Um gol polêmico marcou o confronto entre o Brasil de 1982 e a equipe do São José. O meia Sócrates, na entrada da área pelo lado esquerdo de ataque, chutou forte. Num lance muito rápido, pareceu que a bola bateu no goleiro e foi pela linha lateral. A Seleção Brasileira alegou que a “criança” bateu na trave e entrou. O gol foi validado sem muitas reclamações da parte do clube gaúcho.
O gol dava a vantagem para o selecionado verde e amarelo. Após esse lance, a Seleção continuou melhor no jogo. A jogada decisiva da partida começa com a defesa do São José afastando a bola curta em direção ao círculo central do campo.
O lateral-direito Leandro, completamente sem marcação, e numa posição diferente do costume – no meio do campo – arrisca o chute. A bola bate na trave no canto direito e estufa as redes da equipe gaúcha.
O gol decreta o placar de 3×1. O São José, mesmo com mais três minutos para jogar, resolve tirar o time de campo e aceitar a derrota. Essa partida não é fruto da imaginação. O confronto foi válido pela 3ª rodada da VI Taça Cidade de Canoas 2024 de Futebol de Mesa, Regra 1 Toque – Cavado.
O torneio ocorreu na sede da Associação Atlética do Banco do Brasil, a AABB de Canoas. Ele reuniu 48 competidores durante todo o domingo (24/11). Entre os representantes estavam Pedro Henrique, 14 anos, que venceu com a sua seleção brasileira de 1982 o escrete do São José comandando pelo senhor Paulo Mabília, 83 anos.
Prática de pai para filho
O único adolescente do torneio, Pedro Henrique dos Santos, estudante, mora com a mãe em Capão da Canoa (RS). Ele começou a praticar o futebol de botão recentemente por influência do pai, Maurício dos Santos. Em 2025, o garoto tem plano de se mudar para a cidade de Gravataí, junto do pai. “Hoje estou morando em Capão da Canoa, por isso não treino muito. Ano que vem vou mudar e jogar na Afumepa, uma associação mais forte, e vou começar a me dedicar para melhorar.”
Pedro conta que há muita competição dentro da comunidade do botão. “A comunidade é bem legal, tem muita amizade e bastante rivalidade. O nosso objetivo é sempre ganhar da Liga São Carlos, que é uma equipe mais forte.”
Já para o aposentado Paulo Mabília, o esporte fez parte da infância: “Jogava quando era um guri de calça curta, como eles falavam na época. Com meu pai, meus irmãos e meus primos. Jogar bola na rua e botão dentro de casa eram as nossas únicas diversões para passar o tempo.”
Quando começou a trabalhar, ele abandonou a prática e começou a se dedicar a família. Por intermédio de um amigo chamado França, já falecido, o recém-aposentado na época voltou a praticar o botão numa associação em Porto Alegre, chamada Zona Sul Futebol de Mesa. “Meu amigo me chamou e eu adorei, pois criamos um grupo de amigos que, além de jogar o botão, janta e comemora aniversários juntos. Uma comunidade.”
É bastante comum que homens, quando chegam na fase adulta, parem de praticar o jogo. Ricardo Ferreira da Costa, 68 anos, voltou a jogar depois de adulto, pois precisava trabalhar e cuidar da família. Ele ressalta orgulhoso que conseguiu passar essa prática para seu filho, Cristian Costa. Ambos jogam na regra brasileira em Porto Alegre.
Cristian conta como é prazeroso ter esse momento de pai e filho. “É algo que nos une. Naquele bate-papo por whats, ou quando vou almoçar na casa dele. Meu pai está bastante envolvido nos campeonatos. Viajou até recentemente a Florianópolis para disputar o Brasileiro. Ver essa motivação nele me deixa muito feliz”, avalia Cristian.
Outro botonista presente no cenário é Régis Castilhos. Ele faz parte da Associação de Futebol de Mesa de Porto Alegre, a Afumepa, a associação com maior número de presentes no torneio na AABB. Atualmente, ela está em primeiro no ranking nacional. Com 61 anos, o também aposentado conta que o botão é um esporte familiar. “Meu pai era militar e, quando foi transferido para Santana do Livramento, eu conheci o jogo através de uma família vizinha que montou uma associação. Ali, eu comecei a jogar e a participar dos torneios. Depois de adulto continuei jogando. Passei essa paixão para o meu filho. Eu sempre o trouxe para os eventos. Agora, ele mora nos Estados Unidos e joga com uma mesa que nós construímos.”
Regras do esporte
O futebol de mesa, também conhecido como futebol de botão, consiste em um jogo simulado praticado com equipamentos apropriados, que, de certa forma, representam os jogadores e são movidos com o auxílio de uma palheta ou um objeto chamado de régua.
Criado pelo brasileiro Geraldo Cardoso Décourt, em 1930, o esporte viveu seu auge de popularidade entre as décadas de 1970 e 1990. A prática foi reconhecida como esporte em 1988 pelo antigo CND – Conselho Nacional de Desportos, à época pertencente ao Ministério da Cultura. Hoje, a modalidade está vinculada à Secretaria de Esporte do governo federal. Atualmente, o órgão que regula o esporte é Confederação Brasileira de Futebol de Mesa (CBFM). Ela organiza o calendário nacional da modalidade. Os estados brasileiros também possuem suas federações.
Atualmente, o futebol de mesa é dividido em algumas modalidades, com a Regra 3 toques, 12 Toques, Dadinho e a presente no campeonato, a Regra 1 Toque.
A regra hoje chamada de 3 toques foi durante muito tempo conhecida como Carioca. Sua peculiaridade é que cada partida tem a duração de 40 minutos, com 2 tempos de 20 minutos, e intervalo de 5 minutos entre o primeiro e segundo tempo. Estando um jogador com a posse de bola, este terá direito a um limite coletivo de 3 toques, sendo que no segundo lance deverá passar a bola a outro botão, para ter direito ao 3º toque. O chute a gol só é permitido quando seu primeiro lance for executado no campo de ataque.
A regra 12 toques, que foi durante muito tempo denominada Regra Paulista, tem como peculiaridades que cada partida tem a duração de 20 minutos, disputada em dois tempos de 10 minutos, com intervalo máximo de 3 minutos. O jogador com a posse de bola terá direito a um limite coletivo de 12 toques, sendo que até o décimo segundo toque ele precisa chutar ao gol. Caso não consiga, será punido com tiro livre indireto cobrado do local onde a bola estiver estacionada. Cada botão, obedecido o limite coletivo de 12 toques, terá direito a 3 toques ou acionamentos consecutivos.
Já a regra Dadinho tem como diferenças o formato da bola: um cubo confeccionado em acrílico ou material semelhante e conhecido por “dadinho”. Também há alterações nos botões de uma mesma equipe, que poderão ser de tamanhos diferentes, como também poderão ser de cores diferentes entre si, porém todos devem estar numerados. Cada botão somente poderá dar no máximo 3 toques consecutivos individualmente e cada equipe somente poderá dar no máximo 9 “palhetadas” coletivas, devendo até o 9º toque obrigatoriamente ser um chute ou arremesso ao gol – caso não ocorra, no local aonde o “dadinho” parar será efetuada uma cobrança de falta indireta.
Já a chamada de regra 1 Toque inicialmente foi conhecida como Regra Baiana. Ela é dividida entre duas vertentes. O que muda é os tipos de botões. Os “Lisos” são botões lisos por baixo, e “Livre” ou “Cavado” são côncavos por baixo. Esta última é a que está há mais tempo organizada. A abrangência da regra é nacional. A vertente “Liso” tem maior concentração nos estados do Nordeste e Espírito Santo, e a vertente “Livre”, no Sul e Sudeste. Essa regra é a considerada a mais difícil, pois exige maior técnica, habilidade e raciocínio do jogador.
Cenário do Futebol de Mesa
No Rio Grande do Sul, a Federação Gaúcha de Futebol de Mesa representa o estado. Ela conta com 28 clubes filiados, também conhecidos como Ligas, que reúnem cerca de 573 atletas, presentes nas cidades de Bagé, Canoas, Caxias do Sul, Erechim, Esteio, Guaíba, Jaguarão, Novo Hamburgo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Santa Vitória do Palmar, Tapejara e Viamão.
A Liga União Canoense de Futebol de Mesa, LUCFM, organizadora da VI Taça Cidade de Canoas, foi fundada em outubro de 2016. A liga tem como objetivo criar uma comunidade forte na cidade de Canoas e expandir o esporte e o número de jogadores do esporte. O advogado Cezar Mota, 41 anos, é o coordenador técnico do grupo. Ele conta que nesta sexta edição o evento contou com recorde de 48 participantes, além de ser transmitido via Youtube. “Estamos fazendo história, colocamos Canoas no cenário do botão. Atualmente somos reconhecidos como agentes esportivos do estado, através de editais conseguimos as mesas para desenvolver o esporte.” O grupo se reúne todas as segundas e terças para praticar e competir em torneios internos também.
Mota atribui essa participação massiva ao trabalho de divulgação do grupo e da infraestrutura do local. “Aqui na AABB tem uma estrutura ótima. Jogamos em sala climatizada, com um restaurante no local e um estacionamento amplo que abriga com facilidade os nossos jogadores.”
José Américo Neto, também conhecido como Zezinho, um dos participantes da competição, vai na mesma linha do coordenador. Ele comenta que sempre participa deste torneio, pela qualidade da disputa e da infraestrutura. “Esse torneio é um incentivo ao futebol de mesa. Ele está muito bem organizado. A estrutura da AABB é ótima, um lugar agradável e de fácil acesso.”
Para Mota, o Rio Grande do Sul está muito forte no futebol de mesa. Atualmente, o estado é tricampeão nacional na Regra 1 Toque – Liso. ”O Rio Grande do Sul é uma força no botão. Eu sempre digo que o nosso estado é a NBA do futebol de mesa, pois no campeonato estadual nenhum jogo é fácil, é só pedreira. É muito comum um jogador forte cair fora na primeira fase.”
A presença de jovens e adolescentes está cada vez menor, segundo os praticantes do esporte. Régis Castilhos reflete que a concorrência com jogos eletrônicos como os videogames afeta a prática do hobby. “A média de idade dos praticantes é de 50 anos. Acontece que o futebol de mesa é um esporte antigo e os jovens preferem os videogames ao botão. E essa concorrência não existia na nossa infância.”
Pedro Henrique conta que, apesar de existirem campeonatos juvenis, a comunidade jovem é diminuta. “Tem alguns torneios juvenis, que reúnem a gurizada, mas a maioria dos meus colegas preferem jogar videogame.” Castilhos reforça que “a criança ou o adolescente que pratica o botão é normalmente um filho de botonista, que o pai participa e traz a criança desde pequena e ela se apaixona e continua jogando”.
Zezinho também lamenta a falta de um torneio juvenil. “Você olha o torneio hoje, só tem um menino, que é filho de um jogador. Precisamos mais. Em Santa Vitória do Palmar há um projeto de levar mesas para as escolas e com isso incentivar a prática, mas aqui na região metropolitana está muito fraca a presença dos jovens.”
Régis também lamenta a falta de patrocínio para a expansão e evolução do esporte. “O grande problema atual é que os participantes não conseguem participar de todos os campeonatos, pois o futebol de mesa não tem patrocínio. Ele é bancado pelo bolso do participante e torna-se muito caro.”
Apesar de todas as dificuldades, essa comunidade continua lutando para manter a prática viva e conseguir apresentar o botão para cada vez mais pessoas.