Maior incidência em pessoas negras de infecções sexualmente transmissíveis é mais um retrato das desigualdades no acesso à saúde

cartaz na Praça da Alfândega sobre prevenção ao HIV
Para marcar o Dezembro Vermelho, mês de conscientização sobre HIV/Aids, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre promoveu testes rápidos e orientações de prevenção na Praça da Alfândega (Foto: Cristine Rochol/PMPA)

Por Amanda Ferrari, Bernardo de Almeida e Karolina Kraemer

Ainda que a maior quantidade de casos de HIV em Porto Alegre seja detectada em pessoas autodeclaradas brancas, se considerada a taxa por 100 mil habitantes, a população negra apresenta quase três vezes mais detecções, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) extraídos do  Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Em 2022, último ano disponível na série histórica da SMS, foram 89,8 casos para cada 100 mil habitantes entre pessoas negras — grupo que reúne pretos e pardos, conforme as classificações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, contra 33,7 casos para cada 100 mil pessoas brancas. 

Em percentuais sobre o total de casos, a população branca responde por 56% dos casos de HIV, e a população negra por 38% dos registros em 2022 (2% dos casos foram detectados na população amarela e em 4% a raça é ignorada). No Censo 2022, o IBGE apontou que 73,6% da população porto-alegrense se autodeclara branca. 

A desigualdade é histórica, e se mantém mesmo com a redução global no número de casos de HIV. Se retrocedermos uma década, em 2013, a taxa por 100 mil habitantes era de 60,4 notificações entre pessoas brancas e 132,6 entre pessoas negras na capital gaúcha. A disparidade também é global: segundo o Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids), este cenário é mais um reflexo do racismo estrutural, que impede que todas as pessoas, independente de etnia, cor ou raça, usufruam dos avanços na resposta à infecção pelos serviços de saúde.

O HIV é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada por microrganismos transmitidos, normalmente, durante o contato sexual, sem o uso de camisinha, com pessoas infectadas. O termo IST substituiu o DST — doenças sexualmente transmissíveis —, pois existe a possibilidade de uma pessoa ser portadora do vírus e transmitir a infecção estando assintomática. Isso pode acontecer com frequência, uma vez que, sem o aviso de sintomas, é incomum o pedido por exames que possibilitam o diagnóstico precoce. “Muitas vezes, o paciente chega, faz um pedido de check-up e não tem uma indicação clara de fazer qualquer exame específico, mesmo os simples, como o de colesterol, por exemplo. Por isso, principalmente em jovens, é muito importante a realização de sorologias”, explica o médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Mateus Helfer.

Após uma relação sexual desprotegida, é recomendável procurar auxílio médico, para que, juntos, médico e paciente, ajustem a testagem e o tratamento necessário. Seguinte à exposição ao vírus HIV, o teste rápido leva entre sete e 15 dias para ser positivado ou negativado corretamente, o que faz com que pessoas falsamente negativadas transmitam o vírus sem a consciência do fato. 

Apesar do nome, uma IST também pode ser transmitida através do uso de seringa por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; da mãe infectada para o seu filho durante a gravidez, no parto e amamentação; e por instrumentos que cortam ou furam não esterilizados. Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, o HIV não é transmitido por sexo anal, oral ou vaginal com uso correto da camisinha, uso de medicação para a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP), masturbação a dois, beijo no rosto ou na boca, contato com suor e lágrima, picada de inseto, aperto de mão ou abraço, compartilhamento de sabonetes, toalhas, lençóis, talheres e copos.

Aids é agravamento do HIV

Quando falamos de HIV, a associação automática com a Aids — Síndrome da Imunodeficiência Adquirida — é inevitável. Apesar de comumente utilizados como sinônimos, é importante frisar que não são a mesma coisa. Aids é o estágio mais avançado da contaminação por HIV, ela enfraquece o sistema imunológico imensamente, o que facilita o surgimento de doenças que se aproveitam desta deficiência para se desenvolverem com facilidade, como diarreia crônica, pneumonia, tuberculose e até mesmo o câncer.  “Nós temos muitos critérios para definir a Aids, então é bem complexo, mas quando um paciente está sofrendo novas infecções, decorrentes da diminuição das defesas do corpo ocasionadas pelo HIV, podemos dizer que ele desenvolveu Aids”, explica Helfer. 

Em Porto Alegre, mais de 8 mil pessoas foram diagnosticadas com Aids nos últimos 10 anos. Assim como nas taxas de notificação de HIV, a evolução para Aids também é percebida majoritariamente em pessoas negras. Foram 18,8 casos Aids para cada 100 mil pessoas brancas e 44,5 para cada 100 mil pessoas negras em 2022 — quase três vezes mais. O alto índice de evolução de HIV para Aids entre a população negra é mais um fator que expõe as barreiras estruturais de acesso aos tratamentos adequados de saúde.

Dezembro Vermelho

Dezembro é marcado como o mês da luta contra a Aids, HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis, buscando conscientizar sobre a importância de medidas preventivas e a proteção dos direitos das pessoas infectadas. “O preconceito é um grande desafio. Muitos relatam situações de discriminação na família, entre amigos, nos novos relacionamentos, na escola dos filhos, nos serviços de saúde, junto aos vizinhos, na sociedade como um todo. O diagnóstico se torna mais um estigma entre tantas outras marcas”, explica Cristiane Saraiva Marins, que há mais de 20 anos trabalha na Casa Fonte Colombo — Centro de Promoção da Pessoa Soropositiva  HIV. A instituição dedica-se ao acolhimento e assistência aos portadores de HIV e Aids, além de ações de conscientização.

A Casa busca contribuir no resgate da dignidade da pessoa humana, lutando contra a discriminação e o preconceito sofrido por pessoas soropositivas-HIV, que ainda é grande. Os atendimentos são realizados de forma voluntária e, além da assistência à saúde, auxilia na reestruturação de laços familiares e reinserção social, desenvolvendo um trabalho complementar aos serviços de saúde públicos e privados. “Para que uma pessoa possa utilizar os serviços da Casa, ela precisa apresentar seus últimos exames de contagem de linfócitos CD4, Carga Viral e receita dos medicamentos antirretrovirais, além de estar no Cadastro Único e querer se cuidar. Caso ele não tenha algum dos documentos, orientamos onde e como proceder para consegui-los”, esclarece Marins.

A instituição disponibiliza serviços de psicologia, enfermagem, higiene pessoal, refeição, qualificação profissional, entre outros, além de organizar doações de itens de vestuário, para casa e para o autocuidado. Cristiane conta que a instituição procura fortalecer os usuários para que eles saibam como lidar com as situações de preconceito que podem encontrar na sociedade. “Na maioria dos casos, as pessoas chegam muito abaladas e com muitas dúvidas do que encontrarão pela frente. Necessitam falar, chorar, partilhar sentimentos, expor dificuldades, medos, dúvidas. A Casa é um espaço onde a pessoa aprende a conviver com sua nova situação e, principalmente, interagir entre pares”, complementa. 

A ONG atende de segunda a sexta-feira, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 17h30. É possível entrar em contato com a instituição através dos telefones: (51) 3346-6405 e (51) 9 9302-6482.

A infecção por HIV pode ser assintomática ou apresentar sintomas inespecíficos em até três semanas após a infecção pelo vírus e apresentar quadros como: febre, mal-estar, cansaço, adenomegalias (aumento dos linfonodos). Após esse período, a doença entra em uma fase assintomática, que pode durar meses ou anos. Posteriormente, irão surgir infecções decorrentes da imunidade baixa. 

O teste rápido para detecção do vírus da imunodeficiência humana é feito com uma gota de sangue, podendo ser realizado em um posto de saúde. Além disso, é possível obter informações sobre os serviços de saúde, através do Disque Saúde 136. 

Beta Redação

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