Com entrada gratuita, a 14ª edição da Bienal do Mercosul se espalha por diferentes pontos de Porto Alegre e região metropolitana. Entre os espaços que estreiam no circuito deste megaevento está o Pop Center, tradicional centro comercial popular no coração da capital gaúcha. A escolha marca um gesto simbólico e político da curadoria: descentralizar o acesso à arte e provocar transformações na maneira como ela é percebida no cotidiano urbano.
É nesse ambiente de fluxo intenso que estão expostas obras dos artistas Fátima Rodrigo, peruana, e Ismael Monticelli, brasileiro. As duas instalações dialogam diretamente com o espaço em que estão inseridas. A obra de Fátima, intitulada por Dancefloor, propõe uma pista de dança permanente, onde o som não para, tampouco as luzes se apagam. Com música contínua e reflexos guiados por um globo espelhado, a instalação se dilui entre os ruídos e as conversas cruzadas de quem circula pelo centro. Muitos, inclusive, atravessam a obra sem perceber que fazem parte dela.

Center (Foto: Luís Leite / Beta Redação)
Já Ismael Monticelli, na sua segunda participação no evento, trouxe o projeto Zé Ninguém, uma obra que estabelece diálogo direto com o espaço ao refletir a estética visual própria do local com letreiros digitais, luzes piscantes e LEDs coloridos. “O convite me animou de imediato. Eu já tinha certa relação afetiva com o lugar: como morei em Cachoeirinha por muitos anos, era ali, no terminal de ônibus que fica embaixo do centro comercial, que eu costumava chegar e sair de Porto Alegre”, explica o artista.
A obra está exposta em uma espécie de pátio, com cabines coloridas que representam petróglifos revelados pela seca extrema do Rio Negro, no Amazonas, em 2023, que revelou rostos esculpidos em pedra com mais de 2 mil anos de idade.

A relação entre espaço e obra
No que diz respeito ao espaço em que as obras estão inseridas (Pop Center), o artista entende que existe um pensamento comum de que é a arte que eleva o espaço, que o transforma, que o qualifica, mas, para ele, é justamente o oposto. “É o espaço vivo, movimentado, acessível, carregado da energia do cotidiano que tem o poder de qualificar a arte. O Pop Center não está sendo engrandecido pela presença da Bienal — é a arte que se beneficia profundamente por estar ali. É um privilégio para mim e para o trabalho ocupar esse lugar” pontua.
Apesar do movimento constante de pessoas no centro comercial, a presença das obras da Bienal ainda passa despercebida por grande parte do público. Quem circula pelo local não associa os elementos visuais e sonoros às intervenções artísticas propostas. A instalação de Fátima, por exemplo, é atravessada diariamente por dezenas de pessoas, mas sem provocar permanência ou curiosidade — muitos sequer percebem que estão literalmente dentro de uma obra.
A situação se repete — e até se intensifica — no caso da obra de Monticelli. Por estar posicionada em um espaço mais afastado da entrada. Alguns comerciantes que trabalham ao lado da obra relatam não saber que o Pop Center faz parte da Bienal do Mercosul ou que há uma intervenção artística instalada ali. O contraste entre o alto fluxo diário de frequentadores e a baixa adesão às obras chama atenção. A presença da Bienal nesse espaço ainda não se converteu em efetiva participação do público que frequenta o centro.

Além do Pop Center, outros locais estreantes na Bienal incluem a Cinemateca Capitólio, o Museu da Cultura Hip Hop RS, a Fundação Ecarta, unidades da Estação Cidadania da Lomba do Pinheiro e da Restinga e a Fundação Vera Chaves Barcellos, em Viamão.