A ficção está repleta de retratos de motoristas. Novelas, filmes e seriados retratam personagens que fazem da condução de veículos a sua profissão. Até Lineu Silva da Grande Família já foi motorista de ônibus. Talvez uma referência mais ajustada à contemporaneidade dos atuais passageiros deste perfilado, seja o divertido e dedicado “Ron Wilson, o Motorista” do filme Sky High – Super Escola de Heróis (Disney, 2005). O fato é que estas figuras desempenham uma tarefa cuja importância é pouco reconhecida na vida real, na realização de sonhos, no dia-a-dia de pessoas comuns, sem supercarros ou superpoderes.
Foi nessa figura de pessoa comum que Edson Luís, sorridente, recebeu a reportagem da Beta Redação em sua casa, no loteamento Jardim Europa em Santo Antônio da Patrulha, em uma manhã de sábado. Por volta das 11h, vestindo chinelos, calça de moletom, camiseta, um sorriso e um chimarrão na mão, Edinho – como é carinhosamente conhecido por seus passageiros – abriu o portão da residência, permitindo que as pequenas Mel e Lola (as cãs de guarda da família) averiguassem quem chegava. A cena era a representação perfeita do Edinho: carisma, simpatia e simplicidade. Mas, no geral, o mundo deve estar cheio de pessoas simpáticas, não? Por que um perfil desta pessoa em especial?

Edson Luís de Souza Barth tem 43 anos e é motorista de ônibus. Trabalha na Unesul há 14 anos, dos quais há oito conduz uma das linhas universitárias da empresa responsável pelo trecho contemplado no programa Passe Livre do governo gaúcho. Edinho é o motorista do ônibus que transporta cerca de 40 alunos de Santo Antônio Antônio da Patrulha para a Unisinos de São Leopoldo, de segunda à sexta-feira. Na sexta, em especial, transporta também os alunos das universidades de Canoas. Atualmente, a linha é responsável por viabilizar a graduação e o trajeto de cerca de 100 estudantes do interior à Região Metropolitana – para todos estes alunos, Edinho é uma referência. Ele está no ônibus das 17h, quando começa o embarque, até 0h30, quando deixa o ônibus de volta na garagem.
Um motorista que também conduz afetos
Além de referência para os passageiros, Edinho também é referência para a sua família: é esposo de Edilaine há 20 anos, pai de Emily, 19, e Lorenzo, três. Quando a reportagem chegou na casa da família, o pequeno Lorenzo estava escondido atrás do sofá. “Ele tinha espalhado uns brinquedos pela sala, e o Edinho disse que se ele não arrumasse, as tias iam levar ele embora”, contou Edilaine. Lorenzo é um personagem conhecido dos passageiros, pois sempre que Edinho tira férias, ele fala “vou aproveitar o tempo com a família, ficar com o meu gurizinho”. Em seguida, Lorenzo, que é a cara do pai, acreditou na promessa de que as tias não iam levá-lo embora, e sentou-se à mesa para conversar, ao lado do pai, com seu chimarrão na mão (uma cuia vazia com a bomba dentro). Edilaine comentou que Emily é um pouco mais tímida e preferiu não participar, mas que a relação dela com Edson sempre foi boa, que o pai, mesmo ausente em um período do dia, nunca deixou de estar presente na vida da família e dos filhos.


“Eu não tenho o que me queixar como esposo, pra mim ele é maravilhoso, tanto profissional quanto em casa, como marido, como pai, é ótimo. Ele sempre foi motorista, é uma profissão que, quando ele sai, todos os dias, a gente entrega na mão de Deus – e enquanto ele não chega, ficamos preocupados, mas tudo bem, é a rotina, temos que seguir”, completou a esposa, que destacou que a dificuldade maior da rotina é quando as férias do marido terminam, e o pequeno Lorenzo leva alguns dias para entender que o pai não está mais em casa à noite pois foi trabalhar.

Quando questionado se o pai brinca com ele, Lorenzo disse que sim, por muito tempo! A brincadeira favorita dele é “de boi e de cavalo”, disse empolgado, antes de buscar suas “botas de gaúcho” o chapéu “de cavalo”. Edinho explicou que o menino é fissurado pelos equinos, e que o avô o ensinou a cavalgar. “Eu ando rápido e sozinho, mas o cavalo do vô até sai correndo comigo”, disse Lorenzo, antes de, com a ajuda do pai, citar cada peça da encilha necessária na preparação do animal para ser montado. Mais tarde, Lorenzo disse também que o pai “trabalha lá na garagem” – enquanto brincava com seus apetrechos, claro. Vale ressaltar, Lorenzo poderia ser um personagem para um perfil inteiro – só dele.
Comprometimento que inspira confiança
Para Edson, a responsabilidade de transportar os alunos é grande. “O trânsito é muito violento, muito perigoso. Se depender de mim, nunca vai acontecer acidente. Eu tenho segurança, confiança e cautela com cada um dos meus passageiros, é como se eu estivesse transportando meus filhos. É a mesma coisa. A segurança está em primeiro lugar. O desafio é o trânsito, que é fatal, né? Qualquer erro, tanto da gente como de alguém, pode ser um acidente muito grave”, acrescentou.


Em depoimento à reportagem, Ernesto, antigo passageiro de Edinho e pai de Gabriela, universitária que utiliza a linha, destacou a confiança que sente no condutor: “Tive a felicidade de viajar com o Edinho durante muitos anos, quando trabalhava no IBGE em Porto Alegre. Eu ia diariamente com a Unesul pela manhã e voltava geralmente às 18h30, e em muitas dessas viagens, o Edinho era o motorista. Nunca tive qualquer problema com ele no exercício da sua função: nunca houve acidentes, nem atrasos. Muito pelo contrário, ele sempre foi um cavalheiro ao volante, um profissional extremamente competente, cuidadoso e com ótimo relacionamento com todos os passageiros. Sempre bem-humorado, simpático e transparente, nunca demonstrou qualquer irregularidade. Confio plenamente no Edinho, a ponto de ter total tranquilidade em saber que é ele quem leva e traz minha filha da Unisinos. Sei que ela está em segurança com um profissional capacitado e um verdadeiro cidadão ao volante”.
Um parceiro de jornada
Seguro, tranquilo, cuidadoso, competente, humilde, carismático, educado, agradável, gente boa – são alguns dos termos que se repetem inúmeras vezes pelos estudantes entrevistados para a construção deste perfil.
Stéfani Rodrigues, acadêmica de Arquitetura e Urbanismo e passageira mais antiga de Edinho que ainda utiliza a linha, disse: “O Edinho sempre se mostrou um motorista muito comprometido e centrado no seu trabalho. Sempre à disposição, até mesmo além das suas funções, pontual e preocupado com a nossa segurança, é um exemplo de ser humano adorado por todos”.
Para Gustavo Souza, estudante de Psicologia da Unisinos, “o Edinho não é só nosso motorista, ele é um amigo que também é nosso motorista, o que deixa as viagens mais divertidas”. Gustavo prossegue: “A gente chega um pouco mais cedo, ele tá lá sentado na cadeira dele tomando chimarrão, já falamos com ele do Inter, do Grêmio, da nossa formação, roubamos um pouco de chimarrão dele. É um cara extremamente profissional. Muitas vezes aconteceu de um dia de clima pior ou que ele viu alguma notícia da estrada e antes de sairmos, ele falar: ‘Pessoal, cinto de segurança, isso não é só uma questão da empresa, é a segurança de vocês’. Sem contar tudo que ele faz para facilitar a nossa vida. Espero que ele continue conosco até eu terminar minha graduação”.
Quando o tempo permite, no retorno ao ônibus após a aula, os alunos encontram Edinho na sua cadeira de praia, tomando chimarrão e sempre pronto para bater um papo. Questionado sobre já ter deixado algum aluno para trás, Edson conta que depende do horário. “Na saída em Santo Antônio, sim, já aconteceu, pois não acho justo atrasar todos os alunos por conta de um único que não chegou na hora. Mas na volta para casa, nunca deixei ninguém desamparado. Às vezes tem alguma saída, alguma atividade que os alunos se atrasam e eu sempre digo: pode vir tranquilo que eu estou te esperando. Antes de sair da Unisinos, sei de todos os alunos que entraram mais cedo no ônibus, e de cada um que ainda não voltou”, concluiu.
Durante a conversa na casa da família, Edilaine contou também que Edinho nunca está parado: “O Edinho pedreiro eu garanto que vocês não conhecem, né?”. O motorista por sua vez afirmou que, de fato, no tempo livre ou quando está de férias, sempre tem algo para arrumar em casa: torneiras, chuveiros, ergue paredes e as pinta também – no momento, os fundos da casa estão ganhando uma área nova com churrasqueira: “Quando me aposentar vou chamar o pessoal todo para o churrasco”.
Questionado sobre a aposentadoria, Edinho destacou que ainda tem cerca de 10 anos pela frente, mas que depois pretende dedicar todo o tempo à família, que é sua prioridade absoluta. Sobre viagens, afirmou também que a família sempre viaja de carro. “Viagem de ônibus, só se eu estiver dirigindo”, brincou.




Fé e gratidão
Já no final da visita, enquanto olhávamos a obra da nova peça – que vai ter até “quarto de lavar roupa e banheiro”, segundo Lorenzo – uma visita chegou: era Gutierrez, ex-colega e vizinho de Edinho, que foi tomar um chimarrão e falou um pouco sobre o motorista: “Como colega, ele é especial. Não tem o que falar dele. Condução, então, nem se fala. E como pessoa, eu apareço aqui de vez em quando para tomar um chimarrão e conversar: se não venho, ele chama. Se venho e não tem chimarrão, logo em seguida ele já faz”.
Uma das passageiras mais jovens do ônibus, Marceli Marostika, estudante de Biomedicina, destacou: “Quando eu me formar, muitos dos meus agradecimentos irão para o Edinho”. No fim das contas, talvez esse seja o depoimento que explica porque Edson Luís de Souza Barth é muito mais do que um motorista e é uma figura que merece ter sua história registrada aqui nesse perfil: ele é um profissional essencial para a formação acadêmica de muitos jovens. É um cara ímpar, um amigo para cada um das dezenas de alunos que já transportou.
“Acredito muito em Deus também. Peço sempre que ele abençoe o nosso caminho e tenha a segurança dos alunos em primeiro lugar. Sempre quando sai um filho de casa, que vai estudar, vai trabalhar, alguém em casa tá esperando ele de volta”, concluiu Edinho: sem superpoderes, sem capas, sem supercarros, mas dono de uma grande responsabilidade, que carrega com leveza e confiança.