Homens respondem por mais que o dobro de internações e o triplo de óbitos por doenças parcial ou totalmente atribuíveis ao excesso de álcool no país

Por Clarice Santos, Marcel Vogt e Nathalia Jung*

Segundo dados do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), a região Sul do Brasil lidera em internações e óbitos relacionados ao consumo nocivo de álcool proporcionalmente à população. A taxa por 100 mil habitantes em internações é a mais alta em toda a série histórica de 2012 a 2021, última data disponível na base de dados: são 206,6 casos por 100 mil habitantes. Em óbitos, o Sul esteve proporcionalmente atrás de Centro-Oeste e Nordeste em alguns períodos, mas assumiu a frente em 2021, quando os casos aumentaram: foram 35,9 por 100 mil. 


O álcool é uma substância psicoativa que pode causar dependência e seu consumo excessivo pode ter efeitos negativos na saúde física, mental e social. O combate e a prevenção para o uso abusivo são uma necessidade mundial, fazendo parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Só em 2021, foram registrados 336.407 internações e 69.054 óbitos relacionados ao uso nocivo de álcool no Brasil, considerando casos parcial ou totalmente atribuíveis ao álcool, conforme o CISA. 

Em números absolutos, a região Sudeste tem o maior número de casos tanto em óbitos quanto em internações, mas o Sul se destaca quando utilizada a taxa por 100 mil habitantes, calculadas pelas estimativas de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 2012 a 2021, o Sul manteve a liderança no quesito internações por 100 mil habitantes. Só em 2021, a região teve 24,7% mais internações em comparação ao Centro-Oeste do Brasil, região que ocupava o segundo lugar. 

Nos estados que compõem a região Sul, o Paraná predomina nos registros de internações: teve 27,7% mais internações por 100 mil habitantes em 2021 se comparado ao Rio Grande do Sul. Já em óbitos, Santa Catarina ficou em primeiro lugar, com 185% mais óbitos registrados por 100 mil habitantes em comparação ao RS.

Homens são mais afetados por doenças relacionadas ao álcool

Os dados revelam a hegemonia não só da região Sul, mas do gênero masculino em todos aspectos de internações e óbitos. Considerando internações de 2019, 2020 e 2021, homens tiveram 145% mais casos do que mulheres.

Quanto aos óbitos registrados, a diferença é ainda maior: homens possuem 225% mais óbitos em decorrência do uso de álcool em comparação com mulheres, considerando tanto casos totalmente atribuíveis ao álcool quanto os parcialmente atribuíveis ao álcool.

Consumo abusivo e dose padrão

Segundo o Panorama Álcool e Saúde CISA 2022, as definições de dose padrão são determinadas pela quantidade de etanol puro contida nas bebidas alcoólicas. No Brasil, uma dose de bebida equivale a 14g de álcool puro, o que corresponde a 350 ml de cerveja (5% de álcool), 150 ml de vinho (12% de álcool) ou 45 ml de destilado (vodca, uísque, cachaça, gin, tequila, com 40% de álcool).

Já o consumo abusivo é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o consumo de 60g ou mais de álcool puro em pelo menos uma ocasião no último mês. Nesse caso, a quantidade de ingestão se altera para homens e mulheres, sendo quatro ou mais doses para mulheres e cinco ou mais doses para homens.

Reconhecer a dependência é o primeiro passo para a cura

Mais do que afetar a saúde física e mental, o uso excessivo de álcool e o alcoolismo são responsáveis por colocar fim a muitos núcleos familiares. Reconhecer-se como dependente do álcool e buscar ajuda não são tarefas simples. 

Classificado pelo International Classification of Diseases (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), o CID – 10 representa os transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool. É um alerta para o diagnóstico e, principalmente, para o tratamento da patologia.

“Eu pesava 40 quilos, não tinha emprego, a família estava me abandonando”, conta Carlos Pinheiro, de 64 anos, morador de Montenegro, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS). Aos 37 anos, ele tomou uma decisão que mudaria sua vida: começou a luta para vencer o vício junto ao grupo dos Alcoólicos Anônimos (AA).

O tratamento para o alcoolismo é feito através de terapia, aconselhamento por profissional da área da saúde, desintoxicação e, algumas vezes, com medicamentos controlados. O grupo de Alcoólicos Anônimos representa uma frente relevante no combate ao alcoolismo, são espaços de acolhida e apoio.

“Já estou há 27 anos no grupo. É um dia de cada vez. Estou ajudando quem está chegando agora”, afirma Carlos. É comum que os alcoólatras não cheguem sozinhos ao grupo. Frequentemente são levados por amigos, familiares, ou até mesmo por médicos e assistentes sociais. 

No grupo de Carlos, o número de participantes varia de cinco a 20 em cada reunião. A maioria dos participantes é do sexo masculino, com cerca de três mulheres. “Muitos se recuperam e param de frequentar as reuniões. Quem frequenta mais são os homens; as mulheres vão uma ou duas vezes”, compara Carlos. “Elas sentem vergonha de dar seus depoimentos sobre o que aconteceu com elas em decorrência do alcoolismo. É difícil aceitar, muitos já passaram por lá. Se todos que já passaram por lá ficassem, teríamos que fazer as reuniões em um campo de futebol”, observa.

Carlos representa o grupo etário que mais tem se destacado no quesito internações e óbitos. Diferente do que se pode esperar por frequentarem festas e eventos, não são os jovens que lideram os números absolutos: segundo o CISA, a faixa etária de 55 anos ou mais responde por 83% mais internações e óbitos, em número absolutos, comparado à faixa etária de 35 a 54 anos. Quando a comparação é com o grupo de 15 a 34 anos, essa diferença sobe para 246%.

*Reportagem produzida na atividade acadêmica de Jornalismo de Dados e Checagem (supervisão: Taís Seibt)