoterapia e oficinas de artesanato, entre outros.

O Instituto Camaleão oferece serviços gratuitos. Como os pacientes de câncer e os familiares têm acesso a esses serviços?

Eles podem entrar em contato conosco pelo WhatsApp (51) 9.9463-7829, muitas vezes esse contato surge a partir das redes sociais ou site. Também recebemos pessoas que receberam prescrição de suas equipes de saúde para nos procurar.

Flávia Maoli trabalhando em sua sala – JOÃO PEDRO MENDOZA/BETA REDAÇÃO

Em 11 anos de existência, houve algum caso que foi mais difícil de apoiar? E como o Instituto Camaleão conseguiu ajudar?

Acompanhamos muitas pessoas com câncer, cada uma com seus desafios e alegrias na jornada oncológica. Os pacientes que sofrem mutilação facial devido ao câncer são um grupo que frequentemente enfrenta desafios e dificuldades de acesso à reabilitação e direitos sociais, por isso o “Programa Adapta” faz-se tão necessário para apoiá-los.

Qual é a importância e o papel dos apoiadores e parceiros para o trabalho realizado pelo Instituto?

Nosso trabalho é mantido pela doação de pessoas e empresas que sonham conosco. Cada doação é muito importante para nos ajudar a manter nosso trabalho e crescer cada vez mais. Além de doações financeiras, a doação de roupas e acessórios em bom estado também ajuda a viabilizar nossa existência, pois o nosso “Brechó do Camaleão” é uma importante fonte de recursos. E, é claro, nossos voluntários e seguidores, que ajudam a divulgar nosso trabalho e ampliar nosso alcance, também têm um papel fundamental para manter o Camaleão.

Ateliê presente dentro do brechó do Camaleão – JOÃO PEDRO MENDOZA/BETA REDAÇÃO

Qual é o futuro do Instituto Camaleão?

Como quem passou duas vezes pelo câncer antes dos trinta anos, pessoalmente evito fazer planos a longo prazo. Mas com certeza vejo o Camaleão crescendo, ajudando cada vez mais pessoas a verem que o câncer é uma doença desafiadora, mas não é um castigo nem uma sentença.

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