“A gente aprendeu a pedir ajuda”, afirma Tânia Farias, atriz do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, que luta para se reconstruir após a enchente

Ói Nóis Aqui Traveiz se apresenta em abrigo na capital gaúcha. Foto: Liz Fonseca

Com o auxílio de um cone de trânsito, que serve como microfone improvisado, um rapaz chama as pessoas que estão abrigadas temporariamente no Centro Humanístico Vida para assistir ao sarau produzido pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. Antes, para chegar ao espaço transformado em palco foi necessário passar por um labirinto de gradis e cobertores cinza que são, hoje, o espaço ocupado pelas famílias que ainda não voltaram para casa devido à enchente que atingiu o Rio Grande do Sul no mês de maio. As crianças brincam e correm perto dos artistas, no ambiente agora repleto de música e poesia. 

Quem vê a apresentação e a alegria que o espetáculo proporciona não imagina que os atores também precisam de ajuda: o espaço cultural dos atuadores, no 4º Distrito da capital gaúcha, foi seriamente atingido pelas enchentes. Os responsáveis e voluntários da Terreira, como é carinhosamente chamado o local, viram a água ultrapassar a marca de 1,50m de altura. 

Apresentação da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz em sarau no Centro Humanístico Vida, na zona norte de Porto Alegre. Foto: Liz Fonseca / Beta Redação

Em live promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos no dia 18 de junho e disponível na plataforma Youtube, a atriz e diretora Tânia Farias afirma que o setor cultural ainda não recebeu ajuda dos governos municipal e estadual. Porém, ela ressalta o poder de uma iniciativa originada dentro de outro grupo de teatro de rua, em Canoas: o De Pernas Pro Ar, que está arrecadando valores via Pix. Atendendo principalmente à capital gaúcha e cidades da Região Metropolitana, a campanha do grupo canoense afirma já ter destinado ajuda a pelo menos 193 artistas e grupos, entre eles o Ói Nóis. Entre os já contemplados, 105 pessoas perderam suas casas, enquanto os demais foram atingidos indiretamente ou tiveram trabalhos cancelados.

Além do apoio com recursos financeiros, é necessário muito trabalho para recuperar materiais e figurinos que ficaram embaixo d’água. “A gente ficou fazendo um trabalho muito minucioso apenas com uma máquina de lavar. Primeiro, tem que jatear com água os figurinos que estão enlameados, depois botar na máquina de lavar e dar banho de bórax para desinfetar e evitar fungos. Temos 600 figurinos para higienizar. Recebemos, de duas pessoas, máquinas usadas. Uma delas, tivemos que chamar alguém para consertar. A outra era velhinha, mas estava funcionando. Desde então, essas duas máquinas não pararam”, afirmou Tânia. 

Atuador e um dos fundadores do Ói Nóis Aqui Traveiz, Paulo Flores descreve a situação dramática vivenciada pelo grupo. “O momento que o Ói Nóis  está vivendo é muito difícil. A enchente é um acontecimento trágico para todas as cidades atingidas. E não foi diferente para quem trabalha com arte e cultura. Nosso teatro e escola ficaram um mês tomados pela água e lama. Agora estamos tentando salvar figurinos, máscaras e adereços em um trabalho árduo e diário”, declarou. 

Após participar do curso de verão promovido pela Terreira, Célia Trevisan decidiu se voluntariar na recuperação. Ela afirma que “Quando a Tânia fez o chamamento para o mutirão de faxina, eu fui. Acho que é uma forma de ajudar, de dar um retorno para aquele espaço. Era triste de ver. Tudo tinha sido revirado pelas águas. A gente fala água, mas não é isso, era um lodo fétido, grudento, pegajoso, gorduroso. Entramos lá às escuras, sem energia elétrica, protegido com roupa, máscara e luvas”. 

A voluntária compartilha a angústia que sentiu ao ver o espaço cultural destruído. Segundo ela, foram várias semanas se envolvendo com limpeza pesada, tirando a lama com rodos, e analisando itens que podiam ser salvos. “É uma dor ver as histórias que estão indo para o lixo… Não é lixo, é a vida, é a história. No caso da Terreira, um grupo de 46 anos que tem uma atuação social, um comprometimento social e político. Dói muito, e, para mim, é uma oportunidade de poder colaborar para que a gente saia deste lodo em que nos colocaram”, completa. 

Outra perda que prejudica o trabalho do grupo de atuadores é a dos instrumentos musicais, destruídos pela água. Conforme Tânia, muitos equipamentos foram perdidos, além de caixas e mesas de som. “A gente viaja para uma apresentação no dia 27 de junho e não vai ter como ensaiar. Precisaríamos de uma gaita ponto, de oito baixos, e um sax soprano. São os instrumentos mais caros, e que não temos nesse momento. Vamos para a apresentação em Belo Horizonte muito por conta de ter sido um convite anterior à enchente e por estarem completamente solidários conosco. Eles vão nos emprestar a maior parte dos instrumentos. Vamos chegar sem nada e usar os deles. Isso é complexo, mas é muito melhor do que não poder apresentar”, pontuou. 

Reconstrução e retomada

Personagem histórico da Terreira, Paulo Flores explica que a retomada das atividades do grupo será gradual. “A Terreira da Tribo está completando, em julho, 40 anos de atividades ininterruptas como espaço aberto para as artes cênicas, a música, os filmes, a pesquisa teatral e como escola de Teatro Popular. Graças ao apoio de amigos, do nosso público, e pelo trabalho em mutirão estamos reconstruindo o nosso material cênico. Assim, aos poucos vamos retomando nossas atividades. O Instituto Goethe vai ceder o seu auditório durante as tardes para que a Oficina de Formação para Atores da Escola de Teatro Popular tenha continuidade. Estamos nos apresentando em abrigos com um pequeno apoio do Ministério da Cultura”, afirmou. 

Já Célia Trevisan destacou a importância de resgatar, através dos objetos, parte da história do Ói Nóis Aqui Traveiz. “Cada peça que a gente limpa tem uma história: em qual encenação aquele objeto, adereço ou figurino foi usado, onde foram as apresentações, quantas pessoas viram um atuador usar… Então é bom poder ver que, de alguma forma, a gente está colaborando”, finalizou. 

Tânia, por sua vez, comemora cada ajuda recebida para a reconstrução. “Agora, recebemos o comprovante da compra de uma lavadora e secadora de roupas, que o vereador Roberto Robaina, a deputada estadual Luciana Genro (ambos exercendo os cargos pelo PSOL) e o (projeto) Emancipa Mulher, juntos, compraram”, festejou. 

Apresentações da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz no Festival Internacional de teatro de Belo Horizonte, em junho de 2024. Imagem: FIT BH / Divulgação
Apresentações da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz no Festival Internacional de teatro de Belo Horizonte, em junho de 2024. Imagem: FIT BH / Divulgação

Confira como ajudar as iniciativas culturais mencionadas na reportagem:

SOS Terreira da Tribo

Associação dos Amigos da Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
CNPJ: 95.123.576/0001-52
Caixa Econômica Federal (104)
Agência: 0448
Operação: 003
Conta corrente: 01315-4
Chave Pix: 95123576000152 (CNPJ)

SOS Cultura – De Pernas Pro Ar

Titular: Luciano Wieser
Banco do Brasil (001)
Agência: 0479-0
Conta corrente: 600.000-2
Chave Pix: depernasculturasos@gmail.com

Liz Fonseca

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também