David Milhão é um dos tantos empreendedores que foram afetados pela enchente de maio no Rio Grande do Sul. Mas, muito antes da enchente, David foi uma das pessoas que nadaram contra a maré da pandemia. Ele abriu o negócio em 2021. Por muito pouco não precisou fechá-lo em 2024, depois da maior tragédia climática do Estado. Só que a história desse empreendedor começa muito antes da Luciamaria Cafés de Origem, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre. O nome Luciamaria vem da união entre os nomes da sogra e da mãe.
Ele nunca foi muito de estudar de maneira convencional, se encontrava muito mais nos estudos autodidatas. Com isso, somando o trabalho alternativo com panfletagem ou como office boy, acabou reprovando duas vezes no colégio particular que estudava. Perdeu a bolsa integral que tinha e contou com a ajuda da avó para finalizar o segundo grau. Abraçou uma oportunidade de vestibular e decidiu cursar matemática. Já formado, David Milhão trabalhou por 15 anos com tecnologia da informação. Começou como estagiário numa empresa na zona norte de Porto Alegre, foi ganhando a confiança dos chefes e, assim, crescendo gradativamente nas funções.
A relação com o café surgiu em meio à rotina que levava depois de ter ficado quatro anos na empresa em que começou a carreira. Já atendia alguns clientes “por fora” e decidiu criar a própria empresa. Só que em meados de 2005 não existia a facilidade que se encontra hoje ao tentar abrir um CNPJ. A burocracia era tanta que David acabou nem tentando, foi direto manter contratos informais com os clientes. Um dia, após realizar mais um atendimento, parou em um estabelecimento onde costumava comer pão de queijo, mas que era especializada em cafés especiais. O barista questionou o porquê de ele não tomar café e decidiu que, naquele dia, faria David começar a gostar da bebida.
Dito e feito. Bastou uma ‘’rodada’’ de cafés especiais para David saber que era daquele tipo de café que ele gostava. Anos mais tarde, foi preciso se reinventar como profissional durante a pandemia, e foi aí que a Luciamaria da Travessa dos Cataventos nasceu.
Junto à esposa, Letícia, foram pouco a pouco tornando o espaço a cara do negócio que tinham pensado. Mas não parou por aí. O espírito empreendedor acabou falando mais alto e, para além de fundador, David Milhão resolveu colocar a mão na massa e foi visitar fazendas de café em Minas Gerais e no Espírito Santo. Lá, aprendeu sobre o processo de maturação do fruto e como cada grão de café especial tem o seu devido valor. Segundo ele, é na lavoura, com o produtor, que a essência servida nas xícaras de cerâmica da Luciamaria começa a tomar forma. David explica que esse tipo de grão é colhido um a um pelos trabalhadores na plantação, o que é muito diferente do café comum que normalmente consumimos, que acaba sendo colhido por maquinários sem a capacidade de conseguir separar o grão dos galhos.
Enchente
A loja da Travessa dos Cataventos acabou perdendo todo o maquinário, estoque e materiais em maio de 2024. O prejuízo calculado foi de R$ 80 mil só em materiais. Algumas cadeiras e mesas foram recuperadas e levadas para a loja da Duque de Caxias, mas o restante precisou ser descartado. O ponto positivo foi que a máquina de torrefação, que é o carro-chefe da casa, foi preservada na Duque. Agora, o desafio é reconstruir o espaço atingido pela água. Outro ponto é retomar a clientela que acabou não retornando ao Centro Histórico depois da enchente, além de estruturar novamente a estrutura de pessoal dos dois pontos.
A enchente também afetou as compras de 2024, tanto com o valor que acabou sendo destinado à recuperação do espaço quanto na logística. David confessa que quase ficou sem insumos na loja. Cerca de três meses depois, conseguiu receber a remessa vinda de Minas Gerais. Durante esse período, precisou vender os grãos mais caros e, com isso, teve de baratear o custo ao cliente final, já que precisou optar pela venda em maior quantidade.
A ideia é que o estabelecimento retome os atendimentos ainda neste ano, de uma maneira inovadora, como ainda não se trata o café no Rio Grande do Sul, segundo David.