Cientista político responde às questões de estudantes da Unisinos

No ano em que o Golpe Militar completa 60 anos, a Beta Redação quis entender o que os alunos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) gostariam de saber a respeito do período da Ditadura no Brasil. Para responder aos questionamentos, a reportagem convidou o cientista político Benedito Tadeu César.

Natural de Rio Claro, no interior paulista, César é Doutor em Ciências Sociais e foi professor da Universidade Federal do RS (UFRGS). Trabalhou na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e hoje é diretor executivo da Rede Estação Democracia (RED), veículo de comunicação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, entidade sem fins lucrativos que atua desde 2016 em defesa dos direitos humanos, da inclusão social e do respeito à diversidade e à natureza.

Benedito Tadeu César, 70 anos, problematizou três grandes
questões trazidas por estudantes universitários. Foto: Beta Redação.

Como a Ditadura começou?

A resposta da questão feita pelo aluno do curso de Engenharia Civil, Endryws Berezuschy, motiva a explicação de todo um cenário político mais amplo.

O golpe começa muito antes, motivado por uma sequência de eventos e por uma concepção interna das próprias forças armadas: a de que elas são tutores da nação. A república brasileira, fruto também de um golpe militar que destituiu o imperador, é um exemplo deste pensamento, que até hoje leva os militares a se colocarem como um poder moderador que estaria acima das ideologias. Ocorre uma leitura descabida do artigo 142 da Constituição, de que cabe às forças armadas impor a lei e a ordem quando as instituições estão em crise. Mas, então, desde o começo da república, tivemos uma série de presidentes militares, uma sequência de civis, e ocorrem os levantes dos tenentes na década de 1920, a Coluna Prestes na década de 30, a revolução em 1930 e o Estado Novo de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, que é mantido e retirado do poder também pelos militares. Juscelino Kubitschek, que presidiu o país entre 1956 e 1961, precisou do ministro da guerra Henrique Teixeira Lott e sua força naval na baía de Guanabara para assegurar sua posse, devido ao movimento da União Democrática Nacional (UDN). Ao longo do governo de JK tivemos, pelo menos, mais dois levantes da aeronáutica.

Na sequência, Jânio Quadros é eleito, fica sete meses na presidência, e então renuncia, dando início a uma grande crise política. Os militares não queriam permitir que assumisse o vice-presidente João Goulart, que era também presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e o golpe quase ocorre já em 1961. Mas Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul e cunhado de João Goulart, se contrapôs e organizou o Movimento da Legalidade, que quase fez com que a Praça da Matriz, em Porto Alegre, fosse bombardeada. Depois do episódio de resistência que envolveu lideranças políticas, sindicais, estudantis e militares, foi aprovada uma emenda parlamentarista que vigoraria até o plebiscito de 1963, quando a população volta a escolher o presidencialismo. 

Ou seja, a Ditadura Militar no Brasil é resultado de uma sequência de golpes – que parecem ainda não ter teminado. Tivemos 21 anos de Ditadura – que quando se instaurou dizia ser momentânea, só para restabelecer a ordem e afastar o perigo do comunismo -, um discurso que ouvimos até hoje. Mas ela efetivamente se instaurou no Brasil após o anúncio das reformas de base de João Goulart, acompanhada de uma série de comícios realizados pelo presidente, que motivaram a deposição de Jango em 1964. Os militares se comprometeram a convocar eleições ao final do ano seguinte, mas antes lançam o Ato Institucional no. 2 (AI-2), que acaba com os partidos políticos. Mais adiante, em 1968, podemos dizer que ocorre um golpe dentro do golpe que é o Ato Institucional no.5 (AI-5), e aí as coisas ficam muito mais difíceis porque ele permite prisão sem mandato e inicia a escalada de repressão.

Existia mesmo a intenção de um governo provisório?

A pergunta da estudante do curso de Letras, Gabriela Souza, questiona se o Golpe Militar realmente acabou tomando proporções maiores ou se “sempre foi o que queria ter sido”, como pontua a universitária.

Ao que tudo indica, o movimento foi planejado para ser perene, pois percebe-se uma preparação para o Golpe. Primeiro, para vencer as eleições de 1960, Jânio Quadros teve o apoio do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que era encabeçado pelo general Golbery do Couto e Silva e que recebia muito dinheiro norte-americano para financiar candidatos conservadores. Mas, ainda assim, não tiraram a maioria do PTB, e assim criou-se uma oposição forte. Depois, teve todo um trabalho de opinião pública junto à imprensa e aos Diários Associados, que era o grande conglomerado de veículos do grupo Chateaubriand, que em Porto Alegre viria antes do jornal Zero Hora. E aí ocorreu um trabalho muito parecido com o que foi feito durante a Operação Lava Jato com os grandes veículos de comunicação, para os quais se dizia que o governo era ruim e que o comunismo estava chegando. Hoje sabe-se que a aprovação do governo de João Goulart era superior a 60%, mas criou-se uma atmosfera de que o povo estaria contra Jango, culminando em passeatas no Rio de Janeiro e em São Paulo, que eram as Marchas da Família com Deus pela Liberdade.

Como foi fazer arte, cultura e ciência durante a Ditadura?

A questão de Vinícius Silva, do curso de Ciências Biológicas, é respondida a partir de memórias muito pessoais do professor Benedito Tadeu César.

A repressão se deu em todos os níveis: aos trabalhadores, sindicatos, políticos, partidos e até integrantes do Supremo Tribunal Federal. Depois, aos estudantes, intelectuais e artistas. Na academia, muita gente foi perseguida. Um exemplo é Fernando Henrique Cardoso, que tinha começado a dar aula na universidade e foi “aposentado” pelo golpe, assim como o físico Mário Schenberg. Muita gente saiu do país. O cinema foi censurado. Antes da Ditadura, tivemos o cinema novo que influenciou o cinema mundial! Na minha cidade tinha um movimento teatral amador muito forte e muitos jovens faziam teatro. Nós alugamos um barracão de uma antiga fábrica abandonada e fizemos a reforma. Tínhamos a ilusão de que íamos conscientizar – um termo bem comum na época, usado para diferenciar os alienados e os conscientes. Só que para fazer teatro na época, o texto e a montagem tinham que ser submetidos a um censor, às custas de quem produzia a peça. Pagava-se o envio do texto e depois pagava a vinda do censor, tinha que hospedá-lo e só com o alvará dele podíamos nos apresentar.

Finalizo com uma dica de livro que eu recomendo para todo mundo, ele chama Os Artigos Federalistas. É uma reunião de textos que foram publicados no New York Times por um grupo de constitucionalistas norte-americanos. Ele afirma que se um poder não limitar o outro, aí você tem uma ditadura.