Entre papel e pincéis: a arte que conecta Felipe Xavier ao mundo 

Morador do Sarandi, na zona norte de Porto Alegre, ele transforma sua paixão de infância em profissão e projetos que valorizam a troca entre artistas e a potência da arte como ferramenta de conexão

O cheiro de café fresco preenche o ambiente enquanto cadernos de desenho, canetas e pincéis dividem espaço com a xícara sobre a mesa. Entre um gole e outro, Felipe Xavier da Silva fala sobre sua trajetória, sua paixão pela arte e como ela se tornou muito mais do que profissão e virou ponte para conectar pessoas. Aos 27 anos, morador do bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre, ele carrega no olhar a mesma curiosidade de quando descobriu, ainda criança, que o papel podia ser palco de histórias, expressões e cultura.  

O caminho até aqui começou dentro de casa, entre pilhas de revistas e quadrinhos que seu pai colecionava. Foi esse universo de narrativas gráficas que despertou, quase sem perceber, sua relação com a arte. Mas o empurrão definitivo veio aos 11 anos, quando ganhou dois mangás dos Cavaleiros do Zodíaco. Levou para a escola, mostrou aos colegas. “Um destes meus amigos gostava muito de desenhar, e durante uma aula de geografia ele começou a fazer um desenho baseado nos personagens dos mangás. Eu achei aquilo sensacional e decidi fazer o mesmo e a partir deste ponto comecei a desenhar”, relembra. 

O traço que virou profissão 

O que era passatempo virou possibilidade de profissão quando começou a circular pelas feiras gráficas e eventos de cultura pop na região. “Eu olhava aqueles artistas nas mesas, com seus trabalhos, e pensava: ‘Cara, eu também quero fazer isso’.” 

Felipe é professor de ilustração criativa e coordenador do projeto cultural Desenhando Juntos – LUÍSA BELL/BETA REDAÇÃO .

A partir dali o caminho foi de muita prática e dedicação. Primeiro, estudando sozinho, testando materiais e técnicas. Depois, buscando cursos, oficinas e formações que pudessem aperfeiçoar suas habilidades, como na faculdade de Artes Visuais que cursa na Feevale. Além disso, Felipe é professor de Ilustração Criativa do Laboratório Escola, em Canoas. Para ele, conciliar a vida de artista com a rotina de professor é mais que um desafio técnico, mas sim aprender a equilibrar tudo. “É preciso organização, não tem outro caminho. Faço listas diárias, semanais e mensais, uso agenda, anoto tudo no celular. E, principalmente, mantenho sempre uma comunicação muito clara com quem está envolvido nos projetos que eu participo.” 

Desenhando Juntos 

Foi justamente pensando na troca entre artistas que, em 2017, surgiu o Desenhando Juntos. Um projeto que nasceu de forma simples, mas que hoje é referência na cena artística de Porto Alegre e região metropolitana. A proposta é promover encontros mensais, gratuitos, onde artistas iniciantes ou profissionais se reúnem para desenhar, conversar, trocar experiências, realizar exposições e divulgar seus trabalhos nas redes. “A ideia sempre foi que a arte fosse acessível, que qualquer pessoa pudesse chegar, participar, se sentir bem. E o projeto só cresce. Ele tem essa força de unir pessoas que, talvez, nunca se encontrariam se não fosse pela arte.” 

A edição mais recente aconteceu em abril, no Café e Galeria de Arte Devora, no bairro Santana, em Porto Alegre, e trouxe a proposta de desenhar com café. Arielle Rayane dos Santos Lima, uma das sócias do espaço, conta que conheceu Felipe pelas redes sociais, enquanto buscava novos artistas e propostas para a galeria. “A gente começou a conversar no ano passado e pensamos numa parceria. Como abril era o mês de aniversário do Desenhando Juntos, decidimos fazer um evento especial, que reuniu muitos artistas, tanto iniciantes quanto profissionais”, conta.

Inaugurado em setembro de 2024, o Café Devora fica localizado na Rua Vicente da Fontoura 1417, no bairro Santana – LUÍSA BELL/BETA REDAÇÃO.

Além do encontro, também rolou uma exposição coletiva com o tema “Memórias Artísticas Desenhando Juntos”, que reuniu obras de 24 artistas. “Foi uma forma de criar esse espaço de troca, de pertencimento. Muitos dos artistas aqui do bairro são pessoas mais introspectivas, mas que encontraram pessoas com os mesmos interesses, com quem se sentem à vontade”, ressalta Arielle. 

Uma aquarela chamada Brasil 

Foi na solidão dos dias de pandemia, em 2021, que Felipe tirou do papel um projeto antigo e lançou o livro Signos — Livro de Arte. A obra reúne ilustrações dos 12 signos do zodíaco, cada um representando uma cultura presente no Brasil. “Sempre achei que, apesar de todos os problemas, o Brasil é um país extremamente rico culturalmente. Então os signos se conectam com culturas como a indígena, a africana, a cigana… É uma maneira de valorizar essa diversidade que, muitas vezes, é esquecida.” O lançamento aconteceu na CCXP Worlds, em um evento on-line que reuniu artistas do mundo todo.  

A aquarela é, hoje, a técnica que mais traduz o olhar de Felipe sobre o mundo. A mistura de cores, os efeitos imprevisíveis e as possibilidades de textura fazem dela uma extensão de sua própria expressão. “Ela é uma técnica que proporciona vários resultados de cores, misturas e efeitos durante a realização de um desenho, e eu procuro ressaltar no meu trabalho as diferentes etnias e culturas presentes no Brasil”, destaca. 

O que vem pela frente 

Quando fala do futuro, Felipe não esconde que tem muitos planos. “Quero levar o Desenhando Juntos pra mais lugares, fazer exposições maiores, realizar uma exposição individual e, principalmente, lançar minhas próprias histórias em quadrinhos, que é um sonho que carrego há muito tempo.” 

E, antes de encerrar, deixa um recado que carrega consigo em cada projeto, cada traço, cada aula. “Buscar conhecimento é essencial. Não é só sobre desenhar. É sobre entender os processos, saber se organizar, gerenciar seu tempo, seu dinheiro, saber lidar com as pessoas. E, principalmente, se conhecer. Entender no que você é bom, onde você precisa melhorar e onde pode crescer. Isso faz toda a diferença, na arte e na vida.” 

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