Professora da UFRGS defende a urgência de falar sobre doação de órgãos e as vidas que nascem da perda

Em palestra no TEDx Unisinos, a enfermeira e educadora Patrícia Treviso compartilha histórias reais e defende a urgência de falar sobre morte, legado e empatia com quem fica

A fila por um transplante é mais do que uma estatística no sistema de saúde. Ela é feita de nomes, rostos e histórias que carregam, todos os dias, uma espera que vai além do órgão em si, mas por uma chance de continuar existindo. Foi com esse olhar que a convidada Patrícia Treviso trouxe ao palco do TEDx Unisinos a dimensão e o impacto da doação de órgãos. Enfermeira, doutora em Ciências da Saúde, pós-doutora em Enfermagem e professora na UFRGS, ela destacou um recorte muitas vezes ignorado: o humano.

Quem está na fila convive com a certeza de que só continuará vivo se outra pessoa — ou melhor, outra família — disser “sim” no momento em que tudo parece ruir. A contradição é inevitável, mas também inevitável é o tempo. E é justamente esse tempo que corrói. O corpo adoece, a rotina gira em torno de exames e consultas e o emocional se desgasta porque não há como planejar o dia seguinte quando a vida depende de algo que não está sob controle.

No palco do TEDx Unisinos, Patrícia Treviso destacou o impacto real da espera por um transplante, marcada por rostos, nomes e histórias.
Foto: Petra Karenina/ BETA REDAÇÃO

A esperança em esperar

Diante de uma extensa bagagem, Patrícia dividiu com o público alguns casos que a marcaram. Um deles é de um pai e uma mãe que perderam a única filha, ainda criança, e que optaram pela doação dos órgãos. Essa decisão salvou a vida de outras três crianças que eles sequer conheciam. “Eu fico imaginando os pais dessas outras três crianças que veem seus filhos sofrendo, precisando do órgão, da generosidade. Então essa espera é certamente muito angustiante, é uma mistura de esperança e de ansiedade”, reflete.  

Quando perguntada sobre o desencanto com a chance do transplante, Patrícia diz que pode acontecer, mas que em todos os seus anos na área nunca aconteceu. Pelo contrário, seus pacientes “esperam com esperança, até o último respiro”. Como foi o caso do Sr. Gladir, um senhor que aguardava ansiosamente por uma ligação específica, aquela que traria a boa notícia de que sua vez tinha chegado. A esperança era tanta que fez questão de comprar um segundo aparelho telefônico, com uma linha especial, só para a ocasião. Infelizmente a ligação nunca chegou.

Aos olhos da enfermeira e pesquisadora, a doação de órgãos não é sobre a morte, mas sobre a chance de continuidade que ela pode representar. Foto: Petra Karenina/ BETA REDAÇÃO

A espera não é pela morte

No que diz respeito a essa contradição entre a esperança de vida depender da morte, Patrícia não enxerga dessa forma. “Morrer todos nós iremos. A circunstância a gente não conhece, a gente não sabe. Então, quem está na lista de espera, está aguardando é pelo sim de alguma família, não pela morte de alguém”, explica.

Para momentos assim, seja pelo “sim” ou pelo “não”, é preciso contar com a sensibilidade dos profissionais mesmo diante da pressão imposta por um fator crucial: o tempo. Afinal, procedimentos como esse exigem agilidade. “Os profissionais que vão trabalhar na abordagem à família precisam ter perfil para isso. E sim, essas pessoas são preparadas para fazer o contato de forma respeitosa, com habilidade, com conhecimento e afeto”, complementa.

A importância de falar sobre o fim

Essa conversa com a família chama atenção para outro tópico: o tabu que existe em falar sobre morte. “Faz parte da vida. Temos uma cultura ocidental de evitar falar sobre a morte. Mas a gente precisa. As vontades, o que essa pessoa deseja no fim da sua vida, tanto em relação a cuidados, tanto em relação ao que fazer com o seu corpo. Precisamos falar sobre isso. É humanização”, enfatiza.

Patrícia ainda reforça a necessidade de, em vida, comunicar a família que existe o desejo em ser um doador de órgão. “Se não souberem, se somos ou não somos (doadores) ela pode ter dúvidas. Mas, se a família conhece essa vontade, ela terá muito mais facilidade e vai querer fazer a última vontade do seu amor”, pontua. Em casos em que o paciente decide ser um doador de órgãos, ele pode formalizar em um comprovante. Contudo, conforme Patrícia explica, mesmo tendo algo formalizado, escrito pela pessoa que faleceu, quem vai tomar a decisão final sobre a doação é a família.

Por isso, ela defende que falar sobre doação é urgente. Não para romantizar a morte, mas para que ela, inevitável como é, possa também representar um recomeço para outras vidas. Quando a família conhece o desejo da pessoa, a decisão se torna mais leve, menos solitária. E, no fim, é disso que se trata a doação de órgãos: de uma escolha que ultrapassa a morte para gerar continuidade.

Com décadas de atuação na saúde, a enfermeira defende que falar sobre a morte é parte essencial da humanização do cuidado. Foto: Petra Karenina/ BETA REDAÇÃO

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