70ª Feira do Livro de Porto Alegre marca resiliência e reconstrução do Centro Histórico

Livreiros, leitores e comerciantes ressaltam que o público abraçou o evento como forma de ajudar a região, uma das mais afetadas pelas enchentes
Na 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, mais de 241 mil livros foram vendidos - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
Na 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, mais de 241 mil livros foram vendidos - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

O evento literário mais tradicional da capital gaúcha chegou à sua edição de número 70 como exemplo da resiliência dos porto-alegrenses e do setor cultural. Muitos livreiros perderam todo o seu estoque durante as enchentes e enxergaram na feira a oportunidade de recomeçar. Por outro lado, os leitores buscaram no local os preços atrativos através dos famosos saldos.

André Gambarra, 53 anos, é livreiro na Feira há 36, na banca da livraria Avenida, que trabalha com exemplares usados e onde ele também avalia os títulos recebidos, indo até a casa dos clientes para buscar os livros. “Eu fico aguardando durante todo o ano, fico com muita expectativa porque é como se fosse a safra, é um momento importante, economicamente falando, para as livrarias, editoras e distribuidoras. Durante a enchente ficamos um mês sem luz e a livraria ficou ilhada, então perdemos muitos clientes pois muitas pessoas não podiam sair de casa”, revela.

“Cem Anos de Solidão” foi o livro mais vendido da banca de André Gambarra - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
Cem Anos de Solidão foi o livro mais vendido da banca de André Gambarra – BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

O livreiro também explica como funciona a preparação para o evento e quais os títulos mais buscados entre os leitores. “Em julho nós começamos a separar o material já, separando aos poucos para poder trazer pra cá. Um dos mais procurados é o Cem Anos de Solidão do Gabriel, do García Márquez, e também o do Yuval Noah Harari, Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial, que é um lançamento. O pessoal tem procurado bastante esses dois títulos.”

Gabriel, 40 anos, é morador de Novo Hamburgo e estava acompanhado da filha Laís, de dois, e revela que as enchentes que atingiram o Centro Histórico de Porto Alegre, onde o evento está localizado, foi um motivador para ele voltar a frequentar o espaço. “Faz tempo até que eu não venho na Feira, nós ficamos 10 anos sem ir, mas agora a minha filha está numa idade em que está se interessando por livrinhos, e consequentemente também voltou a despertar a vontade de ler em mim, né? Então venho tanto para aproveitar para comprar livros para ela como para mim também. Eu acho que desde que a situação voltou mais ao normal é a primeira vez que a gente vem passear em Porto Alegre, motivados por vir à Feira.”

Sobre as preferências literárias da família, Gabriel aposta no material que compõe os livros para a filha e em autores clássicos para suas compras. “Para ela busco opções com bastante textura e escolhi também O Pequeno Príncipe. Eu gosto mais de livros de literatura mesmo, brasileira, internacional, comprei agora o Cem Anos de Solidão do Gabriel García Márquez.”

Gabriel comprou a obra “Cem Anos de Solidão, além de livros infantis para a sua filha Laís - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
Gabriel comprou a obra Cem Anos de Solidão, além de livros infantis para a sua filha Laís – BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

O leitor também projeta a Feira como um “evento teste” para a retomada do Centro Histórico da capital. “Acho que uma coisa bacana em relação ao Centro é o comércio, né? Tem muitas lojas de vestuário que nessa época de final de ano estão muito lotadas, então, com a estrutura da Feira funcionando, parece que logo o trem vai estar funcionando até aqui também, acho bem importante esse retorno”, reforça Gabriel.

Ana Paula, 42 anos, é funcionária de um restaurante localizado a poucos metros do evento e que foi gravemente atingido durante as enchentes de maio. “Prejuízo total praticamente, digamos 90%. Poucas coisas conseguimos salvar e a Feira aumenta muito o movimento daqui, e o faturamento também. É um aumento significativo. Agora iniciam também as festas de final de ano e isso traz mais público para essa região. Ficamos três meses fechados, retomamos as atividades dias antes do início da Feira. As pessoas se afastaram muito do Centro pois perderam tudo, comércio e até parentes. A reconstrução está sendo aos poucos”, destaca.

Restaurante do Centro de Porto Alegre, Boteco do Porto, perdeu tudo durante as cheias de 2024 e está se recuperando com o auxílio da Feira do Livro - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
Restaurante do Centro de Porto Alegre, Boteco do Porto, perdeu praticamente tudo durante as cheias de 2024 e está se recuperando com o auxílio da Feira do Livro – BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

Sônia Alves Lopes, 63 anos, é livreira na Feira há 20 anos com a editora Besouro Box, com bastante variedade de títulos escritos por autores gaúchos e também com temáticas religiosas, principalmente espíritas e afro-religiosas. “O livro mais vendido por nós é A Enchente de 24 – A história da maior tragédia climática de Porto Alegre, do jornalista Rodrigo Lopes [com outros autores]. Acho que a demanda se dá por ser um livro histórico, pois esperamos que isso não aconteça novamente, que nossos governantes ajam para que não se repita”, reforça.

Sônia Alves Lopes comenta que o livro “Enchente de 24” está sendo o mais vendido na sua banca - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
Sônia Alves Lopes comentou que o livro Enchente de 24 foi o mais vendido na sua banca – BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

Daiane, professora da educação infantil, frequenta a Feira desde pequena com o pai e o livro sobre as enchentes foi um dos que lhes chamaram a atenção. “Eu acho que é um símbolo de renascimento, que muitos achavam que a gente não ia conseguir, né? Principalmente com a Feira do Livro, nós estamos aqui. E tem uns livros que estão marcados, que passaram pela enchente mostrando que conseguiram superar esse momento. Eu vi no jornal que estavam mostrando que tem alguns títulos sobre esse tema.”

A professora Daiane visita a Feira do Livro desde pequena, quando começou a frequentar o local com seu pai - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
A professora Daiane visita a Feira do Livro desde pequena, quando começou a frequentar o local com seu pai – BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

Os três feriados que aconteceram entre 1º e 20 de novembro foram com a Praça da Alfândega lotada. Segundo Nóia Kern, responsável pelo Balcão de Informações, o movimento deste ano foi intenso, com mais de 15 mil atendimentos. Pela primeira vez, a Feira do Livro de Porto Alegre contou com uma Curadoria de Literatura e Cultura Negra. Sob a responsabilidade da escritora e musicista Lilian Rocha, as atividades receberam 71 autores, sendo 65 deles gaúchos e seis nacionais. Desde a abertura, foram realizados 19 sessões de autógrafos e 23 eventos culturais, entre oficinas, bate-papos, saraus, vitrines de lançamentos, batalhas de rima e shows musicais, que contaram com a participação de 13 músicos representantes da cultura negra.

O balanço final da Feira do Livro surpreendeu a todos positivamente e refletiu o espírito dos porto-alegrenses de valorizar o evento e o comércio local após a tragédia das enchentes e ajudá-los nesse momento de reconstrução. Foram vendidos 241.246 livros entre as 72 bancas nos 20 dias de evento. O resultado é 14% maior do que o registrado na edição anterior. “Estamos muito emocionados com a forma com que os gaúchos abraçaram essa edição que foi tão importante para os livreiros. A Feira do Livro vai além das vendas, é um momento de encontro com a literatura, com os autores e, também, uma oportunidade de viver a cultura em suas diferentes formas. O público prestigiou as atividades, as sessões de autógrafos, os bate-papos, isso é muito recompensador”, ressaltou Maximiliano Ledur, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, entidade organizadora da Feira, em comunicado à imprensa.

O que atraiu mais compradores na 70ª Feira do Livro foram as promoções - BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO
Um dos fatores que atraiu mais compradores na 70ª Feira do Livro foram as promoções – BABI BÜHLER/ BETA REDAÇÃO

Bárbara Neves

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