Até hoje, houve apenas três ministras mulheres e três ministros negros ocupando cadeiras no Supremo Tribunal Federal em 132 anos de história

Após quase 12 anos de atuação, a ministra Rosa Weber se aposentou do Supremo Tribunal Federal (STF) às vésperas de completar 75 anos, idade limite para exercer a função. Ela foi indicada ao posto pela presidenta Dilma Rousseff, em 2011. Com a nomeação, Rosa se tornou apenas a terceira mulher a integrar a corte. Com a sua saída, a magistrada deixa uma vaga aberta e a dúvida de quem será indicado pelo presidente Lula para ocupar este cargo.

Diante deste cenário, alguns coletivos e movimentos sociais se mobilizaram na campanha “Ministra Negra no STF”. A ideia da ação é pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nomear uma mulher negra a ocupar uma cadeira no Supremo. Até o dia 5 de outubro, 48.266 pessoas já participaram da ação.

Qual a importância de ter mais diversidade no STF?

A subida da rampa do Palácio do Planalto tornou-se instantaneamente um dos momentos mais emblemáticos e simbólicos da cerimônia de posse de Lula. Para passar a faixa presidencial e acompanhar o presidente no trajeto, um grupo de oito pessoas foi escolhido para representar a diversidade que havia sido apagada no governo anterior. 

Cerimônia de posse do presidente Lula. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A realidade é que o Brasil é um país marcado pela diversidade, principalmente de raça. Segundo o último censo feito pelo IBGE em 2022, a população brasileira é formada por 51,1% de mulheres, 56,1% de pessoas negras e 25,4% de mulheres negras.

Apesar da quantidade expressiva, mulheres negras ainda são minoria no Judiciário brasileiro. Outro dado importante é que 68% da população carcerária do Brasil é negra, contudo somente 7% dos magistrados de primeira instância são mulheres negras. Já na segunda instância, o número é ainda menor – não passa de 2%. 

Para a professora Bartira Macedo, existe um déficit de representatividade feminina nos espaços de poder. Exemplo disso é a sua própria trajetória. Bartira foi a primeira mulher diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG). A faculdade é a sexta mais antiga do Brasil, foi fundada em 1898 e levou 120 anos para ter sua primeira mulher ocupando este cargo.

Além disso, para a docente, o caso do Supremo Tribunal Federal se tornou emblemático. Bartira lembra, ainda, que o Conselho Federal da OAB nunca teve uma mulher presidenta. 

O Judiciário brasileiro é comandado, sob vários aspectos, por homens brancos, destaca. Ela acredita que o problema é a falta de representatividade. Se todo o poder emana do povo, uma corte como o STF, composta por juristas escolhidos por indicação, deveria retratar a existência de mulheres na sociedade, no campo jurídico e na academia.

”Ninguém nega a existência de mulheres juristas com notório saber jurídico e alta capacidade para o exercício do cargo. O processo de escolha, que é do presidente da República, tem se dado muito mais por compadrios do que de forma republicana. Não estou apontando ilegalidades. Cumpriu-se o procedimento formal. A falta de representatividade é que revela o problema: a permanência das relações de poder oligárquicas que ainda seguem as lógicas e a supremacia masculina, branca e proprietária, ao tempo em que excluem as mulheres”, destaca a professora.

Sobre a campanha “Ministra Negra no STF”, Bartira vê o movimento com simpatia, mas acredita que a verdadeira luta, ou pelo menos a grande questão do debate público, é a presença de mulheres na Corte.

Para a professora, a presença de mulheres no Supremo é algo que transcende a representatividade de grupos historicamente excluídos. Afinal, quando falamos de mulheres, não estamos nos referindo a um grupo: elas constituem a metade da população.

”O país precisa ver mulheres no STF. Acho que esse é o ponto central. Na minha opinião, precisamos de mulheres garantistas no STF. Tanto melhor que seja mulher, garantista e negra”, comenta.

Baixa diversidade em 132 anos de Supremo

Apenas três homens negros e três mulheres fizeram parte da corte mais importante do País em mais de um século de história. Conheça um pouco melhor a trajetória de cada um deles.

Pedro Augusto Carneiro Lessa (1907 – 1921)

Foi o responsável por ampliar a instituição do Habeas Corpus para incluir outras situações que não estavam previstas na Constituição.

Hermenegildo Rodrigues de Barros (1919 – 1937)

Assumiu o cargo de presidente do STF em 1931 e foi reeleito em 1934. Durante sua gestão foi instaurado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, presidiu as sessões preliminares da Assembleia Nacional Constituinte em 1933 e 1935 e serviu como presidente da Assembleia em 1934.

Ellen Gracie (2000 – 2011)

Foi a primeira mulher a integrar o STF desde a sua criação. Em 2004, foi escolhida como vice-presidente do Supremo Tribunal Federal e como presidente, em 2006.

Joaquim Barbosa (2003 – 2014)

Em 2012, foi escolhido como presidente do Supremo e se aposentou em 2014, antes da idade máxima. Apoiou políticas de ações afirmativas no STF, principalmente em situações que envolvem cotas raciais nas faculdades.

Cármen Lúcia (2006 – atualmente)

Em 2016, ocupou a presidência do Supremo. Os direitos humanos, a liberdade de expressão, o meio ambiente, os direitos das mulheres e muitas outras questões jurídicas e sociais foram abordadas por seus atos e votos como ministra do STF. 

Rosa Weber (2011 – 2023)

Em 2023, completou 75 anos e se aposentou do STF. Como ministra, suas ações foram relacionadas com temas de direitos humanos, questões ambientais, direitos das mulheres, entre outras causas.

Como funciona o STF?

Afinal, qual o motivo dessa pauta mobilizar setores da sociedade civil organizada? Para isso, é fundamental entender o que faz o Supremo Tribunal Federal. Primeiro é importante entender como funciona a divisão dos três poderes no Brasil.

O Executivo é composto por presidente, governadores e prefeitos, sendo responsável por administrar. O Legislativo é formado por senadores, deputados e vereadores, tendo como premissa elaborar as leis e fiscalizar o trabalho do Executivo. Já o Judiciário é o poder responsável por aplicar as leis e garantir o seu funcionamento.

O Judiciário é separado entre a Justiça Comum, que é a Cível ou Criminal, e a Justiça Especializada, que é dividida entre Trabalho, Eleitoral e Militar. Ambas têm os tribunais de segunda instância e os superiores, como o Superior Tribunal de Justiça, o Superior Tribunal do Trabalho e o Tribunal Superior Eleitoral. Mas acima de todos os tribunais, existe o Supremo Tribunal Federal, representando a instância máxima – que analisa as questões constitucionais.

O STF é composto por 11 ministros. Cada um deles é indicado pelo presidente, mas precisam da aprovação do Senado para assumir. Também é necessário cumprir requisitos básicos previstos por lei, como ser brasileiro nato, ter entre 35 e 65 anos, ter notório conhecimento jurídico e uma reputação íntegra. 

Para garantir a independência total do Tribunal, os ministros só deixam o cargo em situações específicas. Substituições só acontecem em casos de renúncia, morte ou aposentadoria compulsória aos 75 anos, caso da ministra Rosa Weber. Essa substituição nunca pode ocorrer por decisões políticas. Também há a possibilidade de impeachment para afastar um ministro do cargo.

O Supremo é responsável por julgar os casos mais importantes, como os que envolvem foro privilegiado, e também os casos que já passaram por todas as outras instâncias abaixo. Além disso, o STF também tem o poder de derrubar uma lei criada no congresso ou até mesmo determinar o impeachment do presidente em casos de inconstitucionalidade. 

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