“A gente tem recebido um feedback muito positivo das mulheres, tanto nas redes como nas ruas”, relata a deputada sobre o PL já aprovado na CCJ

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, em 2022 foram registrados 2.077 casos de importunação sexual no estado. No cenário nacional, a partir de informações do Ministério Público do Trabalho, entre janeiro e julho de 2023, as mulheres denunciaram 8.458 ocorrências de algum tipo de assédio. O número quase se iguala ao do ano de 2022 inteiro, quando 8.508 ocorrências foram registradas.

A deputada estadual Luciana Genro (PSOL), juntamente com seu colega de bancada, Matheus Gomes (PSOL), propôs o selo Tolerância Zero com o Assédio. A iniciativa, inspirada no protocolo No Callem, criado pelo governo de Barcelona em 2018, prevê atendimento especializado para vítimas do crime em locais públicos, como bibliotecas, e também privados, como bares, que além do selo, contarão com funcionários treinados para realizar o acolhimento às mulheres. Com premissas semelhantes, as duas iniciativas buscam acolher vítimas de assédio, propondo uma via para que as mulheres sejam assistidas de maneira correta após uma situação traumática.

O Projeto de Lei 134/2023 foi aprovado em março pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e será encaminhado para a Assembleia Legislativa. “Essa é uma demanda real das mulheres, para quando elas forem a uma boate, ou a um bar, ou a qualquer estabelecimento, especialmente à noite, se sentirem seguras. Elas vão saber que se tiverem algum problema ali dentro, terão um atendimento adequado”, ressalta a deputada.

Luciana Genro, de 53 anos, está em seu quarto mandato na Assembleia Legislativa. Como deputada federal, foi eleita duas vezes: em 1998, pelo PT, e em 2006, pelo PSOL, partido que é cofundadora.

Filha de Tarso Genro, ex-governador do RS e ex-ministro da Justiça, iniciou sua militância ainda na escola. Conhecida por defender as diversas lutas dos grupos minorizados, Luciana atua na defesa das mulheres, dos trabalhadores, dos negros, dos indígenas e da comunidade LGBTQIAPN+.

Luciana também criou o Emancipa, programa que se divide em duas frentes: educação popular e formação feminista e antirracista, que promove cursos e palestras. Além disso, foi fundada em Porto Alegre a Casa Emancipa Restinga, responsável por proporcionar atividades culturais, esportivas e educativas no bairro que é um dos mais populosos e carentes de Porto Alegre.

Em função desses projetos, a Beta Redação conversou com a deputada. Confira a entrevista.

Tens alguns números que traduzam as metas alcançadas com o Emancipa Mulher desde 2017? O que o projeto vem garantindo especificamente às mulheres negras?

O Emancipa foi fundado por mim em 2017, mas quem coordena hoje é a Carla Zanella. A gente tem feito, desde 2017, cursos presenciais e on-line sobre feminismo, assédio, e vários temas envolvendo a luta das mulheres. Temos uma advogada e uma psicóloga voluntárias que atendem mulheres vítimas de violência e que precisam de assistência.

Nosso primeiro projeto foi o curso presencial Laudelina de Campos Melo, que ocorreu por mais de dois anos. Com a pandemia ele passou a ser gravado para as pessoas poderem acessar online a qualquer momento.

Nós já oferecemos um curso sobre as principais feministas negras. Que foi ministrado pela Carla Zanella, que daqui a algumas semanas vai lançar um novo curso no Emancipa*. E nós temos um grupo que faz formação na área do trabalho, especialmente voltada a corte e costura em Rio Grande, mas aqui em Porto Alegre não tem.

A justificativa do PL 134/2023, referente ao selo Tolerância Zero com o Assédio foi embasada – e até motivada – pelo protocolo No Callem, aplicado ao caso Daniel Alves, ocorrido na Espanha. Trazendo para a nossa realidade, no RS, há espaços de lazer que também tenham inspirado o PL, de forma positiva (por já contarem com alguma iniciativa parecida) ou negativa (por promoverem sexismo e desigualdade de gênero)?

O caso da Espanha nos despertou para o tema e fomos pesquisar. Vimos que aqui já existiam algumas iniciativas como a do drink [denunciar através do pedido de uma bebida específica] e outras sinalizações, mas que não havia nenhuma legislação para assegurar às mulheres um conhecimento prévio. A pessoa vai escolher ir em um lugar porque ele é mais seguro, então foi pensando também nessa ideia, de oferecer um upgrade para o estabelecimento que aderir.

Essa é uma demanda real das mulheres, para quando elas forem a uma boate, ou a um bar, ou a qualquer estabelecimento, especialmente à noite, se sentirem seguras. Elas vão saber que se tiverem algum problema ali dentro, terão um atendimento adequado. Ela pode pensar: ‘Eu estou protegida aqui, se alguma coisa acontecer comigo, tem uma equipe treinada que vai saber como lidar com a situação’.

A gente tem recebido um feedback muito positivo das mulheres, tanto nas redes como nas ruas. Na Assembleia também não há nenhum obstáculo. A criação do selo passou na CCJ, então eu acredito que ele vai ser aprovado sem maiores dificuldades.

O selo terá validade de dois anos. Como poderiam ser os mecanismos de fiscalização e cumprimento das exigências legais?

Esse é um problema de legislação, porque nós deputados não temos plenos poderes para legislar. Essa parte mais miúda do detalhe, de como será feita a fiscalização, tem que ser regulamentada pelo governo do estado, e temos que ficar pressionando para poder garantir que a lei seja efetivamente cumprida. Então essa vai ser uma nova etapa.

Algumas exigências previstas no PL – como treinamentos anuais e salas específicas de acolhimento – não podem dificultar a aderência dos espaços comerciais à ideia?

Isso também vai ser na regulamentação. A gente só diz que tem que ter um ambiente para acolher, mas não especifica esse ambiente. A gente não entra nesse detalhe, mas eu creio que temos que ter uma certa flexibilidade né, porque é difícil conseguir ter um local específico que só seja usado para isso. Então, provavelmente a regulamentação vai prever que seja uma sala que, ou esteja disponível, ou que fique disponível quando for necessário.

O que pode ser feito para incentivar os espaços públicos e comerciais a buscarem o selo?

Isso não está previsto no Projeto de Lei e depende da vontade do próprio governo. Se ele quiser, pode fazer uma campanha divulgando a lei e chamando os estabelecimentos a aderirem.

Com certeza eu farei essa campanha, mas o meu poder de alcance é bem menor em relação ao do governo, que tem verba publicitária e pode colocar na televisão. O ideal seria que o estado fizesse, mas do Leite eu não espero muito, porque na parte de políticas para as mulheres ele é muito ruim.

Há diversos projetos de leis seus, voltados às mulheres e à comunidade LGBTQIAPN+, atualmente aguardando decisões em diversas instâncias. Gostaria de comentar sobre a tramitação de algum deles, ou contar o que estás fazendo para que eles avancem?

Esse do assédio é o mais importante e o que está mais avançado. A Assembleia é bem lenta na tramitação dos projetos. A CCJ é o primeiro gargalo, porque é uma comissão que analisa todos os projetos. Eles são distribuídos para os deputados, que devem dar o parecer.

Em tese, eles têm um prazo de 30 dias, mas esse prazo nunca é cumprido. Às vezes, se reclamar para o deputado que ele não deu o parecer e ele não quiser dar, ele simplesmente devolve o projeto e este volta para a fila na estaca zero. Quando não é um projeto que tenha um grupo organizado, com maior interesse e que faça pressão, é um pouco demorado. Estamos conseguindo fazer com que o selo Tolerância Zero com o Assédio ande relativamente rápido.

E o que podemos esperar dos próximos projetos seus para as mulheres negras, indígenas e LGBTQIAPN+?

Recebemos muitas sugestões dos nossos apoiadores. Muitos projetos que eu apresento são a partir de sugestões das pessoas. Eu não tenho uma programação do que que vai ser apresentado, porque à medida em que vão chegando as propostas, vamos analisando. Minha equipe jurídica avalia o que é viável e eu sempre faço o possível para atender aos pedidos que chegam até mim. E chega bastante coisa.

*Em nota, Carla Zanella informou que o curso Nós Estamos Juntas ainda não tem data de lançamento e será voltado ao combate à violência contra a mulher, ajudando a identificar relacionamentos abusivos e ensinando como pedir ajuda. Além disso, o curso Intérpretes Brasileiras: História Brasileira, uma Leitura pelo Feminismo Negro, também será relançado em breve.