Psicoterapia, hábitos saudáveis e rede de apoio são algumas das opções para auxiliar no tratamento

Uma em cada quatro mulheres sofrem de depressão pós-parto no Brasil. É o que aponta um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado em 2016, com pesquisa realizada entre 2011 e 2012. Foram 23.896 mulheres entrevistadas no período de 6 a 18 meses após o nascimento do bebê.

Geisiely Vargas, de 29 anos e mãe de duas meninas, foi uma dessas mulheres acometidas por um quadro de depressão pós-parto, depois do nascimento de sua primeira filha, Sophia, em 2015. “A minha primeira gestação foi bem assustadora. Na época foi bem difícil, pois estava querendo me separar por não ter muito apoio em casa do meu companheiro. Depois da aceitação da gravidez, me redescobri, foi uma gestação conturbada pelas muitas brigas no meu relacionamento, era tudo muito novo para mim, tinha medo de não conseguir suprir todas as necessidades do meu bebê”, relata Geisiely. 

 Segundo Adriana Gonzalez Bueno, psiquiatra com foco em saúde perinatal – gestação e puerpério -, as principais doenças de saúde mental relacionadas a esse período são os chamados transtornos de humor. “O que mais atinge as mulheres nesse período são os quadros depressivos e de ansiedade, tanto durante a gestação, quanto no pós-parto”, afirma a profissional, que ainda cita outras patologias, como o transtorno afetivo bipolar. 

Causas de doenças de saúde mental na maternidade

Ainda de acordo com Adriana, as causas para essas doenças são multifatoriais. A psiquiatra coloca que, entre os principais fatores que podem ser citados, estão as variações hormonais, visto que a produção de estrogênio e progesterona são muito maiores em mulheres em gestação. “Além disso, é um período de vulnerabilidade emocional muito grande. E por que acontece essa vulnerabilidade? Durante o período da gestação, a mulher tem alterações que a gente consegue ver em exames de imagem. O cérebro diminui um pouco em volume, mas ele se aprimora em determinadas áreas como, por exemplo, reconhecimento facial”. Adriana segue: “A questão é, durante toda essa remodelação cerebral, o cérebro dela fica mais vulnerável a qualquer tipo de alteração. Então, é como se ela estivesse com esse órgão em obras e, durante as obras, fica mais vulnerável a ter doenças”. 

Uma em cada quatro brasileiras sofrem com depressão pós-parto. (Foto: Freepik)

Geisiely aponta como principais possíveis causas para seu quadro depressivo em 2015, a falta de apoio do genitor de Sophia e também complicações no parto, que deixaram sua saúde física debilitada. “Sempre tive total apoio da minha mãe, mas do genitor não muito. Isso deixava tudo mais pesado para mim, pois eu esperava que ele seria meu principal aliado para enfrentar tudo, e isso não aconteceu. Então, abalou muito meu emocional durante o pós-parto”.  

Após uma hemorragia interna, em que precisou de transfusão de sangue e internação em uma Unidade de Tratamento Intensiva (UTI), a saúde mental de Geisiely ficou ainda mais abalada, somada à gravidez conturbada. “Eu me sentia insuficiente para tudo, sentia que não seria capaz de cuidar da minha filha. Por diversos dias precisava chamar minha mãe, pois não estava em condições mentais de acalentar a bebê, que chorava bastante de cólica”, relembra.

Diversidade de sintomas

Assim como as causas, os sintomas das doenças de saúde mental na maternidade também são diversos e variáveis em cada pessoa. É o que salienta a psicóloga Raisa Pinheiro Arruda: “Normalmente, as pessoas acham que uma mãe com depressão pós-parto só chora, não cuida do bebê e não consegue se relacionar direito com os filhos. Mas, na verdade, a depressão pós-parto pode aparecer de diversas formas, e a mulher pode não falar sobre isso: ela sente uma preocupação constante, acha que algo ruim vai acontecer com seu bebê, que não tem competência para ser mãe, entre outros pensamentos”. 

Além de afetar a mãe, as doenças de saúde mental durante e pós a gravidez podem afetar também o bebê. “Já existem muitas pesquisas que apontam que filhos de mães que tiveram depressão pós-parto podem desenvolver dificuldades no aprendizado e nas habilidades sociais. Também incide no desenvolvimento emocional, gerando uma predisposição à depressão e ansiedade”, aponta Raisa. 

A importância da rede de apoio para o tratamento

Para cuidar da depressão ou ansiedade na maternidade, a psiquiatra Adriana Bueno reforça que, para mulheres com casos mais leves ou moderados, que possuem boas condições financeiras e uma boa rede de apoio, o ideal é a psicoterapia. Já para casos de moderados a graves ou mulheres com poucos recursos, o indicado é tratar com medicamentos. “Se for depressão, normalmente usamos antidepressivos, pois sabemos que tem medicações que são seguras para serem administradas durante a gestação. Diante dos desfechos que as mães podem ter pela doença não tratada, hoje já sabemos que é muito melhor a mulher tomar a medicação e o bebê ser exposto a ela – sabendo que o remédio vai tirá-la desse estado – do que não tratar”, coloca a psiquiatra. 

Adriana salienta a importância da rede de apoio no entorno da mãe que está em quadro depressivo. “As pessoas ao redor podem ajudar a identificar que essa mulher está passando por um momento que talvez precise de ajuda e incentivarem a busca de tratamento. No pós-parto, pode ajudar nos cuidados da criança, no período noturno com a privação de sono, que é um grande problema para a maioria das mulheres nessa fase”, aponta a profissional. 

Geisiely, após recuperar-se dos problemas de saúde física no pós-parto, precisou tratar de sua saúde mental. “Tive que ir em busca de terapias, reiki, e consultas psicológicas para conseguir administrar tudo. Foi aí que descobri que estava com depressão. Então tratei, e no período de um ano já consegui me reerguer, sair de um casamento abusivo e estressante, para uma vida mais tranquila ao lado da minha filha”, relata. 

Segunda gravidez de Geisiely foi mais tranquila e sem doenças relacionadas à saúde mental. (Foto: Arquivo Pessoal/Geisiely Vargas)

Como prevenir e conscientizar

Números preocupantes mostram que a prevenção da depressão pós-parto e de outras doenças do período perinatal precisa ser mais discutida. É o que aponta a psicóloga Raisa Arruda: “O Brasil está em primeiro lugar no ranking de depressão pós-parto no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, uma a cada quatro mulheres sofre violência no parto e uma a cada duasnidade. Esses dados são alarmantes, porque a saúde mental materna diz respeito a qualidade de vida dessas mulheres e também de todos aqueles que convivem com elas. O problema é que, muitas vezes, só se preocupa com a saúde da mãe porque ela vai interferir na saúde da criança. Mas precisamos olhar além, enxergar a saúde mental materna pela dignidade feminina”, finaliza a psicóloga. 

Já a psiquiatra Adriana Bueno alerta para o dado das taxas de suicídio neste período. “Durante a fase perinatal, o suicídio é a principal causa de morte materna em países desenvolvidos e a segunda maior pensando em todos os países, perdendo só para a hemorragia. Então, é um problema de saúde pública”, ressalta. 

Hábitos saudáveis auxiliam na prevenção de quadros depressivos e ansiosos. (Imagem: Karolina Bley/Beta Redação)

Relacionado especificamente ao período perinatal, é importante compreender a diferença de gravidez não planejada e não desejada. Adriana explica: “A não planejada não estava prevista, mas uma vez que engravida, a mãe pensa ‘beleza, tudo bem’. Essa é menos grave. A não desejada é a mulher que acaba engravidando, não quer engravidar e começa a não aceitar a gestação. Então, a chance dessa mulher ter uma dificuldade maior e ter problemas mentais como depressão e ansiedade, é muito grande”. 

Diante deste quadro, a psiquiatra aponta as melhores formas de prevenir as doenças que afetam a saúde mental de mulheres: “A principal é ter um planejamento familiar adequado. Isso inclui diversos fatores, desde uma educação sexual nas escolas, quanto para as mulheres já adultas; umSistema Único de Saúde (SUS) com condições de oferecer e orientar sobre métodos contraceptivos adequados; e também políticas de planejamento familiar. Essa seria uma ótima maneira de prevenir uma gravidez não desejada, que pode desembocar 

Geisiely Vargas relembra que em sua segunda gravidez, em 2021, quando nasceu Manuela, não sofreu com a depressão pós-parto, muito por conta do auxílio que encontrou na família. “Na segunda gestação foi tudo mais tranquilo, assim como já tinha o apoio da minha mãe, tive também um apoio maravilhoso do meu atual companheiro. Desde a descoberta da gravidez até o nascimento fui muito bem acolhida por todos. Isso foi o que deixou tudo mais leve durante os 9 meses: a minha principal rede de apoio ali, dentro da minha casa”.

A pessoa que precisar de ajuda referente a doenças de saúde mental, pode contatar o Centro de Valorização da Vida pelo número 188. (Foto: Freepik)

Peça ajuda

Caso você esteja precisando, não hesite em pedir ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV), atende pelo número 188 de forma gratuita e 24h. O CVV atende também por chat online ou e-mail: apoioemocional@cvv.org.br. Além dos serviços psicológicos e psiquiátricos particulares, também é realizado atendimento sem custos nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de cada município.