“Palavrar” com outras palavras

Exposição “Palavrar”, instalada no Centro Cultural da UFRGS, é um mergulho nas possibilidades de ler o mundo e um convite para o expectador criar arranjos poéticos

O texto a seguir foi escrito a partir da exposição “Palavrar”, da artista Elida Tessler, instalada no Centro Cultural da UFRGS. A proposta era relacionar a exposição com questões trabalhadas na disciplina, como os pontos que nos fazem sensíveis às experiências artísticas. Existem os fatores inerentes à gente, que partem de  dos aspectos sociais e culturais, mas, por outro lado, também podemos valorizar a arte a partir de um repertório que existe em nós – mesmo que esse repertório seja moldado a partir daquilo que é ofertado para nós em diferentes dimensões. A motivação do escrito abaixo aconteceu através da atividade acadêmica de Comunicação e Arte.

O trabalho de Elida Tessler de cara já me lembrou Caetano. “Outras Palavras” começou a tocar mentalmente na minha cabeça e a característica verborrágica dele se imprimia pra mim. Me encaminhei para ver a exposição da artista no V744 Atelier, mas não consegui por causa dos horários. Me senti frustrada, porque só de ver a descrição do trabalho da artista já conseguia relacionar com Caetano e o jogo de palavras, bem representado pela música “Outras Palavras”, mas também por tantas outras.

Acabei indo para o Centro Cultural da UFRGS, conferir a exposição “Transparência e Opacidade I”. Acho que a experiência de estar no Centro Cultural é maravilhosa. O prédio é lindo, o clima que ele emana – todo aquele entorno da UFRGS parece exalar múltiplas possibilidades de experiências- e a Redenção maravilhosa na frente. Enfim, fui subir para o segundo andar do Centro e encontro uma outra exposição da Elida: Palavrar. Não parecia mera coincidência – era pra ser sobre as possibilidades das palavras.

A exposição consiste em 581 pratos com verbos inscritos, espalhados na parte interna e externa do prédio. Esses verbos foram retirados do livro A arte no horizonte do provável, do Haroldo de Campos, e estão todos no infinitivo. Alguns repetem, mas estão ali para criar os caminhos para significados.

Mais uma coisa que não poderia parecer coincidência: Haroldo de Campos e Caetano Veloso possuem uma estreita relação. O poeta concretista transformou as composições/poemas de Caetano, sendo referenciada em uma das mais famosas faixas do cantor: “Sampa” e a dura poesia concreta de suas esquinas. Acho que a poesia concreta continua tendo tudo a ver com o que a gente vive e esse convite da vida de mergulhar nessa imersão de informação. É possível transformar o caos em algo poético, aberto, afetivo.

Alguns dos verbos “servidos” na exposição. (Foto: Paola De Bettio)

Acho que os verbos no infinitivo criam uma potência maior para a possibilidade – parece deixar no ar, sem espaços para sufocamentos. Quatro pratos: “pensar, poetar, transluzir, definir”. É sobre isso, um convite, uma abertura. Essa criação de constelações poéticas é coletiva. E os pratos são a metáfora para o “servir”, metáfora que casa bem com a antropofagia tropicalista. Palavras são servidas como “modos de ler e de orbitar no improvável”. A palavra é tudo e nada. A palavra cria e a palavra encerra. A palavra é fonema, que é som, mas também cria figuras, é visual. A palavra também pode abrir espaço para o silêncio. 

Em tantas outras faixas de Caetano é possível perceber esse livre brincar. Em “Rapte-me Camaleoa”, o cantor projeta “Ser/ Querer/ Ser / Merecer/ ser / Um camaleão”. Elida, ao “jogar” as palavras, pelo menos do meu ponto de vista, convida o público para “brincar” de poetar. Projetar as palavras, que parecem estar meramente soltas, e criar uma constelação interminável de possibilidades poéticas. Elida traz combinações como “Pensar, romper, produzir”; “Realizar; dizer”; “Ler; alterar”, enfim. Abre a possibilidade para o “leitor”, como aponta Barthes, continuar a obra como bem entender.

Aquelas palavras espalhadas provocam a sensação de exercício criativo e poético. É delicioso ficar pronunciando elas e pensar nas múltiplas conexões: por vezes, são antônimos, ora são parte de um caminho; às vezes, sinônimos metafóricos. Esse exercício cria figuras do nosso pensamento. Não pude esquecer das madrugas de insônia pensando palavras atrás de palavras, por impulso, tentando esquecer qualquer lógica. Acho que é uma das raízes de amar as palavras, sobretudo as escritas. Soltar as palavras faz a gente lembrar quem nós somos, é quase psicanalítico.

A palavra, aqui, cria o fio condutor dessa orbita infinita que vem dos infinitivos. Tornar o universo ao redor poético é fácil, como dois e dois são cinco, tudo certo.

Paola De Bettio

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