O mais nobre projeto que uma pessoa pode executar é ajudar o próximo. Essa é a missão da Associação Comunitária e Recreativa Adote Um Atleta, da Escola de Formação Especializada no Rendimento de Atletas (Fera), de Montenegro (RS), no Vale do Caí. Na oportunidade, qualquer cidadão pode destinar seu imposto de renda devido a sua empresa ou pessoa física para apoiar os “mini talentos” do futebol. O programa social atende meninos e meninas dos 6 aos 15 anos de idade.
Entre os 485 alunos atendidos pela Associação, está Victor Vergas, o Vitinho, 13 anos. Volante, o garoto chama atenção pela visão de jogo e forte poder de desarme. Clubes gaúchos como Grêmio, Internacional e Juventude já demonstraram interesse pelo atleta. “Eu só tenho a agradecer pela oportunidade de participar deste projeto social. Estamos jogando competições grandes contra equipes do alto esquadrão do futebol. Isso faz parte da minha motivação diária. Devo à iniciativa do Adote um Atleta”, explica a jovem promessa.
O projeto oferece treinos, orientação, aulas de futebol, alimentação e uniforme para cada criança e adolescente em situação de risco e vulnerabilidade social. “Como tenho o sonho de ser jogador de futebol profissional, treino todos os dias sem custo nenhum. Sou grato em poder fazer parte disso. Com certeza, não medirei esforços para recompensar tudo que está sendo proporcionado”, afirma Vitinho.
A mãe, Priscila Rodrigues Vergas, 35 anos, diz ter passado dificuldades financeiras durante a carreira do filho até aqui. “Inicialmente, quando o Victor entrou na escolinha, nós pagávamos os treinos mensais. Depois, tivemos um problema de saúde na família. Meu sogro teve câncer e, para ajudar a minha sogra com os problemas de saúde dele, tivemos que parar de trabalhar. Portanto, entramos em contato com o Fera para ver se o Vitinho tinha a possibilidade de participar do Adote um Atleta. E, felizmente, foi aceito”, relata. “Como o sonho dele é ser jogador de futebol, temíamos que essa ambição fosse interrompida por falta de dinheiro”, conta, emocionada.
Priscila sente muito orgulho do filho, tanto é que o acompanha a todos os jogos. “Sempre estou na torcida por ele. Por último, jogou o Gauchão pelo Fera. E ficou entre os destaques da competição. Se não fosse o projeto, nada disso teria acontecido”, reconhece. Ela também elogia o amparo que possui. “Quando o uniforme está precário, prontamente recebemos um novo. A escola está à disposição para ajudar. Na verdade, não temos palavras pra agradecer quanto o projeto tem ajudado no sonho do nosso filho. Além de manter os meninos longe das ruas, faz com que eles jamais deixem de sonhar”, declara.
Os treinamentos do projeto são realizados em conjunto com as atividades das categorias que disputam competições. O objetivo é a aproximação e integração dos grupos. A garotada do Adote Um Atleta treina normalmente no campo do América, no bairro 5 de Maio, em Montenegro. Nas terças e quintas-feiras, as categorias maiores vão a campo, nos turnos da manhã e da tarde. Nas quartas e sextas, os treinos são para os menores. Sempre após as atividades, vem o momento que os alunos adoram: os esperados lanches.
Cerca de 25 meninas participam do Adote. Assim com os meninos, elas carregam o sonho de jogar futebol profissionalmente e repetir o sucesso feito por Marta, Formiga e até mesmo pela zagueira montenegrina Isadora Haas, que defende o Internacional e a Seleção Brasileira. Além dos treinamentos no campo, os jovens participam de palestras, que tratam sobre diversos temas presentes na sociedade.
Desde 2007, o projeto social está inserido no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comcrad). Agora, o desejo dos dirigentes do Fera é oferecer novos serviços para os alunos. “Queremos criar uma nova dimensão de atendimento, com uma estrutura melhor para todos. Nossa ideia é ter espaços para acompanhamento médico, dentário e psicológico para quem necessitar”, projeta o coordenador Eduardo Verselhese.
Formação de talentos
Dentre as três décadas de história, o Fera também revelou joias para o mundo da bola. Uma delas é Jeferson Forneck, o popular Jefinho, 17 anos. Meio-campista do Grêmio, possui contrato que prevê multa de 50 milhões de euros (cerca de R$ 318 milhões na cotação atual) para clubes do exterior. O Chelsea e clubes da Itália mantêm o jovem no radar.
A promessa gremista entrou na escolinha de futebol montenegrina com oito anos, no ano de 2014. Pelo Fera, mesmo franzino, Jefinho se destacava com seus dribles desconcertantes. Em Montenegro, conquistou títulos importantes e começou a pavimentar sua trajetória no futebol. “O professor Tiago Maratá foi o primeiro treinador dele, ainda em São Pedro da Serra, nossa terra natal. Naquela oportunidade, pediu para trazer o Jefinho para treinar em Montenegro. Primeiro, eu não queria, pois era longe e ele era muito novo ainda”, relembra Gilberto Forneck, pai do atleta.
Além de boas atuações no Grêmio, Jefinho acumula convocações para a Seleção Brasileira de Futebol de Base. E diz que o Fera contribuiu muito na sua carreira até o momento. “A formação que tive foi essencial pra eu chegar onde estou hoje. Aprendi a ter foco, disciplina e respeito, características que sempre levo para dentro de campo”, afirma Jefinho. Além disso, diz que a formação é crucial fora das quatros linhas também. “Além do aprendizado tático, aprendi muito sobre a vida. O projeto me ensinou valores como a responsabilidade, ser uma pessoa honesta e cidadão do bem”, conta.
O atleta estava há dois anos treinando no Fera quando fez seu primeiro teste e foi aprovado no Centro de Formação e Treinamentos do Grêmio (CFT) Presidente Hélio Dourado, em Eldorado do Sul (RS). Questionado sobre os desafios ultrapassados na base, o meio-campista relata sobre as contusões. “Acho que um jogador possui diversas dificuldades na vida porque você passa todo o tempo se dedicando ao seu futuro, ou seja, ao sonho de ser profissional. Por isso, você precisa abdicar de momentos divertidos da adolescência para buscar os objetivos”, explica. “Além disso, tem as lesões. Elas afetam tanto fisicamente quanto psicologicamente a carreira do esportista. Entretanto, faz parte do futebol e todos estão sujeitos a isso”, comenta, triste. Em sua trajetória, o jovem já sofreu com fraturas na clavícula, mandíbula, e, por último, um rompimento no ligamento do joelho. Lesão essa que o mantém no departamento médico do clube gaúcho no momento.
Inspirado no craque argentino Lionel Messi, Jefinho completará 18 anos em dezembro e pretende ser exemplo para muitos jovens que estão tendo o primeiro contato com a bola. “Meu conselho é nunca desistir dos seus objetivos e sonhos. Mesmo tendo dias ruins, sempre cumpra suas funções com dedicação, pois no final valerá muito a pena”, conclui.
Referência no futebol feminino
Isadora Haas, 23 anos, é outra joia que iniciou seus primeiros passos na escola do Fera. Atleta do Internacional, coleciona títulos importantíssimos como a Brasil Ladies Cup, pentacampeã do Gauchão Feminino e o Brasileirão Sub-18. Além disso, é convocada com frequência para a Seleção Brasileira Feminina, onde já conquistou o Sul-Americano Sub-17, em 2018.
Desde pequena, Isa sempre foi apaixonada por futebol. “Treinei no Fera dos 7 aos 13 anos. Depois, fui jogar futsal com meninas de 14 até 16. Logo, aprimorei habilidades e fui fazer a peneira no Internacional em 2017, obtendo a aprovação”, relata. “O esporte sempre fez diferença no meu desenvolvimento como pessoa. Principalmente quando falamos em respeito e integridade do ser humano”, destaca. A representatividade feminina no mundo desportivo é um tema que percorre décadas de luta por igualdade e reconhecimento. Ao longo dos anos, as mulheres têm enfrentado diversos obstáculos para conquistar seu espaço em um ambiente historicamente dominado por homens. “O futebol feminino vem se desenvolvendo nesses últimos anos. Passei dificuldades no início, principalmente a questão de locais para treinamento. A carreira no futebol é muito solitária, nos faz abrir mão de muitas coisas”, afirma Isa.
No entanto, apesar dos desafios, muitas atletas têm se destacado e inspirado gerações, provando que talento e determinação não têm gênero. É o caso da Isa. “Como era a única menina que treinava no Fera, acho que fui exemplo para novas jogadoras também se desenvolverem”, conta. Essa coragem realça a capacidade de superar adversidades e quebrar barreiras recorrentes no ambiente esportivo. “Queira ser melhor que você mesma todos os dias. Não se compare. Cada uma tem suas oportunidades e seu tempo, esteja preparada para quando a sua chegar”, aconselha.
27 anos de atuação no Vale do Caí
Dizem que o esporte é a ferramenta de inserção social mais eficaz, pois o resultado é imediato e as transformações são surpreendentes. A Escola de Futebol Fera é prova disso. São 16 professores e 1,3 mil alunos atendidos por semana. Com atuação no Vale do Caí, além da matriz, possui núcleos em São Pedro da Serra, São José do Sul, Harmonia, Salvador do Sul e Pareci Novo.
Criado no ano de 1997, no campo do Sesi, o projeto inicialmente era nomeado Escolinha Luiz Carlos Winck, em referência ao ex-atleta e treinador multicampeão de futebol. Hoje, a escola participa de competições importantes como o Gauchão Federado, Nova Liga Gaúcha de Futebol Infantil (Noligafi) e a Liga de Futebol Encosta da Serra (Lifesa). Além de contar com seus próprios campeonatos internos, quando os núcleos se enfrentam em duelos intermunicipais.
A instituição esportiva trabalha em três vertentes: escolinha de futebol, equipe de competição e o projeto social da Associação Comunitária e Recreativa Adote Um Atleta. Segundo o sócio-diretor da escola Fábio Klein, o programa, além de formar grandes jogadores de futebol, tem como objetivo principal formar cidadãos. “O Fera, sem dúvida nenhuma, é a minha vida. Algo que pensei há 28 anos, confesso que ficou melhor e maior do que eu sonhava. Realmente, trabalhar com crianças é algo muito gratificante e especial”, diz.
Mesmo consolidado no cenário esportivo de base, a ideia é continuar desenvolvendo a escola. “Temos projetos de crescimento físico, como a construção de um Centro de Treinamentos (CT) modernizado. Mas também sempre procuramos melhorar o atendimento às crianças. Queremos ajudá-los em todos os sentidos. Eles serão o futuro”, reitera. “Uma criança nunca ouviu um não da gente para participar das atividades. Independente de não ter um tênis, uniforme ou até dinheiro da mensalidade”, explica Fábio.
Com foco em ações sociais, desde cedo, o trabalho com jovens é focado em valores como disciplina e respeito. Desta forma, o convívio social e o trabalho em grupo acabam sendo facilitados. “Este projeto iniciou nas comunidades para os adolescentes que não tinham condição de frequentar uma escolinha pudessem ter acesso ao esporte. A escola desenvolve um trabalho não só esportivo, mas de cidadania dando oportunidade a muitas crianças”, afirma o sócio-diretor. “O ser humano sem história não é nada. Hoje sei que, através do Fera, contribuímos na trajetória dos alunos e de suas famílias. Isso é muito importante. Pode levar tempo para acontecer, mas se materializam”, conclui.