A crise sanitária vivida pelo Rio Grande do Sul é alarmante e tem uma de suas causas explícita: a baixa cobertura vacinal. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado, somente 5% das pessoas hospitalizadas com complicações decorrentes de síndromes respiratórias agudas graves (SRAG) foram vacinadas contra o vírus Influenza. Na capital, Porto Alegre, todas as nove mortes causadas por SRAG – três por Influenza e seis por Covid – também são de pessoas não vacinadas. Os dados são um reflexo da baixa adesão da população gaúcha à vacina da gripe.
A meta estipulada pelo Ministério da Saúde é de que 90% da população que faz parte dos grupos prioritários sejam imunizados – crianças, gestantes, idosos, trabalhadores da saúde, indígenas e puérperas. Desde 2021, Porto Alegre não atinge este percentual em nenhum desses públicos. Se considerarmos a média de todos os grupos, o último ano em que o Estado ultrapassou os 90% foi em 2019, quando chegou a 96,87%, segundo dados do governo federal.
Em paralelo a isso, o Rio Grande do Sul passou a viver uma crise na saúde. Em maio deste ano, Porto Alegre decretou emergência em razão do aumento das internações por casos de SRAG. Somado à sazonalidade e ao alto número de casos de dengue, a ocupação dos leitos foi tanta que o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) montou um hospital de campanha ao lado da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Moacyr Scliar para pacientes da doença causada pelo mosquito Aedes aegypti.
Especialistas alertam que a situação atual é reflexo de falhas estruturais que vêm se agravando nos últimos anos. Professor da UFRGS, doutor em Saúde Coletiva e representante da comunidade científica no Conselho Estadual de Saúde do RS, Alcides Miranda acredita que parte da crise atual se deve à fragmentação dos segmentos do sistema de saúde, que apenas presta assistência a quem já está acometido por complicações. “Poderia se dizer que é uma crise sistêmica, mas eu acredito que é, na verdade, antissistêmica. Precisamos promover um sistema de saúde completo, como está preconizado na Constituição, com promoção da saúde, prevenção, proteção das pessoas mais vulneráveis. Assistência, evidentemente, mas também a reabilitação, a reintegração. Essa retomada da ideia de sistema de saúde é imprescindível para que se saia desta crise”, pontua.
No curto prazo, o professor acredita que a sazonalidade seja um dos fatores que contribuem para a crise, mas entende que a queda na cobertura vacinal pode levar a graves consequências no futuro. “No médio e longo prazos, o que vamos ter é a recorrência e a volta de problemas que já estavam controlados em função da cobertura minimamente aceitável que tínhamos. Já está acontecendo, nos Estados Unidos, o ressurgimento de surtos de sarampo e outras doenças que são evitáveis por imunizantes, por exemplo”, afirma o professor. “A tendência é que nos próximos anos, se continuar com esse cenário, essas doenças sejam um componente importante para a lotação dos hospitais”, conclui, alertando.

Além de todos esses fatores, Alcides Miranda destaca o que considera a principal causa da queda da cobertura vacinal: a desinformação. “O negacionismo às vacinas é uma parcela de um problema maior, que é o negacionismo científico, que está alinhado a determinadas pré-disposições ideológicas e políticas. Isso se agrava evidentemente com a propagação de fake news, que circulam nessas bolhas, principalmente nas redes sociais, e vão consolidando esse negacionismo. Isso vem inclusive gerando o retorno de doenças já superadas”, lamenta.
A luta pela divulgação científica de maneira eficaz é a única forma de superar esta chaga, de acordo com o doutor. “O grande desafio é saber como alcançar as pessoas, entrar nessa disputa de informações de uma coisa que é óbvia: o conhecimento científico aplicado tem uma eficácia comprovada. Quando chegou a vacina da Covid-19, em 2021, a mortalidade pela doença começou a cair de maneira muito impactante. Ainda assim tem pessoas que questionam a vacina em cima de desinformações”, relembra.
Prefeitura reconhece dificuldades
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre alega que o impacto da baixa procura às vacinas é bastante expressivo para a crise sanitária, visto que a maioria das hospitalizações e óbitos estão ocorrendo em pessoas que não completaram a vacinação. “Afeta muito o planejamento do sistema de saúde, na medida em que poderíamos utilizar os recursos em outras demandas. Se as pessoas estivessem imunizadas não iriam precisar de atendimento hospitalar”, afirma a prefeitura, em nota.
A gestão também ressalta que já adotou uma série de medidas, como o resgate de não vacinados contra o HPV, a extensão do turno de atendimento em 16 UBS, inclusive com a abertura de algumas delas aos sábados, domingos e feriados, ações de vacinação em escolas, órgãos administrativos e até no Mercado Público, além da busca ativa por ligação e presencialmente, e campanhas de Dia D contra a Influenza.
“As vacinas fortalecem nosso sistema imunológico e auxiliam na criação de anticorpos, reduzindo assim as formas graves das doenças, hospitalizações e óbitos. Também, à medida que estamos imunizados, diminuímos a circulação de microrganismos. Além de nos proteger, estamos protegendo aqueles que por algum motivo não puderam se vacinar”, apela a Secretaria Municipal de Saúde.
A reportagem esteve no Centro de Saúde Modelo, no bairro Santana, região central da capital. Por lá, o movimento era tranquilo, com cerca de cinco pessoas aguardando atendimento no pavilhão destinado à vacinação. Durante a aplicação do imunizante, uma das funcionárias comentou, informalmente, que as doses para a vacina contra a Covid-19 estão em falta. “Agora estão mandando pingadinho”, comentou a enfermeira, que optou por não se identificar nem aparecer nas imagens. As doses contra a Influenza, no entanto, estão disponíveis.

Até o momento, quase 190 mil pessoas dos grupos prioritários ainda não receberam a vacina contra a gripe em Porto Alegre.
A população pode se vacinar nas UBS da cidade. A prefeitura recomenda que o cidadão leve um documento de identificação. As unidades, em geral, funcionam das 7h ou 8h às 18h ou 19h. As UBS que funcionam em horário estendido seguem até as 22h – a lista pode ser conferida clicando aqui. Dúvidas podem ser enviadas ao e-mail ouvidoria@sms.prefpoa.com.br ou ligando para o fone 156.