Criado em 2007, pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado em 2 de abril, tem com o intuito dar visibilidade e conscientizar as pessoas sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Com isso, durante todo o mês de abril, acontecem campanhas que buscam promover debates sobre a condição e formas de inclusão de pessoas autistas na sociedade.   

Infelizmente no Brasil ainda não existem estatísticas oficiais referentes à população autista, mas é possível usar como parâmetro para o que está acontecendo no país os números do último levantamento feito pelo órgão de saúde americano Centers for Disease Control and Prevention (CDC), realizado em 2020, e publicado no ano passado, o qual aponta que uma em cada 36 crianças nos Estados Unidos fazem parte do espectro.  


O espectro autista 

Segundo a neurologista Marta Hemb, membra do Serviço de Neurologia Infantil do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre e do Hospital Albert Einsten em São Paulo, o diagnóstico de TEA na infância/adolescência é feito através de uma avaliação clínica, que pode ser realizada por profissionais da saúde como pediatra, neuropediatra ou psiquiatra. A doutora explica que para se ter um diagnóstico fechado é necessário cumprir os critérios estabelecidos tanto pelo Código Internacional de Doenças (Cid) quanto pelo Manual de Doenças Mentais (DSM), que são os órgãos responsáveis por estabelecerem os critérios dessa análise. 

Em relação aos níveis e às suas diferenças dentro do espectro, Marta conta que atualmente é utilizada a classificação “Grau de Suportes”, dividida em três graus.  

“No grau um, são pessoas que não precisam de suporte para nada, que conseguem ter uma independência nas atividades de vida diária. No grau dois, são aquelas que ainda precisam de ajuda para alguma coisa, por exemplo, elas já falam, mas ainda não estão desfraldadas ou que precisam de ajuda com algo apesar da idade já ser mais avançada. No grau três, são os mais comprometidos, que precisam de ajuda praticamente para tudo, normalmente são não verbais/não orais e não conseguem fazer nada com independência”, afirma.  

A neurologista Marta Hemb com dois pacientes durante uma consulta em seu consultório particular (Foto: Marta Hemb/Arquivo Pessoal) 

De acordo com a médica, a forma como o autismo pode afetar o desenvolvimento da criança é variável. “Quanto menor o grau de suporte da criança, menos é afetado, quanto maior o grau de suporte, mais a afeta. Mas, mesmo no nível um, a gente tem grandes questões, especialmente, no âmbito social e no socioemocional que afetam o desenvolvimento das crianças”, destaca Marta. 


A descoberta e a importância do diagnóstico 

A vendedora Lidiane Soares Costa, mãe do Antony, de sete, desde os seus dois anos de idade já suspeitava que o filho tinha algo diferente das outras crianças, por ele não falar como as outras. Mas foi apenas no ano passado, quando ele já tinha sete, que foi possível investigar o caso com um neuropediatra e receberam a notícia do diagnóstico de TEA e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade).   

“Para nós foi na verdade um alívio em saber o que realmente ele tem, pois no fundo já sabíamos que nosso filho era especial e foi muito importante para poder direcionar as terapias necessárias o quanto antes, com o objetivo de ele se desenvolver e entender todo esse processo”, ressalta Lidiane. 

Lidiane Soares Costa com o filho Antony e o pai Leandro Renato Motta Pereira
(Foto: Lidiane Soares Costa/Arquivo Pessoal) 


Para a família do menino Arthur Rodrigues Herold, de 11 anos, as suspeitas começaram quando ele tinha apenas um ano e meio e ainda não falava. A mãe Cristiane Rodrigues Herold conta que o processo de descoberta do TEA levou cerca de um ano, sendo preciso passar por três neurologistas e uma psicóloga, para enfim receber o diagnóstico final: nível dois com intervenção precoce, aos três anos de idade. “Durante esse período de investigação, começamos a perceber mais o Arthur, a ver coisas e saber de coisas, principalmente, que aconteciam na escola, que a gente não sabia”, aponta. 

 Cristiane ainda relata que ao receberem a notícia da possibilidade de o filho ser autista, ela nem sabia o que era o TEA. “Se a gente não tivesse o diagnóstico, ele ia sofrer muito mais com aquelas situações. Então, foi muito importante para nós como família, como pais e cuidadores, para saber o que fazer e entender um pouco o porquê daqueles comportamentos e reações. O quanto antes se tem acesso ao laudo, é um pouco menos difícil”, destaca. 

Arthur com a mãe, Cristiane, que é técnica de pesquisa, formada em Relações Públicas e trabalha na Agência de Comunicação Experimental da Unisinos – Agexcom (Foto: Cristiane Rodrigues Herold/Arquivo Pessoal) 

As terapias como ferramentas   

Para Marta Hemb, os maiores desafios para pessoas autistas e de quem convive com elas é a sua inserção no âmbito social. De acordo com a médica, o autismo não possui um tratamento, pois não é uma doença, e sim, uma condição, um transtorno do neurodesenvolvimento. 

Desse modo, segundo a neurologista, é possível realizar uma série de terapias. “Existem várias modalidades de terapia, que incluem desde a fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, até as terapias comportamentais, por exemplo, musicoterapia e psicomotricidade. Já a prescrição vai depender do que o paciente apresenta e das suas necessidades”, explica. Marta também conta que em alguns casos é possível utilizar de medicações para tratar sintomas específicos, como quando as crianças são mais disruptivas, ou seja, são mais agitadas ou mais rígidas. 

Cristiane relata que Arthur já passou por várias modalidades de terapia, começando com as mais tradicionais, como fonoaudiologia e terapia ocupacional, mas que com o tempo vão trocando, porque algumas dão certo e outras não. “Em algumas ele cria um vínculo muito bom, com o terapeuta conseguindo um desenvolvimento bacana, e em outras não. Então, não adianta a gente insistir, quando tem situações em que ele está há tempo com um determinado especialista e já não sai mais do lugar”, destaca. 

Ela ainda conta que, atualmente, estão passando pela fase desafiadora da pré-adolescência, na qual Arthur apresenta mais resistência para fazer as atividades, mas, mesmo assim, ele gosta muito de fazer as terapias. “Hoje ele faz acompanhamento com neurologista a cada seis meses por conta das medicações, além de psicomotricidade, hidroterapia e musicoterapia. Em todas as três, ele se sente muito também, mas adora principalmente a musicoterapia, por amar instrumentos musicais”, revela Cristiane. 

Quanto ao Antony, Lidiane aponta que ele faz sessões de terapia com uma psicóloga, uma psicopedagoga, além de terapia ocupacional, conforme solicitado pela neuropediatra. “Na maioria das vezes ele gosta, mas depende muito de como ele está no dia. Se ele não gosta de alguma atividade acaba não fazendo, por achar chato, mas em geral ele gosta”, comenta. 


Uma rotina padronizada  

Por conta de recomendações médicas, Lidiane diz ser crucial que o filho tenha uma rotina toda programada. “Ele acorda todo dia no mesmo horário e se deita no mesmo horário. Escola, banho, temas e brincadeiras, todas em rotina, para que ele possa se desenvolver melhor, pois para os autistas a rotina é essencial para o desenvolvimento”, ressalta. 

Na questão de adaptação escolar, ela relata que Antony está se adaptando bem. Segundo Lidiane, na Escola São Francisco Pallott, local onde ele estuda, a família pode contar com o apoio de todos os profissionais necessários para acompanhamento do TEA. “Por ter outro colega que também é autista na sala de aula, ele se sente mais seguro”, afirma. 

A rotina de Arthur também é regrada, mas Cristiane conta que tenta não deixar muito fixa para evitar que ele tenha crises de ansiedade. “Pela manhã ele vai para escola, depois vai para casa almoçar. À tarde ele fica com o meu marido, que tem redução de carga horária, então é ele que acompanha o Arthur em todas as terapias e sai com ele todas as segundas e sextas para ir ao mercado, comer um crepe ou algo do tipo. Quando chego em casa, é o nosso momento pedagógico para fazer os temas. À noite, temos a hora do banho, da janta, de leitura, ouvir música e, então, ele vai dormir”, relata. 

Arthur realizando um tema de uma forma diferente da sua rotina usual, no pátio de casa e utilizando um tablet, junto de sua mãe (Foto: Cristiane Rodrigues Herold/Arquivo Pessoal)  

No sexto ano, Arthur vai à escola regularmente, tendo um horário reduzido de três horas de aula. Segundo Cristiane, os períodos de adaptação escolar sempre são complicados, porque qualquer mudança o faz se sentir desorganizado. Porém, ela aponta que a Escola Municipal de Ensino Fundamental Emílio Meyer busca dar todo apoio necessário. “Ele tem um monitor em sala de aula, um professor que acompanha ele, além de ter uma sala de recursos onde a professora de atendimento educacional especializado faz um outro tipo de intervenção com ele.” 

Cristiane conta que a escola até colocou uma mesa com recursos pedagógicos e lúdicos no pátio, para quando ele e outros alunos autistas, que também não conseguem ficar muito tempo em sala de aula, possam descer para o pátio e fazer alguma atividade de lá. “Ela não é uma escola inclusiva, mas é uma escola aberta à inclusão e que está caminhando nesse processo de acolhimento, pois ela tem uma participação muito boa com as famílias”, ressalta.  


Momentos de crise e desafios 

Entre os desafios que enfrentam no dia a dia, Lidiane aponta que o principal é em relação à aceitação da sociedade. “A maioria dos lugares não tem uma preparação especial para o TEA. Então, quando ele tem crises em locais em público, muitas vezes não conseguimos ter controle e acalmá-lo.” 

Para Cristiane, cada fase é uma fase. Atualmente, na pré-adolescência, uma das principais dificuldades destacadas por ela é a comunicação, pois Arthur tem uma oralidade muito baixa. “Ele fala pouco. A gente também não consegue ter uma comunicação efetiva, sendo assim é um desafio grande.” Outros desafios citados por ela são: o julgamento das pessoas por estar em filas prioritárias à medida que Arthur está mais velho e idas ao médico ou lugares movimentados, porque acabam aumentando a ansiedade dele e desencadeando crises mais fortes.    

Nos momentos de crise, Lidiane conta depender muito de qual situação em que Antony se encontra. “Nós sempre paramos e tentamos confortar ele, aos poucos ele vai conseguindo se acalmar. Às vezes é rápido e em outras, pode demorar muito, depende de qual situação ele está enfrentando.”

Segundo Cristiane, as crises do Arthur estão mais intensas. Por já perceber o que as desencadeia e saber que não tem muito o que fazer, o importante é deixar as crises passarem. “Ele entrou em crise, tem que deixar passar. O que nós cuidamos é para que ele não se machuque, não quebre alguma coisa, mas, ultimamente, tentamos afastar ele do ambiente que está deixando-o em crise, tiramos o foco dele daquela situação”, explica.  

Ela relata que, na maioria das vezes, ele mesmo já vai para o quarto tentar se acalmar. “Ele chora, grita, até que se acalma. Essas crises podem durar de cinco minutos até uma hora.” 


Rede de apoio e amor incondicional  

Buscando ajudar outras mães que passam por situações parecidas ou que recém tenham recebido a notícia de diagnóstico de TEA e estão ainda descobrindo como lidar com essa nova rotina, aqui vão algumas dicas das mamães citadas nesta reportagem.  

Lidiane diz que a principal dica é dar amor e não se cobrar tanto:  

“Minha dica para nós, mães atípicas, é que cada dia é um aprendizado e vamos construindo um dia de cada vez, tentando, principalmente, entender e ajudar nossos filhos em cada situação que se deparam. Tudo é muito instável, não temos controle sobre nada, mas temos muito amor e dedicação para eles. Assista a vídeos de mães atípicas e tente sempre pegar um pouco de cada aprendizado, pois somos um só time. O amor é o principal remédio para nossos filhos e isso eles sentem todos os dias”. 

Cristiane destaca que é fundamental encontrar uma rede apoio:  

“É muito difícil a gente ter apoio, principalmente, da família, porque as pessoas têm medo daquilo que não conhecem. Elas têm esse medo, preconceito, e acaba que a gente fica sem rede de apoio, sem ajuda, sem nada. Então, procure um grupo de apoio. Eu comecei a fazer parte de um grupo de mães de autistas quando recebi o diagnóstico do Arthur, isso me ajudou muito e ainda me ajuda até hoje, porque a gente faz encontros e vai se auxiliando”. 

Outra dica de Cristiane é sempre olhar para a criança antes de olhar para o autismo em si, buscando entender o que ela precisa e por que ela está agindo de tal forma, além de estudar e ler muito para não ficar refém de uma teoria só. Por fim, ela ressalta a importância de procurar cuidar da própria saúde mental. “A gente fica procurando terapia só para os filhos, só que, às vezes, a gente também precisa de um apoio, porque muito do que eles fazem é reflexo do que a gente está passando para eles. Então, sempre que possível, busque uma ajuda para cuidar da sua saúde mental.”