“Temos uma deficiência geral de informação sobre o funcionamento da urna”, diz secretário de TI do TRE

Daniel Wobeto, secretário de TI do TRE-RS/Flickr TRE-RS
Daniel Wobeto, secretário de TI do TRE-RS/Flickr TRE-RS

Daniel Wobeto explica o trabalho do tribunal para tentar esclarecer a sociedade e entidades fiscalizadoras sobre o equipamento eletrônico utilizado nas eleições brasileiras

No primeiro turno das últimas eleições presidenciais, 1,6 milhões de eleitores não foram às urnas exercer o direito do voto, o maior número em 32 anos. Em 2022, a abstenção ficou em 19,79% no Estado. O percentual é pouco maior do que em 2018, quando foi de 18,14%. Em 2014, havia sido de 16,8%. Em entrevista à Beta Redação, o secretário de Tecnologia da Informação do TRE-RS, Daniel Wobeto, comenta os motivos que podem ter levado ao crescimento no número de abstenção, e também fala sobre urna eletrônica e sobre o quanto a Justiça Eleitoral trabalha para que cada vez mais os eleitores confiem no sistema.

Tivemos no RS quase 20% de abstenção nas eleições passadas. O que pode ser explicado sobre este número. Por que ele aumenta e não diminui?

Wobeto: De 2018 pra 2022 na verdade temos um aumento pequeno, obviamente ele existe, mas o que chama mais atenção é o aumento de 2014 pra 2018, onde teve um aumento significativo e inegavelmente temos uma curva crescente da abstenção. A abstenção é formada por vários elementos dentro do processo eleitoral. A gente tem vários fatores que também dentro da Justiça Eleitoral podem explicar um pouco este processo, que podem ser variáveis a serem consideradas. Antes de chegar na Justiça Eleitoral, eu vejo claramente uma desilusão cada vez maior com os políticos. Eu acho que não é nenhum problema com a urna eletrônica, de as pessoas acharem que a urna vai roubar seu voto, acho que é realmente uma questão que as pessoas não se veem representadas pelos políticos ou acham que eles não vão resolver as questões que deveriam resolver, e tanto faz eu ir votar ou não votar que não vai mudar nada.

A gente teve em 2018 e em 2022, na minha leitura pessoal, um processo de polarização da política diferenciada do que nós tínhamos antes. Nós tínhamos em eleições anteriores vários candidatos no primeiro turno que eram candidatos relativamente viáveis, que disputavam, e os candidatos que estavam colocados não estavam em lados tão opostos. Talvez os eleitores se viram um pouco mais representados com os candidatos que estavam ali. Nas últimas eleições temos visto um candidato sendo a negação do outro, e talvez muitos eleitores não se viram representados em nenhum desses polos, onde um simplesmente estava mais voltado a negar o outro polo, do que realmente propor alguma coisa. Então esse processo de briga da política, de polarização, eu acho que ele afasta um pouco os eleitores.

Você não vê então um fator principal que possa fazer com que o número de abstenções diminua?

Wobeto: A gente trabalha na Justiça Eleitoral em campanhas de conscientização dos eleitores, para que a gente tenha cada vez mais eleitores votando. A gente trabalha cada vez mais com a questão do voto do idoso, porque eles têm voto facultativo, mas trabalhamos para que eles venham votar, mas é difícil, é uma variável de muito pouco controle que a gente tem. Ela é muito influenciada por essa questão de quem são os candidatos que estão na eleição e o que que estes candidatos estão dizendo para o eleitor. A gente vê municípios do interior que têm 0% de abstenção, a comunidade está extremamente engajada em votar porque sabe que a eleição é disputada e cada voto vale. Outros municípios do interior em eleição municipal também têm uma abstenção maior do que a das eleições gerais.

Outros fatores que a gente tem: passamos agora, de 2018 pra 2022, tivemos a pandemia no meio, e até o processo que a Justiça Eleitoral, os processos que vínhamos passando de depuração do cadastro, das revisões do eleitorado, só quem vem na revisão continua sendo eleitor do município. Quando eu faço isso, eu expurgo daqueles processos de 10% a 15% da população do município, do cadastro. Normalmente o eleitor que não veio na revisão do eleitorado é o eleitor que não vai votar no dia da eleição. Quando eu faço a revisão do eleitorado, esse eleitor já tá fora do cadastro, então ele é uma abstenção a menos. Então, a gente perdeu um pouco neste último ciclo um pouco deste processo de depuração que a gente vinha fazendo antes. Talvez a gente tenha o cadastro um pouco mais sujo hoje, sujo em termos não de fraude, mas em relação aqueles eleitores dispostos a votar, os eleitores dispostos a participar do processo eleitoral, ficou um pouco mais de gente aí que talvez não esteja tão disposto a participar do processo, que fez o título eleitoral porque precisava emitir um CPF por exemplo, mas não fez isso para votar, e acabou ficando um pouco mais longe da eleição.

Talvez se a gente tivesse tido uma coisa do refinamento do cadastro, a gente poderia ter talvez até diminuído o número de abstenção, e não estaríamos falando hoje sobre isso, a gente estaria falando sobre uma reversão de uma tendência que apareceu de um número de 2016 para 2018, então essa variável no meio, que eu não sei se este aumento pequeno, não tá tendo um eventual aumento do interesse do eleitor, não está sendo mascarado por um cadastro que tenha um pouco mais de eleitores que naturalmente teriam sido expurgados. É difícil, é bem complexo de dizer.

Modelo de urna eletrônica 2020/Reprodução: TSE

O que pode levar o eleitor a não confiar no processo da urna eletrônica, visando já o próximo período eleitoral?

Wobeto: Primeiro temos que ver o seguinte: temos uma deficiência geral de informação sobre o funcionamento da urna e como ela é realmente, quais são os processos em torno da urna, então essa é uma discussão muito pouco informada na sociedade. Infelizmente a gente não conseguiu chegar a um grau de informação suficiente para que as pessoas consigam ter uma opinião embasada em dados para se informar. E aí nós temos uma questão de posicionamento das pessoas com base em narrativas que elas escutam, e aí de novo, neste cenário que a gente tem claramente um candidato da eleição passada que se colocou contra a urna eletrônica e trouxe a questão da urna para sua campanha como uma narrativa de fraude da urna. Então obviamente este eleitor que apoia esse candidato tem uma tendência muito grande, até por uma questão de simpatia a esse candidato, ele sem ter informações claras de como a urna funciona, ele absorve aquela posição contraria de seu candidato, e ele se coloca contrário à urna, então isso gera uma massa de eleitores que são mais fiéis a um candidato, que tem essa narrativa, esse posicionamento que muitas vezes não é um posicionamento informado.

Assim como temos eleitores que talvez até numa oposição para essa narrativa, querem se apresentar como apoiando a urna, porque não querem aquela narrativa, acham que ela está errada. Então mesmo não estando informado sobre a urna eletrônica, eles apoiam a urna porque são contrários àquela narrativa, e as pessoas que realmente estão informadas, que conseguem tomar uma decisão sobre gostar ou não do modelo atual, acaba sendo um universo menor.

A gente precisa aumentar este universo de pessoas informadas, para que um pedaço das pessoas que são contra a urna, que querem ser contra a urna, talvez mudem de opinião, para que as pessoas que são a favor da urna consigam ser a favor. Como a gente acha que temos argumentos bons para segurança, conhecendo o processo, possa ser a favor com uma decisão consciente e informada, e que esse grupo de pessoas que tem alguma informação consiga tomar melhor a decisão do que prefere.

A gente vê que das pessoas que são tão informadas e que não têm um viés ideológico por trás dessa discussão, elas trazem posições mais ponderadas, às vezes questões de discussão de por que não fazer assim, por que não fazer daquele jeito, são questionamentos mais ponderados do que os que dizem que têm fraude na urna. Então, essa escala que eu vejo de pessoas que querem acreditar, mesmo sem saber o que que é, e aquelas que querem duvidar, tem no meio essas pessoas que entendem.

Se a gente aumentar o número de pessoas que têm uma noção melhor do processo, talvez elas fiquem menos permeáveis a qualquer tipo de argumentação, seja contra ou pró-urna, para que a pessoa possa se decidir. Mas ainda eu vejo que essa questão da oposição ficou muito ainda na questão ideológica. Tem algumas pessoas que não entendem, mas muitas vezes as pessoas trazem uma oposição quanto à urna e quando vamos ver o argumento da pessoa, é completamente contrário à forma como ela funciona. E vale dizer ainda, sobre a questão do voto impresso, que não é que a Justiça Eleitoral seja terminantemente contra o voto impresso e não o queira, o problema é que quando a gente tem o debate, a gente tem que gerar um certo equilíbrio de força nos argumentos, e quando tem um grupo que traz ao debate a questão do voto impresso, dizendo que ele é a melhor coisa do mundo, que ele vai resolver todos os problemas e que não tem nenhum defeito, se eu como Justiça Eleitoral vou entrar neste debate de uma forma absolutamente ponderada, falando que o voto impresso é bom por causa disso, essa fala que é totalmente tendenciosa para um lado, o debate fica muito desequilibrado

Então a Justiça Eleitoral sempre tenta apresentar essa sua posição ponderada, entendendo que pode ser que o voto impresso tem algum beneficio em algum ponto, mas a obrigação de executar a eleição é nossa, e quando a gente olha para os problemas que a gente traz, a gente precisa levantar a mão e falar que tem uma série de problemas, que se a gente não falar, quando for aprovado, vão cobrar de nós para que seja resolvido. E é por isso que a gente reforça tanto os problemas, até para gerar um debate um pouco mais equilibrado. Isso às vezes gera que o nosso discurso fique um pouco desequilibrado também, a gente acaba indo só para uma questão de oposição ao voto impresso, que parece uma coisa completamente radical, mas é que a gente tem uma preocupação muito grande de como implementar as coisas, e a gente precisa que isso seja muito bem esclarecido.

Você comentou que uma parte dos eleitores não tem conhecimento sobre a urna, uma outra tem pouco conhecimento e uma bolha conhece mais. Há uma projeção, uma expectativa de que seja feito um trabalho melhor para que os eleitores tenham um maior conhecimento sobre o serviço das urnas?

Wobeto: É o que tentamos diariamente. Nossa escola judiciária tem projetos para isso. A gente trabalha muito com a imprensa, a imprensa esclarecida consegue levar uma informação qualificada também para as pessoas. A gente também tem trabalhado com escolas em eventos, mostrando como que funciona a urna eletrônica.

Participamos de entrevistas em rádios e TVs para tentar explicar para a população. Mas é difícil, essa questão da segurança da urna, se ela tem um grande defeito é a complexidade dos argumentos na sua defesa. E aí levar uma argumentação muito complexa para as pessoas dificulta. Mas a gente tenta fazer, a gente tá tentando, temos projetos para o próximo ano de alguns eventos, e mesmo que a gente atinja um público pequeno, a gente procura buscar o público mais qualificado possível para que eles possam replicar essas informações pra gente. Então tentamos convênios com entidades de imprensa, OAB, já que eles pretendem fiscalizar as urnas, então precisamos explicar pra eles o funcionamento para que eles possam fazer uma fiscalização correta e não se sintam inúteis fazendo isso, para que entendam o seu papel. Todo o segmento de sociedade que tivermos, fizemos um trabalho com a Assembleia (Legislativa), fizemos apresentações no Comando Militar do Sul, então procuramos sempre buscar o maior universo possível, é difícil negar uma apresentação da urna para quem nos pede, mas é um desafio, um grande desafio.

Luã Fontoura

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também