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São Leopoldo aposta na Ronda Lilás para proteger mulheres

Faltavam nove dias para São Leopoldo completar um ano sem feminicídios consumados quando Ketlyn Jennifer Vargas da Silva foi vítima do primeiro caso registrado em 2025. O episódio interrompeu um período de estabilidade e trouxe alertas sobre a violência de gênero na cidade. Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, a cidade do Vale do Sinos fica atrás apenas da capital, Porto Alegre, em casos de violência de gênero.

Somente em setembro de 2025, foram contabilizados sete casos de feminicídio tentado, 466 ameaças, 35 estupros e 251 lesões corporais contra mulheres no município. Ao mesmo tempo em que retratam uma realidade violenta, esses números também podem refletir maior procura por ajuda, indicando mais conscientização e confiança nos serviços de proteção, segundo especialistas.

Medidas protetivas são uma forma de ação judicial do Estado para evitar novas agressões, embora o descumprimento seja recorrente. Segundo o Anuário de Segurança Pública, praticamente duas em cada 10 mulheres com medida protetiva sofreram com descumprimentos em 2024. O Rio Grande do Sul está entre os estados com mais descumprimentos, com 23,2% de violação.

Em São Leopoldo, a Lei nº 10.044, de 13 de março de 2024, estabeleceu a criação da Ronda Lilás, com o objetivo de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas. A Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar, já realiza esse tipo de acompanhamento. No entanto, foi identificada a necessidade de reforçar a fiscalização. O guarda municipal André Bitencourt da Silva integra a equipe operacional da Ronda Lilás desde a fundação do grupamento e considera preocupante que a maior parte das agressões partiram de companheiros: dados estatísticos sobre o perfil das vítimas e agressores documentados pela Ronda indicam que isso ocorreu em 84,4% dos casos fiscalizados. “A palavra ‘companheiro’ é usada para abranger tanto quem ainda está junto quanto quem já se separou, reforçando que a violência vem das relações marcadas por afeto e poder”, cita Bitencourt em artigo sobre o Perfil da Violência Doméstica em São Leopoldo.

Como funciona

Primeiramente, é realizada uma visita para explicar o funcionamento da medida protetiva. “Os agentes falam tudo para a mulher, porque muitas vezes ela não entende direito o que é a medida, o que pode ou não pode. Além de orienta, deixamos contatos de emergência e o WhatsApp funcional à disposição”, explica a inspetora Fernanda Mossmann. Ela ressalta que este primeiro contato é fundamental, e que o prazo máximo para a Ronda Lilás realizar a primeira visita após o recebimento da medida protetiva pelo é de 48 horas. A Ronda também atende ocorrências de emergência, trabalhando em plantões de 24 horas, sete dias por semana.

A prioridade de atendimento é estabelecida por um escalonamento de casos, que avalia o histórico do agressor. Quando há o descumprimento da medida protetiva, a vítima é levada diretamente à Delegacia da Mulher, garantindo maior rapidez no atendimento em casos que exigem urgência. “Você vai avaliando conforme as visitas e o histórico. Às vezes começa com violência psicológica, moral e avança para física, é o padrão que temos”, diz.

Para a inspetora, estabelecer um relacionamento de confiança com as vítimas é um dos principais desafios da Ronda: “Sempre defendo que é uma relação de confiança, ela tem que confiar em nós, e nós nela. Não posso julgar se está falando a verdade ou sendo pressionada. Nossa função é estritamente legal, e há vítimas que perderam tudo, ajudam o agressor e ficam sem nada. É difícil reconhecer essa manipulação”. Muitas vítimas optam por atendimento e fiscalização apenas via WhatsApp, evitando a exposição de receber a viatura em casa. Outras se sentem seguras com a presença da Ronda em frente às residências, fortalecendo o convívio com os agentes e a sensação de acolhimento e proteção. “É importante acolher as mulheres, mas o agressor também precisa ser parado, pois há homens que usam a violência como forma de se relacionar com mulheres”, opina Mossmann. Ela destaca a dificuldade da mulher em romper esse ciclo, citando casos em que o agressor possui múltiplas medidas protetivas contra diferentes vítimas.

Segundo a inspetora, a prevenção deve começar desde a infância. “As escolas têm papel fundamental. Às vezes as crianças contam ao professor o que acontece em casa, porque confiam”, exemplifica. “Na minha idade eu não sabia o que era um relacionamento tóxico, hoje crianças já sabem. Os meninos replicam o que veem em casa, e as meninas procuram relações parecidas com as dos pais”, finaliza.

Acolhimento

Uma das formas de garantir o acompanhamento às mulheres em situação de violência em São Leopoldo é o trabalho realizado pelo Centro Jacobina, localizado na Rua Lindolfo Collor, no centro da cidade. “O trabalho de acompanhamento é muito abrangente, envolvendo muito apoio e direcionamentos”, explica a coordenadora, Patrícia de Oliveira. “Fazemos encaminhamentos para outros órgãos, incluímos a vítima em programas, acionamos atendimentos no Centro, contatamos a Vara da Violência Doméstica para acompanhar o processo judicial, e encaminhamos à Defensoria Pública para divisão de bens e guarda das crianças”, detalha Geórgia Cardoso, assistente social do Centro.

De janeiro a setembro de 2025, foram realizados 3.981 atendimentos no local. Com base nos cinco tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), a instituição atende todas as formas de agressão contra mulheres, travestis e pessoas trans a partir de 18 anos. O agendamento de horário é feito de forma sigilosa pelos canais oficiais. A equipe conta com psicólogas, assistentes sociais e uma estagiária de Direito.

O Centro Jacobina não possui abrigo fixo com moradia temporária, mas pode direcionar a vítima a um abrigo sigiloso, garantindo segurança e afastamento do agressor, respeitando o espaço da mulher. “Sempre tentamos não tirar a mulher do seu ciclo familiar, da sua rotina, que muitas vezes envolve filhos e parentes”, explica Luciana Martins, psicóloga do Centro. Ela ressalta que o abrigo é sempre a última opção. “Ao ir para o abrigo, a mulher se afasta de tudo e vive em um lugar fechado, sem liberdade. Por isso, buscamos acordos para que ela se sinta segura em suas decisões.” conclui.

LIGUE 180

Em todo o território nacional, é possível acionar a Central de Atendimento à Mulher pelo serviço ligue 180 para registrar casos de violência ou solicitar orientação. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Também é possível acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do telefone 190.

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