“A gente descobriu nas feiras uma oportunidade”, relata Rosa Maria Harthmann, de 57 anos, da cidade de Cristal (RS), que apresentou seus produtos na 47ª edição da feira, da qual participa desde 2020. Através da agricultura familiar e da produção de doces e geleias exclusivas, ela obtém sua renda. O negócio é um dentre os 413 empreendimentos que ocuparam o Pavilhão da Agricultura Familiar (PAF) em 2024, de acordo com o levantamento do governo do Estado. Segundo dados obtidos pela Emater, destes, 217 são negócios liderados por mulheres, que representaram, portanto, a maioria dentre os expositores.
Conforme os números divulgados pelo governo do Estado em entrevista coletiva no encerramento da Expointer, no domingo, 1º de setembro, esta edição gerou R$ 8,1 bilhões em vendas. Portanto, houve um aumento de 1,41% em relação à edição de 2023, em que foram gerados R$ 7,9 bilhões. Só o PAF foi responsável por R$ 10,8 milhões. O governador Eduardo Leite (PSDB) exaltou os resultados e ressaltou a importância deles para a economia do Rio Grande do Sul, o que envolve geração de emprego e renda.
Tendo a filha mais nova, Stefani Harthmann, 22, que abriu mão de fazer Medicina em uma universidade federal para se dedicar à produção familiar, como braço direito, Rosa administra os investimentos, a produção e as vendas. De acordo com a empreendedora, é necessário ter seriedade e organização para que o negócio dê certo. Stefani é responsável pela propaganda, pelos documentos, inscrição nas feiras, bem como pela prestação de contas.
Mãe e filha também mantêm uma área de 1 hectare no entorno de sua propriedade, da plantação de 40 mil pés de morango, da inseminação das vacas e da tosa das ovelhas. Apresentando a geleia de erva-mate, Rosa conta que ela já foi usada na festa das cucas como recheio, e na Fenadoce, como cobertura de sorvete de creme. O que, para ela, mostra como as inovações que produz podem ser usadas para que outros também inovem. O preço das geleias varia entre R$ 18 e R$ 22.
Quem é Rosa?
Eu tenho três filhos, a do meio é fisioterapeuta, a guria que me acompanha hoje é livre, passou na Medicina numa federal, e não quis. A gente mora ainda numa cidade pequenininha que é um lugar tranquilo, ainda tem aquela liberdade e muita natureza, bastante praia de água doce, a gente gosta disso, ainda é aquela cidade onde todo mundo se conhece, todo mundo dá adeus quando passa um pelo outro.
Como começou o seu empreendimento?
Eu gosto muito da liberdade do campo e lá a gente mudou para o ramo do morango. Para vender ele, a gente separa, então chegou uma época em que eu estava com nove freezers de duas tampas cheios de morangos. O que fazer? Geleia! Um dia alguém esteve lá, provou e achou que era diferenciada, mas era só moranguinho, uva e uma de pimenta. Aí eu vim para a Expointer com essas três geleias, conheci outro mundo.
Qual o significado da agricultura familiar?
Na agricultura familiar se preza, se incentiva, não só a gente a ficar no campo, mas a produzir o próprio alimento. Então, eu trago farinha de milho, farinha de mandioca, aí eu vou plantar a mandioca, vou ter ela para comer e para vender. A agricultura familiar não se resume a nos trazer para vender, é fazer a pessoa plantar a uva para fazer o suco… Ela vai se entreter na propriedade e vai ter outras coisas para fazer com o que produz, então ela se alimenta, além de vender.
Qual a importância do Estado, do apoio governamental, ao setor?
Todos os governos que investiram nisso, de uns anos para cá, não sabem o bem que fizeram para esse povo. Foi uma forma boa de manter as pessoas com renda fazendo o que gostam. E vocês também saíram no lucro, ficam esperando a feira, porque aqui vão achar muita coisa que gostam. Hoje você vê no interior casas com bastante conforto, onde o jovem percebe que pode sobreviver daquilo que ele sabe fazer. Aqui eu vi a oportunidade que os governos, sejam eles do partido que forem, proporcionam para um agricultor que mora num “cantão”, às vezes, numa cidadezinha, com dificuldade de acesso, e vem para cá, onde podem vir do pequeno ao médio produtor, que não teriam condições de alugar um comércio, com tanta burocracia. Vocês não têm noção do que é isso aqui para o agricultor.
Como os negócios, como o seu, contribuem para a geração de trabalho e renda?
Tem o emprego que ele vai gerar lá no interior para o cara do selo, para ele vender suco, o cara da rolha… Eu tenho o cara da embalagem, do selo, do vidro, da tampa… Então, quanta coisa a gente gera, com o governo nos proporcionando isso aqui. Com isso, é uma cadeia que vai trazendo lucro para todos.
Qual a margem de lucro com os seus produtos que são vendidos na Expointer?
A Expointer é a feira das feiras, você vai investir 100 e receber 500. Mas não é fácil, tem muito suor, tem muita gente que não dorme de noite, tem o cara que já corre há meses para produzir um queijo, o cara do suco, tem o padeiro que não dorme semanas para produzir o pão, mas é um lucro muito bom, porque hoje a cidade tem fome de coisa pura, de coisa da colônia. Nós trouxemos 150 caixas, porque ano passado vendemos 130. E logo já não tinha quase nada. Era para sobrar, eu já esperava que fosse vender menos. Chegou a umas 23 caixas por dia.
Esses produtos que estão aqui agora, já são a mais, além das 150 caixas?
Sim. Ninguém leva uma, porque são coisas únicas e a gente só vende na feira. Chamam bastante a gente na página, mas não tem como entregar, é feira, esse é o segredo, porque se eu botar geleia de cerveja no mercado, você vai comer ela todo dia. Sabe o Natal? É uma época boa, mas não podemos fazer o Natal em março, senão termina a graça. Então, hoje o público já conhece, sabe que é só naquela época, vai lá e compra.
Parte da estratégia é vender somente nas feiras, então?
Sim. Se estivesse no mercado ali da esquina, do seu Adão, passaria aquela vontade, porque estaria mais ao alcance da pessoa, pois está ali, quando ela quiser comer. Por que você viria aqui comprar de mim? Agora, sabendo que eu vou estar aqui, você vem correndo comprar, antes que termine, ou que eu vá embora. Isso também é uma tática de vendas.
Já teve alguma proposta para colocar o seu produto no mercado?
Já, nós já vendemos, tínhamos uma rede de 28 supermercados. Mas acontece que você vai lá comprar para comer, muito pouca gente vai comprar um souvenir no mercado, que é onde a minha geleia estaria, concorrendo com essas outras em potinhos de plástico, com 50 produtos ali dentro, que às vezes nem são a fruta, mas a população quer preço, quer ter o que pôr na mesa. Uma geleia de uva, com sabor de uva, com corante, e você quer botar na mesa para os teus filhos comerem, mas é uma mistura. Então, a minha estaria lá, a R$ 25, a industrializada, a R$ 6, adivinha qual iria vender… Isso foi uma das coisas que fez a gente tirar dos supermercados.
Quais os maiores desafios que enfrenta hoje para manter o negócio?
Aqui, a cada ano que você vem é um curso, é um aprendizado, aqui dentro deve ter uns 20 “geleieiros” , e você vem para cá, larga a família, larga tudo, para vender, para você sobreviver disso e crescer nesse ramo. A gente está numa época de inovação, principalmente depois da covid. O pessoal quer fazer uma mudança em todos os sentidos. E isso não ficou só no na sociedade, as cozinhas também mudaram. Hoje os grandes chefs procuram fazer receitas diferentes. Tem tipo a erva-mate, o pinhão, dentre outras coisas, que se você for procurar, os grandes chefs já colocaram na culinária.
A agricultura familiar mudou nos últimos anos?
Mudou, o agricultor está mais evoluído, não quer mais fazer doce de abóbora nem de figo. A gente faz parte da nova história. Você não vive como seu pai vivia, a comida está seguindo esse mesmo rumo, de inovação. Em tudo tem mudança, vamos pegar os carros, todos querem trazer algo mais moderno, e por que não na comida? Por que não no doce? Alguém tinha que começar.
Como conseguiu fazer o empreendimento se destacar nas feiras e na imprensa?
As geleias de álcool que a gente faz, de cerveja, de vinho, de caipirinha, de espumante, elas trouxeram o homem para a banca e levaram nós lá para cima, porque são geleias muito difíceis de fazer, você tem que ter muita determinação, para que fiquem boas e atraiam pela curiosidade. Hoje, ela é o nosso carro-chefe, puxa para a banca todos os tipos de público. A partir disso, vimos como é possível ficar inventando. Então, por que numa geleia não? No ano passado a gente foi capa do Jornal do Comércio, em que eles noticiavam que tinha uma novidade, que era geleia de erva-mate.
Qual a principal novidade deste ano?
A geleia de bacon. Como nasce esse sabor? Um cliente chega e pergunta, como me perguntaram: tem pimenta com whisky? A gente vai para o laboratório ver o que sai dali. E quando é uma coisa boa, nasce uma “criança” nova.
De onde vem a inspiração para criar novos produtos e sabores?
Com a cozinha a gente já está acostumado, aí começamos a fazer inovações. Hoje, no mercado, tem tanto produto para brincar, para usar, dá para criar muita coisa. Se for a mesma feira do ano passado, ano retrasado, este público, e, principalmente, vocês, não têm o que divulgar.
Sobre a produção das geleias, qual a sua relação com a cozinha?
Não cozinhar por obrigação. Como que tu faz uma geleia de cerveja, por exemplo? É uma química muito bonita que acontece ali com o produto, entendeu? É uma garrafa de cerveja.
Quando começou a produção das geleias alcoólicas e como surgiu a geleia de cerveja?
Em 2021. Eu tive o trabalho de passar uma tarde no supermercado vendo o que todo mundo comia em comum, porque aí tinha a chance de achar um sabor que ninguém ia rejeitar. O que eu vi? A cerveja! Num curso tinha uma geleia de cerveja que eu nunca tinha dado bola, aí eu comecei a cuidar isso, pois não é fácil fazer geleia de cerveja, porque nela vai pectina do maracujá, que é o que faz ficar gelatinoso, mas o álcool corta a gelatina. Eu botava as cervejas, chegava lá no outro dia, estava numa água. Mas se existe, se é mais difícil, melhor, porque quando conseguir terminar você vai sentir melhor. Eu levei três meses para conseguir fazer ela.
Quantos sabores vendem hoje?
São 34, cada uma para uma cidade, isso que é bom. Na cidade de Santa Cruz, digamos, não pode faltar geleia de pimenta, do começo do primeiro dia até o fim, é a mais vendida. Agora, Pelotas, geleia de morango, com chocolate, com açaí, essas aí despontam longe. Então, cada cidade é um tipo de geleia que vai.
Qual a geleia alcoólica mais vendida?
A de cerveja sempre vai sair na frente de qualquer uma delas.
As geleias à base de bebidas alcoólicas podem afetar o organismo?
Não, porque o álcool, assim, como numa carne flambada, quando você coloca ela no fogo, ele evapora.
Todo ano o público já fica esperando por novidades, então?
Já, todo ano eles ficam ansiosos para saber o que vai vender mais, e eu faço a minha pesquisa, eu vou nos geleieiros para saber como foi. Por isso que, às vezes, eu acordo de madrugada, às 2h, e meu marido me pergunta o que estou fazendo, eu digo: “estou estudando, para ver o que pode sair de novo, e que seja bom”. A cada feira, o pessoal que monta banca já chama a gente e pergunta o que que vai ter.
Trabalhando de forma dinâmica, em diferentes feiras e lugares, como fica a relação com os clientes?
Em Santa Cruz a gente tem os clientes da Oktoberfest, aqui a gente já tem os nossos clientes, sem contar que tem pessoas que seguem a gente, que sabe onde vamos, porque colocamos na página, e vão atrás.
Como está a produção para esta edição da Expointer?
Já fui em casa, fiquei dois dias sem dormir, comendo muito pouco e tocando nas cozinhas, porque o público fica esperando. Então você não pode “arregar”, tem que ir lá e correr atrás.
E como é o dia a dia participando da feira?
A gente para numa escola de padres, em Portão, então lá a turma toda levanta ali pelas 6h, é uma coisa muito boa, porque você cria uma família ali, sabe? Aí, o ônibus nos traz até aqui, e é correria até as 20h30, 21h.
Como está a agenda para os próximos meses?
Já temos feiras até fevereiro. Agora mesmo, vamos para Harmonia, depois Santa Cruz, na Oktober, depois volta aqui para a frente do Mercado Público. Nisso, já estaremos em dezembro, aí passa o Natal, a gente vai estar em Capão da Canoa, até maio, quando voltamos para Porto Alegre. Hoje tem quatro ou cinco feiras por mês.
Qual o lugar, a feira mais longe, que já participaram?
Em São Paulo, fomos numa viagem de dois dias, com um grupo de 12 carros.
A geleia está abrindo portas para vocês?
Deve ter boa parte da população que pensa que geleia é algo doce, e geleia não é isso. Hoje eu tenho duas geleias salgadas, a de bacon e a de cebola roxa assada no cabernet, que a gente vende para hamburguerias. A gente tem a nossa geleia na França, nos Estados Unidos, no Equador, Portugal, Alemanha. A capital da geleia é a França, então quando veio uma francesa na minha banca me deu um frio na barriga. E ela disse: “muito boa, vou levar oito”. Fiquei me sentindo, imagina, nós, umas gaúchas, fazendo uma geleia que França compra.
O que as pessoas mais procuram na Expointer?
As pessoas passeiam, mas aqui todos saem com uma sacola porque todo mundo gosta de comer, querem saber onde é o Pavilhão da Agricultura Familiar porque querem comprar alguma coisa, todo mundo vem com a mochilinha para levar produtos daqui, porque é uma coisa diferente.
Tem geleia sem açúcar?
Sim, a sem açúcar tem acompanhamento de uma nutricionista, as outras são mais fáceis de fazer, essa aqui tem que ter todo um cuidado, porque estamos lidando com saúde. Então não é só atirar numa panela. Como a sem lactose, que a gente faz. Os produtos sem açúcar, sem lactose, são importantes, porque tem um produto para todo o público, não podemos excluir ninguém, então, se a pessoa não pode com lactose, não pode com açúcar, você tem que ter algo para oferecer, isso acolhe ela.
Produzir as geleias com os frutos que vocês cultivam é essencial?
Isso faz toda a diferença, coisa que a gente produz, que é um produto de boa qualidade, sem químicos, isso já vai dar um gosto diferente. O principal é você saber o que está produzindo do começo ao fim. E eu vou plantar mais porque é mais fácil plantar e ter ao alcance, do que comprar sem saber de onde está vindo.
As enchentes de maio atingiram o seu negócio?
O morango, porque a fruta não gosta de chuva e a gente produz o ano inteiro. De maio até julho, não colhemos nada. Eu tenho vários cursos sobre o plantio dele, para entender bem o que eu faço, mas foi difícil para manter a muda. Perdemos uma das oito estufas, que tivemos que replantar, e o resto enfrentou uma série de fungos devido à umidade, que não foram fáceis de combater.
Qual é o segredo do sucesso?
O dinheiro é consequência, você sempre tem que buscar alguém que saiba mais que tu para te dar a mão, para te levar, senão você demora muito para “se criar”. Então, procura essa pessoa e diz que você quer seguir nesse ramo com alguém que te ajude, que se ela tiver humildade ela vai te levar.