Nascido em Caxias do Sul, Rogério Alves da Paz é formado médico psiquiatra há mais de 20 anos. Teve experiência como diretor no Hospital Psiquiátrico São Pedro, no Manicômio Judicial e estudou por dois anos no EUA nas Universidades de Harvard, Johns Hopkins, Virgínia, New Mexico e Oregon como Fellow em Addictions selecionado pelo National Institute on Drug Abuse. Trabalha como psiquiatra forense, mas diversas outras áreas fizeram e fazem parte de sua vida, resultando que seus currículos pessoal e profissional sejam uma mistura de conhecimentos e habilidades.
Desde criança sempre se destacou pelo interesse em diversos temas em sua vida. Durante a infância, estudou música clássica e participou da Orquestra Sinfônica de Caxias do Sul, na qual tocava violoncelo. Mas seu interesse não se limitou à música. No início da adolescência jogou futebol na escolinha do time do Caxias. “O Tite é meu amigo, fui companheiro de clube dele. O Felipão foi meu técnico durante esse período, então eu tenho uma história na bola”, conta, aos risos.
Rogério era inquieto desde a infância. “Eu era uma criança com high skills. Gostava de música, esporte, história e psiquiatria. A psiquiatria sempre foi um interesse meu desde criança, pois eu era um leitor voraz do tema e tinha um amigo da família que é um psiquiatra famoso em Caxias. Eu gostava muito dele, era meu exemplo”.

Procuramos independência
O médico já sonhava há anos com sua independência e, em especial, morar sozinho. Por isso, em 1983, aos 18 anos, ingressou nas Forças Armadas, no Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR), um curso de formação militar que prepara jovens para serem oficiais da reserva do Exército Brasileiro. Durante esse período, começou a refletir sobre o que queria ser na vida: “Eu não queria ser estudante, morando com o pai e a mãe, então escolhi um curso rápido que me desse a oportunidade de ingressar no mercado”.
Ele escolheu o curso de Hotelaria, na Universidade de Caxias do Sul (UCS), na última turma do campus de Atlântida. Naquele momento, a hotelaria era um curso disputado, com média de notas iguais à Medicina, pois havia um grande interesse por alunos de fora do Brasil. “Eu tinha muitos colegas da Alemanha, Inglaterra e do Brasil inteiro. Nosso curso era voltado para os assuntos internacionais”. Seus estudos duraram três anos e, após esse período, começou a trabalhar como gerente de redes de hotéis 5 estrelas pelo país. Sua principal experiência foi com 23 anos, quando montou a Rede Master de Hotéis.

Em busca da felicidade
No final de 1988, o então executivo de hotéis repensou sua carreira. As escalas aos sábados e domingos, juntamente com infelicidade pelo excesso de trabalho o fizeram refletir. “Com a maturidade adquirida, percebi que ser um alto executivo não me trazia felicidade e que aquela ambição sobre ser independente era uma grande bobagem”. Dessa forma, retornou para a casa dos pais. “Larguei tudo em Porto Alegre e pedi para meu pai uma ajuda financeira e a opinião deles sobre a minha desistência da hotelaria”. A resposta dos pais foi positiva: “Eles falaram para mim que o sonho deles era que eu fosse médico”.
Por um ano, estudou para o vestibular. E passou na UCS. Desde o começo do curso, Rogério já sabia que queria ir para a área da psiquiatria. “Voltei meu currículo totalmente para essa área, meus estágios eram todos na psiquiatria. Fiz cadeiras de psicologia e filosofia voltadas para a área”.

Passagem marcante pelo manicômio
Após formar-se, Rogério passou no concurso público como psiquiatria forense no Manicômio Judiciário. Trabalhou no local por cinco anos, tendo sido diretor. “Nessa época, eu fui premiado na Itália, nos EUA e na França pelo meu trabalho de muitas altas de doentes mentais criminosos com 0% de reincidência, a chamada alta progressiva”.
Para o especialista, o trabalho da psiquiatria forense está numa linha entre a medicina e a lei, pois pode impedir que alguém possa ser preso. Essa perda de imputabilidade é um processo rigoroso, baseado na ciência. “Esse trabalho é muito pesado, não é para qualquer um. Você tem acesso a muitas histórias tristes e crimes bizarros, sem lógica, como por exemplo o caso de um paciente que tratei, que esfaqueou a vizinha porque ela estava tendo uma crise de falta de ar”. Para, ele o papel do psiquiatra forense é achar um nexo causal entre a doença do acusado e o crime cometido.
Ele também comenta sobre como era o dia a dia desses locais: “Na minha época era um hospital normal, depois que começaram a tornar um presídio. Antes tinha enfermeiros e uma equipe multidisciplinar, mas tinha agentes penitenciários também. O ambiente acaba sendo hospitalar porque eles estão todos tratados, e estão sem periculosidade”.
Durante seu trabalho no Manicômio Judiciário, o especialista se deparou com diversos casos de pessoas tentando evitar ir para cadeia, fingindo ser doentes psiquiátricos “No manual da psiquiatria existe o processo de simulação. Eu atendi diversos casos, que a pessoa se fingia e eu ia apertando o paciente e ele ficava sem reação. O trabalho dos psiquiatras forenses são importantes, pois só eles são capazes de perceber quando está ocorrendo esse fingimento para conseguir a imputabilidade e fugir de uma punição mais severa”. Durante um breve período, Rogério também foi psiquiatra na Penitenciária de Charqueadas, onde conviveu com psicopatas. Para ele, o tratamento para esse tipo de pessoas é tranquilo, diferente do imaginado “São normalmente muito inteligentes e nunca atacam aqueles que vão os beneficiar”.
Entre 2007 e 2010, Rogério começou a trabalhar como diretor da Residência Psiquiátrica do Hospital São Pedro, onde montou o maior centro de residência da área do Brasil. Atualmente, o programa conta com 700 médicos candidatos por vaga.
Buscando o sonho americano
Em 2009, Rogério candidatou-se uma bolsa de estudos nos EUA no Hubert H. Humphrey Fellowship, um programa do governo estadunidense de bolsas de estudos para profissionais em meio de carreira do setor público e do terceiro setor (ONGs). A bolsa era para profissionais de destaque em suas áreas, proporcionando um salário, estadia paga e vagas nas melhores universidades do país. “Meu trabalho na época tinha como foco vícios, e havia uma vaga nessa área. Eu me interessei. Estava com 40 e poucos e queria tentar algo novo, pois parecia que eu tinha chegado no meu auge”.

A aprovação demorou pouco mais de um ano. Dos 14 selecionados em todo o mundo para a bolsa, somente ele era brasileiro. “Quando cheguei lá, houve um coquetel e estavam presentes o Barack Obama e a Hillary Clinton”. Durante todo 2011, ele participou da bolsa como profissional afiliado da Humphrey Fellow na Virginia Commonwealth University.
A principal dificuldade nesse período é que não podia trabalhar com a área de forma legal, pois não tinha a licença para praticar a medicina nos EUA. “Comecei a ser médico voluntário em uma associação católica e consegui uma licença para ser couseling, uma espécie de terapeuta informal. Mas não podia clinicar e nem receitar medicamentos”. Ele relembra que diversos colegas médicos tentaram a licença para praticar medicina nos EUA: “Tentei conseguir licença, mas são três etapas. Precisa fazer a residência novamente e pode demorar até 10 anos. Então não valia a pena para mim”.
Atualmente, cidadão americano, Rogério percebeu uma transformação na sociedade americana “Quando cheguei lá, havia o American Way of Life muito presente, mas quando saí era uma sociedade decadente moral, econômica e política. Não reconheço o EUA, às vezes lá parece um país de quinto mundo, mas em diversos aspectos é muito melhor que o Brasil”.
O médico também faz um trabalho com os imigrantes comenta qual a relação dos recém-chegados com a América “Ele quer apagar quem ele foi na sua vida anterior e começar do zero. Isso é um erro, você lá precisa ser a continuação do que era anteriormente”. Mas o psiquiatra também reflete sobre sua condição “Para mim é muito fácil, eu sou uma pessoa que o EUA quer lá. Meu visto é de pessoas com altas habilidades a mesma que o Einstein tinha. Então minha vida é mais fácil nesse sentido”.

O melhor é sempre voltar para a casa
Após 12 anos nos EUA, Rogério retornou ao Brasil, como cidadão americano, para ficar próximo de sua mãe, irmão e sobrinha. Atualmente, trabalha de forma virtual e presencial em Porto Alegre, com pacientes ao redor do globo.