Virou rotina abrir o Instagram e ver postagens relacionadas a um estilo de vida que, há alguns anos, não era tão comum. “O de hoje tá pago”, “Terceiro treino do dia foi”, “Hoje o dia começou às 4h com uma corridinha de 10 km”. A cada dia, posts como esses se tornam mais frequentes e acabam impactando os usuários, seja de forma positiva ou negativa. Um desses grandes impactos — aliado a outros fatores, é claro — é o aumento da prática da corrida. E isso não se comprova apenas pela observação de corredores nas ruas, mas também por números que mostram como o esporte vem crescendo e ganhando novos entusiastas.
A Maratona Internacional de Porto Alegre, maior evento de atletismo do Rio Grande do Sul, exemplifica esse crescimento. Em 2024, o evento reuniu 18,5 mil participantes, um aumento de 23,3% em relação a 2022, quando 15 mil corredores participaram. Mesmo adiada de junho para setembro por causa da enchente que afetou o estado em maio, a 39ª edição foi a maior de sua história.
“Estamos muito felizes por poder não apenas ter realizado a Maratona Internacional de Porto Alegre 2024, depois de tudo que o nosso estado e a nossa cidade passaram, mas também por ter feito a maior edição da história do evento”, relata Paulo Silva, diretor da prova e do Clube de Corredores de Porto Alegre (Corpa).
O que faz com que a corrida seja uma das atividades físicas mais procuradas é sua simplicidade. Não é preciso muito para começar: um bom par de tênis, roupas confortáveis e, se possível, um ambiente agradável já são suficientes. Além disso, os benefícios para a saúde são evidentes. Logo nos primeiros passos, cerca de 70% dos músculos do corpo entram em ação. A temperatura corporal aumenta, e a adrenalina começa a ser liberada. Após cerca de vinte minutos, a endorfina entra em cena, transformando o esforço inicial em uma sensação de prazer. Essa euforia acaba conquistando quem se dedica à prática. E, claro, as redes sociais refletem isso, com imagens de pés no asfalto, medalhas conquistadas e, por vezes, momentos de glória nos pódios.
Luiz Felipe Cagliari, de 30 anos, é o organizador do Salve Corre, um grupo que reúne corredores nas noites de Porto Alegre. Ele acredita que as redes sociais têm incentivado a prática da corrida, mas alerta para seus efeitos negativos.
“Eu acho que a informação na internet está facilitando o acesso à corrida e gerando essa vontade de correr. Apesar disso, há muitos influenciadores que, na minha opinião, trabalham de forma negativa para o esporte. Essa questão de se provar demais, essa cobrança por evolução e essa exibição, principalmente on-line, quase como uma meritocracia do esporte, podem ser prejudiciais. Para alguém que está em casa e vê o treino de outra pessoa, isso pode ser desmotivador”, analisa Luiz Felipe.
O Salve Corre foi criado com o objetivo de unir corredores de diferentes níveis e promover a troca de vivências entre iniciantes e atletas mais experientes. Segundo Luiz Felipe, o primeiro encontro, realizado em março de 2024, contou com aproximadamente 20 participantes. Desde então, o número só cresceu. Os eventos, realizados todas as quintas-feiras, às 19h30, já chegaram a reunir 400 pessoas em encontros regulares e até 600 em corridas especiais.
Odécio Carlos, de 59 anos, é um desses corredores amadores que costumam marcar presença nas quintas-feiras. E ele não vai sozinho: seu filho Gabriel, de 8 anos, sempre o acompanha.
“Essa já é nossa quinta vez no Corre. Um dos meus objetivos, além de correr, é estimular que meu filho goste da corrida. Esse é um movimento que vai beneficiar muito a saúde das pessoas no futuro. Vamos ter uma geração mais saudável e ativa”, afirma Odécio.
O impacto dessa procura pelo esporte não reflete apenas na saúde, mas também no aumento de itens relacionados à corrida. As marcas observaram essa tendência e lançaram relógios esportivos com monitoramento de batimentos cardíacos e GPS, roupas com tecidos tecnológicos que oferecem melhor absorção de suor, tênis com amortecimento avançado, mochilas de hidratação, fones de ouvido sem fio resistentes à água, meias de compressão e acessórios como cintos porta-objetos e lanternas para corridas noturnas.
Apesar de ser um esporte democrático, haja vista a simplicidade para praticá-lo, quem deseja evoluir acaba optando por adquirir esses itens. “A gente fala que é democrático, ‘Ah, precisa só de um par de tênis’, mas para se especializar na corrida, às vezes a gente esbarra nessa ilusão de que ‘É só um tênis’, mas é legal ter um relógio para você evoluir. Aí vai doer o joelho, tem que ir numa fisio, tem que ir na academia para fazer o reforço muscular, caso contrário, tu te lesiona”, reflete o organizador do Salve Corre.
A corrida se consolidou como um esporte que transcende fronteiras e gerações, unindo pessoas em busca de saúde, superação e um senso de comunidade. Apesar das pressões e das comparações que as redes sociais podem trazer, o movimento de corredores em Porto Alegre demonstra que a prática vai além das métricas e das medalhas.
O crescente número de adeptos, como mostra o sucesso da Maratona Internacional de Porto Alegre e a popularidade de grupos como o Salve Corre, indica que a corrida veio para ficar. Mas, como qualquer movimento, é importante manter o equilíbrio: lembrar que a corrida é, antes de tudo, uma oportunidade de encontrar prazer na atividade física, e não uma competição constante.