Somente duas das 14 cidades que integram a Região do Vale do Rio dos Sinos possuem regulamentação municipal para a Lei de Acesso à Informação (LAI): Sapiranga e São Leopoldo. Este foi o resultado de uma apuração coletiva realizada pela turma de Jornalismo de Dados da Unisinos São Leopoldo/RS. Entre os meses de agosto e setembro de 2024, as prefeituras da região foram questionadas, via LAI, sobre a regulamentação da legislação no Executivo Municipal.
Metade dos pedidos sequer foram respondidos, e somente três prefeituras responderam dentro do prazo de 20 dias previsto na LAI — Canoas, Dois Irmãos e Sapiranga. São Leopoldo e Sapucaia do Sul enviaram as informações solicitadas após contato com as respectivas assessorias de imprensa. Campo Bom e Estância Velha responderam o contato via e-mail, mas não forneceram informações, apenas reconheceram a existência do pedido.
A Lei nº 12.527/2011, conhecida como LAI, tem como objetivo garantir o direito constitucional dos cidadãos de solicitar dados de órgãos públicos gratuitamente, sem necessidade de justificar a procura pelo processo. Válida em todo o território nacional, a LAI abrange os Três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive os Tribunais de Contas e o Ministério Público. Embora a lei federal apresente as diretrizes gerais, há regramentos que precisam ser regulamentados pelos municípios para adequar o procedimento de acesso a dados públicos à realidade local.
Como funciona o acesso
Os 14 municípios do Vale dos Sinos foram questionados sobre a existência de uma regulamentação municipal para o acesso à informação, quantos funcionários atuam no SIC e qual a secretaria responsável pela execução da LAI no município. Também foram solicitadas estatísticas de atendimentos realizados. Para realizar um pedido com base na LAI, o cidadão deve acessar o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), que pode ser físico (carta presencial) ou eletrônico (formulário e-SIC, e-mail). A legislação estabelece o prazo de 20 dias para resposta de uma demanda por informações, prorrogáveis por mais 10 dias — tempo que não foi respeitado pela maioria das cidades questionadas na região.
Todas as cidades do Vale dos Sinos, com exceção de Portão, possuem um e-SIC para a realização de pedidos. No caso de Portão, o site indica que é necessário contato via e-mail, o que também não gerou retorno. Canoas, São Leopoldo, Dois Irmãos e Sapiranga disponibilizam estatísticas mensais relacionadas aos pedidos recebidos. Nos sites de São Leopoldo e Dois Irmãos ainda é possível determinar o período específico que se deseja analisar. Sapucaia do Sul, apesar de realizar o acompanhamento estatístico, não disponibiliza tais dados para o público, mantendo apenas para controle interno de gerenciamento de informações, conforme a resposta obtida.
O órgão responsável pela administração das informações varia de acordo com o município. Canoas, apesar de não informar o órgão responsável, afirma que dispõe de sete funcionários para o atendimento do SIC. Em Dois Irmãos, as solicitações ficam sob os cuidados da Procuradoria Geral do Município. São Leopoldo e Sapucaia do Sul possuem a Ouvidoria Municipal como o setor próprio para estes pedidos que contam com, respectivamente, cinco e três servidores cada. Já em Sapiranga, dois funcionários públicos são responsáveis pelo atendimento do SIC, que é de responsabilidade da Secretaria de Indústria, Comércio e Tecnologia.
Desafios do processo
Durante o levantamento realizado nesta reportagem, foi possível perceber diversas limitações e percalços para o acesso, seja no atraso das respostas — que demandou esforço extra para correr atrás de outras formas de contato, via assessoria de imprensa, por exemplo — seja na completa falta de resposta ou até mesmo no momento de abertura do pedido, com sistemas complexos, bugs ou que exigiam informar dados pessoais para o registro. Não fosse o suporte da universidade e a intenção de investigar a realidade do processo de solicitação de dados através da LAI, a busca teria sido, muito provavelmente, abandonada pela metade.
Mesmo em São Leopoldo, onde há um decreto municipal de 2012 que regulamenta a LAI, foi necessário buscar informações sobre o pedido realizado via assessoria de imprensa, já que o prazo para resposta no SIC não foi respeitado. Já em Sapiranga, que tem uma lei municipal que regulamenta o acesso à informação desde 2014, o pedido deste levantamento foi respondido em menos de 24 horas — o Art. 9º da lei prevê que o SIC deverá conceder o acesso imediato à informação disponível.
O advogado Bruno Morassuti, cofundador e diretor de Advocacy da Fiquem Sabendo, agência de dados independente especializada na Lei de Acesso à Informação, ressalta que a regulamentação da LAI demonstra um compromisso da administração pública local em cumprir a mesma, o que torna as responsabilidades e direitos mais claros. “A falta de atenção dos municípios com a Lei de Acesso à Informação demonstra que não há efetivamente uma preocupação com transparência pública”, conclui o advogado, que também é especialista e mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Sobre a região
A região do Vale dos Sinos, localizada no nordeste do Rio Grande do Sul (RS), é uma das mais importantes do estado em termos de economia e população. Integrando parte da região metropolitana de Porto Alegre, acompanha o curso do Rio dos Sinos, percorrendo cerca de 190 km pelos municípios de Araricá, Campo Bom, Canoas, Dois Irmãos, Estância Velha, Esteio, Ivoti, Nova Hartz, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Portão, São Leopoldo, Sapiranga e Sapucaia do Sul. De acordo com o levantamento do último Censo Demográfico, de 2022, os 14 municípios configuram 12% da população do RS com, aproximadamente, 1,3 milhão de habitantes.
Seu nome, Rio dos Sinos, tem origem incerta. Algumas histórias contam que ele possa referir ao som dos sinos de alerta da chegada de novos navios ou perigos, nos tempos coloniais. Outras dizem que foi uma denominação associada aos sinos que os jesuítas utilizavam para marcar o horário de suas atividades e orações e, até mesmo, que foi um título inspirado pelos sons emitidos pela passagem dos ventos através da arquitetura natural, de matas e rochas, formadas ao longo do rio. Independentemente da nascente de seu nome, esse rio teve um papel fundamental no desenvolvimento da região, contribuindo fortemente para o início oficial de sua colonização em 1824, duzentos anos atrás. A chegada dos imigrantes alemães, centrados na cidade de São Leopoldo, contribuiu com o crescimento cultural e econômico do Vale, que, hoje, mantém o status como centro urbano e industrial no RS.
*Por Amanda Ferrari, Bernardo de Almeida, Camille de Mello, Karolina Kraemer, Lara Zarth e Mateus Vasconcelos (supervisão e edição: Taís Seibt)