Projeto comunitário visa transformar um terreno degradado em um parque ecológico, geossítio e museu baldio

No coração de oito loteamentos, no bairro Jardim Algarve, no município de Alvorada, está localizado o Parque da Solidariedade. O terreno, por enquanto ainda uma área degradada, é foco de um projeto comunitário de recuperação ambiental realizado através da ciência, cultura, mutirões de limpeza, plantio e demais diretrizes do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD).

Antes e depois da limpeza do Parque da Solidariedade. (Foto: Reprodução do Blog do Parque da Solidariedade)

De acordo com um estudo sobre o fragmento florestal e rios conectados ao parque, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia do Instituto de Biociências da UFRGS, a região apresenta descuidos com a natureza local, composta por uma diversidade de 54 espécies de avifauna e 71 espécies arbóreas.

O parque é habitado por muitas espécies de avifauna e arbóreas. (Foto: Reprodução do Blog do Parque da Solidariedade)

Segundo Marcelo Chardosim, ativista ambiental, pesquisador, produtor cultural e representante do projeto, a iniciativa teve origem em 2015 e surgiu da ideia de realizar pesquisas, intervenções artísticas e trilhas em um ambiente que estava abandonado, poluído e degradado. “Aos poucos, os moradores foram se unindo e organizando mutirões de limpeza na área. A proposta busca qualidade de vida no bairro por meio da recuperação ambiental local, construindo um lugar melhor em Alvorada”, destaca.

No parque, são encontradas ravinas que são acidentes geográficos causados pela erosão da ação de córregos e enxurradas. (Foto: Reprodução do Blog do Parque da Solidariedade)

Para Maria Emília dos Santos, de 74 anos, que reside em um apartamento em frente a área do parque, o projeto traz mais qualidade de vida aos moradores da região. “No meu apartamento, nem preciso ligar o ventilador, pois essa área verde deixa tudo bem arejado e fresco. Além disso, temos contato com variadas espécies de pássaros que ficam no local”, relata.

A aposentada conta que desde que se mudou para lá, há quatro anos, tem participado ativamente das ações promovidas pelo projeto. “Sempre que tem fiscalização da prefeitura ou quando realizam alguma manutenção, como cortar a grama ou pintar o meio-fio, eu gosto de acompanhar, pois é importante manter esse ambiente”, enfatiza.

A preservação da área verde promove o bem-estar dos moradores da região. (Foto: Reprodução do Instagram @parquedasolidariedade)

Resistência ambiental

Em 2020, as pesquisas e registros das ações realizadas no Parque da Solidariedade foram enviadas ao Ministério Público, que fez a identificação dos proprietários da área, a Habitasul, empresa que realiza projetos urbanísticos no Bairro Porto Verde, em Alvorada. Com isso, o grupo foi intimado a realizar a recuperação ambiental do local, prevista para ter início em junho deste ano. 

O PRAD é elaborado com base em estudos detalhados do ambiente degradado, levando em consideração aspectos como o tipo de degradação, a extensão dos danos causados, as características do solo e da vegetação local, entre outros fatores. “Com essas informações, são propostas medidas e técnicas adequadas para promover a recuperação e a reabilitação do ecossistema afetado”, explica o ativista ambiental Marcelo Chardosim.  

Atualmente, após o projeto Parque da Solidariedade ser processado pela empresa por esbulho (usurpação de propriedade), turbação (desordem) e ameaça, a população tem acesso apenas à área verde que foi transferida para a Prefeitura de Alvorada. “Na área passa um curso do Arroio Feijó. É uma floresta intacta que só precisa ser preservada e melhorados os acessos, calçadas e cercamento para proteção”, explica Marcelo. 

Na parte pertencente à Habitasul, onde o MP aguarda o Plano de Recuperação Ambiental da Área, o acesso não é permitido. Em nota à Beta Redação, a Habitasul informa que o projeto está em fase de planejamento e que oportunamente a empresa divulgará de forma ampla como será a sua execução. 

Desde 2020, o parque luta na Justiça pela recuperação ambiental do local. (Foto: Reprodução do Blog do Parque da Solidariedade)


Marcelo alerta que, devido à falta de acesso total ao local, o terreno enfrenta uma série de impactos ambientais, incluindo a degradação do solo, o assoreamento de rios e cursos d’água, a perda de terras produtivas, incêndios e, até mesmo, ameaças à segurança pessoal dos moradores. “As voçorocas, fenômenos geológicos que formam grandes buracos de erosão causados pela água da chuva onde a vegetação não protege mais o solo, representam um perigo direto para as pessoas que vivem ou transitam nas áreas afetadas. O desmoronamento de bordas instáveis de voçorocas pode resultar em acidentes graves e lesões”, esclarece.

Arte e preservação 

Com uma lista de cerca de 200 pessoas que já contribuíram diretamente para o projeto, o Parque da Solidariedade se tornou um ponto de encontro para pessoas envolvidas em diversas áreas, como cultura, agroecologia, biologia, geografia e arte. A artista e cineasta Cristyelen Ambrozio cresceu no bairro Jardim Algarve e tem familiaridade com o local do parque desde a infância. “O transporte coletivo da cidade sempre foi muito precário, por conta disso minha família e eu tínhamos o hábito de atravessar o terreno como forma de atalho para chegar à casa da minha vó, já que o que separa os dois bairros é justamente a extensão do parque. Naquela época não era um projeto de parque, era só um terreno abandonado”, conta.

Para Cristyelen Ambrozio, o Parque da Solidariedade despertou o sentimento de pertencimento enquanto cidadã na luta por ambientes culturais e verdes na região metropolitana. (Foto: Arquivo pessoal/Cristyelen Ambrozio)

O envolvimento afetivo da cineasta com o Parque da Solidariedade também é artístico, através do Museu Baldio, um compilado de ideias, memórias e produções culturais que acontecem tanto no parque como em outros territórios de Alvorada e de demais cidades gaúchas. “O Museu Baldio foi praticamente um laboratório para práticas audiovisuais, onde me desenvolvi enquanto artista e cineasta independente, explorando a beleza cinematográfica de um terreno degradado.” A artista realizou uma videoarte chamada “o parque é um organismo vivo” que foi exibida na exposição coletiva do Museu Baldio na CCMQ (2021) e no Cine Jardim do 7º Festival Kino Beat (2021). 

A arte é utilizada como forma de valorização do local (Foto: Reprodução do Blog do Parque da Solidariedade)

O representante do Parque, Marcelo, destaca que o Museu Baldio e o Parque da Solidariedade apresentam tantas coisas em comum que às vezes parecem ser a mesma coisa. “O Parque precisa ser mais técnico, seguir as regras, documentos, leis, políticas, burocracias etc. O Museu é mais livre, espontâneo, sensível, poético, educativo, formador. Ambos se cruzam naturalmente”, afirma. 

Fique por dentro da iniciativa

As redes sociais são o principal meio de divulgação das ações do projeto. (Foto: Reprodução do Blog do Parque da Solidariedade)

De acordo com Marcelo, o Instagram é um instrumento muito funcional para a divulgação das lutas cotidianas do projeto. “Conseguimos pressionar muitas coisas que deram resultados através da rede social. Ali também compartilhamos e atualizamos sobre os projetos, bem como convocamos para participação das ações”, avisa. 

Para quem deseja conhecer, apoiar e acompanhar as ações, basta seguir os projetos no Instagram: @parquedasolidariedade e @museubaldio