STF reconhece ofensas homofóbicas e transfóbicas como injúria racial

Com nove votos a favor e um contrário, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu ofensas homofóbicas e transfóbicas como crime de injúria racial. A decisão tomada no dia 23 de agosto de 2023 promete aumentar a proteção à comunidade LGBTQIAPN+. Diferente da decisão de 2019, onde o STF havia igualado essa discriminação ao delito de racismo, a nova determinação possibilita que a punição por ofensas direcionadas a um indivíduo específico.

Segundo Taylise Zagatto, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP, a decisão do STF é muito positiva e reafirma a importância vital da criação de proteção legal à populações vulneráveis, historicamente marginalizadas e discriminadas, como é o caso da população LGBTQIAPN+. Para ela, apenas o delito de racismo não contempla a totalidade da proteção legal necessária.

Para compreender melhor, é necessário entender que o racismo é um crime praticado contra uma coletividade. Nesse caso, a comunidade LGBTQIAPN+. Já a injúria racial é praticada em relação à honra de alguém. Ou seja, permite que um indivíduo dessa minoria possa recorrer a essa proteção legal quando atingido por alguma injúria homofóbica. Também vale destacar que ambos os delitos são inafiançáveis e imprescritíveis.

Sobre consolidar o direito da comunidade, a advogada não acredita que a solução seja apenas a criminalização do ato. ”Precisamos de uma mudança social no pensamento dos sujeitos no nosso país. Um trabalho árduo de conscientização, de quebra de preconceitos e da discriminação de toda a população”, afirma.

Violência contra a comunidade

De acordo com o relatório anual realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil ocupa, pelo 14º ano consecutivo, o primeiro lugar entre os países que mais matam pessoas travestis e transsexuais. Segundo o estudo, 131 pessoas da comunidade foram mortas em solo brasileiro apenas em 2022. A partir destes dados, é possível entender como a cultura da violência contra pessoas LGBTQIAPN+ está enraizada na sociedade.

Taylise também destaca que, em setembro de 2023, a Comissão da Câmara voltou a discutir um projeto de lei que proíbe reconhecer a união homoafetiva como casamento, mesmo após pouco mais de 10 anos da decisão do STF que reconhece famílias compostas por casais homossexuais. Segundo ela, “a proteção de direitos precisa ser realizada para além de um conceito penalista, mas de garantia de direitos em geral e também de construção de políticas públicas que possam assegurar esses direitos”.

No Estado de São Paulo já existem canais de denúncia contra homofobia e transfobia e Delegacia da Diversidade online da Polícia Civil, onde boletins de ocorrência de homofobia e transfobia podem ser realizados online. Entretanto, segundo Taylise, é necessário que haja uma maior efetividade e orientação da população para que possam acessar esses espaços.

Avanço nos direitos? 

Apesar de não acreditar que a legislação vai acabar com a violência, Toni Reis, diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI+, vê a decisão como um avanço importante para a comunidade. Para o professor, essa movimentação é uma sinalização de que o estado brasileiro está avançando em relação aos direitos das pessoas LGBTQIAPN+. 

Para assegurar estes direitos, Toni acredita que é necessário haver uma resistência dentro do legislativo para que a comunidade não perca nenhum direito conquistado. Porém, o professor acredita que seria muito importante educar a sociedade através de educação formal e informal. Ensinar o Art. 5º dentro das escolas, difundindo o direito de que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza. ”Não é promover a homossexualidade, é promover a equidade e a cidadania que está garantida na constituição federal”, explica.

Além disso, Toni também ressalta a importância do ativismo. Segundo ele, é muito importante que as pessoas LGBTQIAPN+ participem de coletivos e principalmente denunciem toda e qualquer forma de preconceito e descriminação. “É só assim que vamos conquistar um país com mais equidade”, afirma.

Já para o jurista Lenio Streck, enquadrar as ofensas homofóbicas e transfóbicas como injúria racial não é o ideal. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal não tem o poder para criar tipos penais ou fazer equiparações de crimes, este é um poder do legislativo. O advogado também reforça que essa é uma questão difícil de entender, porque no Brasil o STF é considerado bom quando atende os interesses. Entretanto, quando julga contra, é ruim. Quem deve tratar desses direitos é o legislador e o executivo. 

“O Judiciário trata do passado. Julga casos que já aconteceram. O Judiciário não faz leis ou regras gerais para o futuro. Isso fere a democracia. Não se trata de direitos de comunidades minorias, etc. Trata-se de colocar as coisas no seu lugar e criar responsabilidades políticas. O STF pode cuidar de casos que envolvam violações de direitos de pessoas, sejam minorias ou não. Mas não pode fazer regras gerais para tratar das relações futuras”, explica.

Lenio concorda que crimes de ódio e intolerância devem ser reprimidos, inclusive com legislação penal dura, dependendo do delito. Porém, o jurista ressalta que temos que amadurecer e cobrar essas decisões do legislativo e do executivo. Afinal, o primeiro passo deve partir deste órgãos. Como mandar projetos de leis e dialogar com o parlamento. Além disso, Lenio considera que no Brasil parece mais cômodo correr ao STF, que às vezes nos atende, criando as leis que o parlamento não cria, mas às vezes nega. Entretanto dependemos de 11 pessoas, o que por vezes pode parecer pouco para uma democracia.