Mesmo tendo desembarcado em solo brasileiro junto com o futebol, a prática conta apenas com a paixão dos adeptos para sobreviver na capital gaúcha

Reza a lenda que Charles Miller, considerado o “pai” do futebol no Brasil, trouxe consigo uma bola de rugby, quando desembarcou no porto de Santos, em 1884. Após passar a juventude no Reino Unido, ele aprendeu a prática e as regras de ambos os esportes.

O rugby, apesar de ser um esporte de contato, também carrega muitos ensinamentos e valores. O esporte não permite brigas entre um time e os adversários. Além de prezar pelo respeito à arbitragem e aos torcedores, a prática possui cinco preceitos primordiais: a integridade, o respeito, a solidariedade, a paixão e a disciplina.

Costuma-se dizer que “o rugby é um esporte de brutos jogado por cavalheiros”. Nele, ações de afronta à arbitragem, ao time adversário ou à torcida são punidas severamente. Ao final de cada jogo, a equipe vencedora costuma fazer um corredor para receber a perdedora em sinal de gentileza. 

O terceiro tempo, uma regra não oficial, mas uma prática recorrente, consiste na reunião das duas equipes para comemorar o jogo e trocar experiências. Ao final da partida, é esquecida a possível rivalidade existente entre as duas equipes, o que resulta numa das melhores características do esporte, que é a camaradagem entre os jogadores e entre as torcidas. É de costume que, no terceiro tempo, seja bancada uma confraternização pelo time anfitrião e oferecida ao clube visitante. 

As teorias sobre o pioneirismo em solo brasileiro divergem, mas na verdade, Miller foi o principal responsável pela popularização do futebol e do rugby no Brasil. Entretanto, a diferença na popularidade entre as duas práticas é gigantesca em terras brasileiras. Atualmente, a chegada em paralelo pelo porto de Santos é a única coisa que as une. 

História

O rugby é praticado em mais de 150 países, sendo que Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Inglaterra são algumas das nações em que o esporte é mais popular. 

No Brasil, o primeiro clube de rugby surge em 1888: o São Paulo Athletic Club, mais conhecido como SPAC, que tem como um dos fundadores o próprio Charles Miller. O SPAC também é reconhecido como a primeira organização a praticar o futebol no país. Porém, não é difícil adivinhar qual dos esportes obteve mais sucesso em termos de popularização.  

No Rio Grande do Sul, o rugby só chegou de forma organizada 113 anos depois da criação do SPAC, com a fundação do Charrua Rugby Clube, na cidade de Porto Alegre, em junho de 2001. Desde então o Charrua e o Farrapos Rugby Clube, fundado em 2007, são os únicos clubes gaúchos a integrar o Super 12, a primeira divisão do rugby nacional.

Na capital gaúcha existem ainda outras duas equipes: o San Diego Rugby Clube, fundado em 2006, e o Guasca Rugby Clube, criado em 2012.

Partida entre Charrua e Desterro, de Florianópolis, em 2023, ocorrido em Porto Alegre. (Foto: Charrua Rugby Clube / Divulgação)

Partida entre Charrua e Desterro, de Florianópolis, em 2023, ocorrido em Porto Alegre. (Foto: Charrua Rugby Clube / Divulgação)

Para Felipe Aguilar, treinador da equipe masculina principal do Charrua, a prática ficou muito restrita ao Rio de Janeiro e a São Paulo, o que fez com que as outras regiões do país tivessem um gap de desenvolvimento.  

“No mundo, o rugby se manteve amador por muito tempo. Quando foi liberada a profissionalização de jogadores, tivemos um salto na qualidade, obviamente, mas o Brasil se mantém amador porque o esporte não é difundido, não é conhecido, apesar de ter vindo junto com o futebol” explica Aguilar, que também já foi atleta e treinou as categorias juvenis do clube pioneiro na prática no RS.

Aguilar é treinador da equipe principal do Charrua. (Foto: Arquivo Pessoal / Felipe Aguilar)

O rugby no mundo

Fora dos Jogos Olímpicos desde 1928, a prática retornou para as Olimpíadas em 2016, no Rio de Janeiro, e se manteve nos jogos de Tóquio, em 2020 (que, em razão da pandemia do novo coronavírus, foram realizados em 2021). O rugby segue no calendário olímpico para 2024, em Paris. 

No masculino, as Ilhas Fiji são as atuais bicampeãs olímpicas, conquistando o ouro em cima de Grã-Bretanha e Nova Zelândia, respectivamente. Já no feminino, a Austrália venceu a Nova Zelândia na final de 2016, e em 2020, a Nova Zelândia conquistou o ouro batendo a França na decisão. 

Apesar da importância das Olimpíadas, a Copa do Mundo de Rugby Union é o principal evento entre as seleções. Disputada a cada quatro anos, desde 1987, trata-se do terceiro evento desportivo mais visto no planeta (atrás apenas da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos).

A Nova Zelândia, campeã em 1987, 2011 e 2015, e a África do Sul, que venceu em 1995, 2007 e 2019, lideram o ranking de títulos. Na sequência, a Austrália, vencedora em 1991 e 1999, e a Inglaterra, campeã em 2003, completam o hall de vencedores. 

Neste ano, a 10ª edição da Copa do Mundo de Rugby ocorre na França entre 8 de setembro e 21 de outubro. O Brasil, infelizmente, nunca se qualificou para o evento. 

Pouco incentivo em solo brasileiro

Esqueça o glamour e salários milionários de um atleta de alto nível. No Brasil, pouquíssimos jogadores são remunerados para jogar rugby, até mesmo aqueles que defendem as cores da seleção brasileira. 

“Os melhores jogadores do país são contratados pela Confederação Brasileira, porque o esporte ainda é amador aqui. Outros países que têm a mesma característica, profissionalizam alguns jogadores para defender as cores da nação”, relata Guilherme Marques, ex-treinador do Charrua e atual presidente da Federação Gaúcha de Rugby (FGR). 

Marques complementa que, fora dessas circunstâncias, alguns clubes pagam jogadores, mas é uma iniciativa esporádica. No Rio Grande do Sul, por exemplo, isso praticamente não existe. 

O presidente da FGR ressalta ainda que os poucos atletas que possuem remuneração por parte da Confederação Brasileira de Rugby (CBRu), fundada em 1970, são obrigados a morar em São Paulo, pois lá que as instalações de treinamento funcionam, no município de São José dos Campos. 

“É um centro de treinamento de alto rendimento que muitos atletas, principalmente olímpicos, treinam. Academia, campo, pista, boa estrutura. Porém, o atleta precisa abdicar de muita coisa para estar lá”, completa Marques. 

Amor ao esporte

A atleta Bárbara Caroline Leal, 37 anos, há mais de 10 anos integra a equipe feminina do Charrua e das Yaras, como são chamadas as jogadoras da seleção brasileira feminina de rugby. De acordo com ela, a paixão iniciou após ser convidada para um treino. Desde então, nunca mais parou de jogar. 

Apesar de desempenhar em alto nível, é ela quem precisa pagar para praticar o rugby, pois o Charrua se sustenta, principalmente, por meio das mensalidades pagas pelos atletas e demais associados.

“Pagamos para manter nossa sede na Sociedade Hípica Porto-Alegrense, para treinar e jogar lá, entre alguns serviços de manutenção. Todo o nosso dinheiro vai basicamente nisso. É no amor”, brinca Bárbara, que também é doutora em química e professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Bárbara durante partida pelo Charrua. (Foto: Arquivo Pessoal / Bárbara Leal)

Hoje atuando como treinador do time principal do Charrua, Felipe Aguilar revela que recebe pouco mais de mil reais para exercer a função, e que precisa recorrer a outras fontes de renda para sobreviver. 

“Ganho mil reais para dar treino em duas categorias, passo necessidade, entendeu? Muito apertado, não tem como viver com mil reais. Então preciso recorrer a outra fonte de renda. Tudo o que fazemos é pela paixão pelo rugby”, destaca Aguilar. 

Regras do esporte

O objetivo do rugby é marcar mais pontos do que o time adversário, o que pode ser feito de várias maneiras. Duas equipes competem, cada uma com 15 jogadores em campo, no formato Rugby Union, ou com sete jogadores para cada lado, no formato Rugby Sevens, que é o usado nos Jogos Olímpicos. O jogo é disputado com uma bola oval de couro ou de material sintético e é dividido em dois tempos de 40 minutos cada, com um intervalo entre eles. 

O campo é de formato retangular, tem comprimento máximo de 144 metros e largura máxima de 70 metros. Além de ser dividido pela linha do meio de campo, é separado em duas regiões de touch in goal entre 10 e 22 metros de comprimento. 

A linha imaginária da bola é primeiro conceito que se deve aprender no rugby; é ela quem separa os dois times nos seus lados no campo. Se algum jogador do time estiver a frente da linha da bola (ou seja, no lado do adversário), ele é, na maioria das vezes, considerado fora de jogo e qualquer passe irregular para o jogador será considerado penalidade. Por essa razão, o atleta que está portando a bola é quem deve, em regra, avançar para o ataque. 

O passe com as mãos só é permitido para o lado ou para trás. Os avanços do time são decorrentes das corridas do jogador com a posse da bola. 

O passe com os pés não pode usar as mãos. No chute, só podem perseguir a bola, além do chutador, os jogadores que estiverem em linha ou atrás do mesmo no momento do pontapé. 

A principal maneira de marcar pontos é fazendo um try. Isso acontece quando um jogador cruza a linha de gol do adversário e toca a bola no chão. Um try vale cinco pontos.  

Após marcar um try, a equipe tem a oportunidade de chutar a bola entre os postes de gol, chamada de conversão. Se a bola passar entre as hastes, a equipe ganha mais dois pontos. 

As penalidades e os chutes livres podem ser concedidos por diversas infrações, como jogadores desleais, impedimentos ou entradas perigosas. A equipe que recebe uma penalidade pode optar por chutar a bola entre os postes, ganhando três ponto ou jogar a bola para ganhar território. 

O tackle é feito agarrando-se ao jogador adversário que está portando a bola e conduzindo-o ao chão para que se possa fazer a tentativa de tomada da posse de bola. O tackleador poderá fazer uso do ombro, de modo a travar o avanço do portador da bola, mas a utilização dos braços é obrigatória.

O atleta do Charrua sendo tackleado por jogador do Farrapos. (Foto: Arquivo Pessoal / Leonardo Martins)

Os rucks e mauls são formados quando um jogador é derrubado com a bola, então as equipes podem competir pelo controle da posse. Isso envolve jogadores de ambos os times que se agrupam na tentativa de ganhar a posse da bola. 

O scrum ocorre em situações específicas, como quando ocorre uma falta de jogo limpo. Isso envolve jogadores das duas equipes se alinhando e competindo pelo controle da bola com um chute controlado para dentro da formação.

Charrua e Centauros, de Estrela, competindo pela posse de bola em um scrum. (Foto: Arquivo Pessoal / Leonardo Martins)

Quando a bola sai do campo lateral, é realizada uma linha para determinar qual equipe ganha a posse da bola. Os jogadores lançam a bola em direção ao campo a partir das laterais. 

Os árbitros podem punir jogadores com cartões amarelos (temporários) ou vermelhos (expulsão) por conduta antidesportiva ou jogo sujo. 

O rugby é conhecido por sua ênfase no fair play e no respeito ao adversário. Conduta antidesportiva é desencorajada e punida. 

No rugby existem ainda muitas nuances e regras adicionais que podem variar dependendo da liga ou da variante específica do esporte. É importante consultar as regras oficiais da liga ou competição para obter informações detalhadas.