Zona de Interesse e a normalização da barbárie 

Filme dirigido por Jonathan Glazer convida o espectador a refletir sobre a banalidade do mal 

Desconforto. Essa foi a sensação que experimentei durante toda a sessão do filme Zona de Interesse, dirigido por Jonathan Glazer e vencedor de dois prêmios no Oscar: o de melhor filme estrangeiro e o de melhor edição de som, que, inclusive, desempenha um papel fundamental na narrativa da obra. 

Zona de Interesse se passa durante a Segunda Guerra Mundial, quando Rudolf Höss (interpretado por Christian Friedel), o comandante de Auschwitz, e sua esposa Hedwig (interpretada por Sandra Hüller — indicada ao Oscar de melhor atriz por Anatomia de Uma Queda), aparentemente desfrutam de uma vida comum e tranquila em uma casa com jardim.  

No entanto, apesar dessa fachada de serenidade, a família vive ao lado do campo de concentração de Auschwitz. O cotidiano desses personagens é permeado pelos gritos abafados de desespero de um genocídio em andamento, do qual eles também são diretamente responsáveis. 

O filme não mostra nenhuma violência explícita; na verdade, quase não mostra violência alguma. O horror contido no longa-metragem, além do contexto histórico, reside nos berros e tiros que são subliminarmente inseridos no dia a dia da família Hoss. A excepcional direção de som é que estabelece o clima tenso que o filme sugere cada vez mais conforme a película avança. 

São muitos os pontos sociológicos possíveis de abordar a partir dessa obra e, talvez, o principal deles seja a normalização das atrocidades. É errôneo afirmar que uma  
“solução final”, aquela imposta por Adolf Hitler ao povo judeu entre 1941 e 1945, é apenas uma decisão de militares (ou burocratas, nos tempos atuais) — a quem podemos atribuir o papel de Friedel. 

Os genocídios são sempre, ou quase sempre, respaldados pelo apoio da sociedade civil, que seja endossando diretamente ou, para ser “bondoso”, fechando os olhos aos horrores que ocorrem do outro lado dos muros, sejam eles físicos ou hipotéticos. E é exatamente esse o papel de Sandra, ou melhor, Hedwig, que é apaixonada pela residência onde vive, embora a aura opressiva que permeia o ambiente seja quase insuportável aos olhos (e ouvidos) de quem é apenas um mero espectador. 

A história do extermínio judeu é estudada por todos nós na época de escola, mas isso não significa que seja apenas algo do passado, e muito menos que não possa ocorrer novamente. Atualmente, a nova barbárie pode estar sendo perpetrada pelo Estado que, a partir da sua fundação em 1948, abrigou grande parte das vítimas do maior genocídio da Idade Contemporânea — o Holocausto. 

Quem corrobora essa tese é o diretor do filme, Jonathan Glazer. Durante seu discurso na cerimônia do Oscar, o britânico lançou luz sobre o que ocorre neste exato momento na Faixa de Gaza, em razão do conflito entre Israel e Hamas iniciado em outubro de 2023, após um atentado terrorista que deixou cerca de 1,4 mil mortos. 

“Precisamos refletir e nos confrontar no presente, não apenas dizer “vejam o que eles fizeram naquela época”, mas sim observar o que estamos fazendo agora. Sejam os vitimados pelo Holocausto, pelo 7 de outubro em Israel ou pelo ataque contínuo a Gaza, todos são vítimas dessa desumanização”, argumenta Glazer. 

No entanto, a guerra agora declarada tem um pano de fundo ainda maior, que remonta a décadas de segregação e desumanização do povo palestino. A resposta de Israel ao ataque foi avassaladora, e hoje, somados aos mais de 30 mil mortos, os palestinos sofrem com cerceamento de água, luz, comida e medicamentos, devido ao cerco promovido pelo exército israelense com o intuito de destruir o Hamas. No fim das contas, quem sofre são os inocentes.

Leonardo Martins

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