Sandro Dias fala como quem não tem pressa. As palavras saem medidas, o olhar se mantém firme. Um dia após descer a maior rampa de skate do mundo, ele chegou à entrevista coletiva no Instituto Caldeira, em Porto Alegre, como se nada de extraordinário tivesse acontecido. Cumprimentou todos com felicidade, trocou risadas e se sentou no centro da sala com a tranquilidade de quem aprendeu que o verdadeiro equilíbrio está além do shape do skate.
Na quinta-feira, 25 de setembro de 2025, Sandro — o Mineirinho — entrou para o Guinness Book ao descer 65 metros na fachada do prédio do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), em Porto Alegre. Um salto histórico que levou o nome do Brasil e do skate a um novo patamar. Mas quem o viu ali, no dia seguinte, não encontrou um homem em êxtase: encontrou alguém sereno, consciente e, sobretudo, humano.
“Foi um projeto meio maluco, mas consciente”, disse, com um sorriso contido. As mãos gesticulavam pouco, o tom de voz permanecia constante. Ele não é de falar demais — é de inspirar.
De Santo André para o mundo
Nascido em 18 de abril de 1975, em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, Sandro começou a andar de skate aos 10 anos, que, a propósito, era emprestado de um amigo. O que começou como brincadeira logo virou paixão, e depois, profissão. Com 15 anos, já participava de competições amadoras e chamava atenção pela combinação de técnica e coragem.
O apelido “Mineirinho” veio ainda na infância. O pai, natural de Minas Gerais, inspirou o apelido que se espalhou nas pistas e nunca mais saiu. Aos 20 anos, Sandro já era profissional e começava a competir internacionalmente.
Foi no skate vertical, modalidade que exige equilíbrio e força em rampas com até quatro metros de altura, que ele construiu sua reputação. Tornou-se hexacampeão mundial, tricampeão europeu e medalhista de ouro nos X Games de Los Angeles. Em 2004, entrou definitivamente para a história ao se tornar o terceiro skatista do mundo a acertar a manobra 900°, duas voltas e meia completas no ar. Foi também o primeiro a fazê-la em uma linha de competição, algo até então considerado impossível.
Com o tempo, Sandro passou a ser chamado de “Rei do 540°”, em referência à manobra que executava com perfeição quase mecânica. No entanto, ele nunca se limitou aos títulos. O skate, para ele, sempre foi mais sobre o movimento do que sobre o pódio.
A origem de um sonho
O projeto do CAFF, ele contou, começou muito antes. Em algum ponto dos anos 1980, quando veio a Novo Hamburgo disputar um campeonato amador, passou em frente ao prédio que hoje virou rampa e pensou, como tantos meninos pensariam: “imagina andar de skate ali”. Décadas depois, ao apresentar uma proposta à Red Bull, a lembrança voltou. “Na hora, todo mundo achou que era loucura”, relembrou, entre risos.
O que parecia delírio virou projeto. E o projeto, recorde. Mas nada foi simples. O prédio precisava de reformas, as condições técnicas eram extremas e o risco era real. “Teve gente que disse que eu podia morrer.” Mesmo assim, ele insistiu.
Por mais de três anos, Sandro se preparou fisicamente, tecnicamente e psicologicamente para o desafio. Acostumado a acreditar que o skate por si só mantinha o corpo em forma, descobriu, dessa vez, o valor da disciplina fora da pista. “O ideal ainda era um experimento”, brincou, com o riso de quem entende que o improvável também pode ser planejado.
O homem por trás da lenda
O jeito tranquilo de Sandro contrastava com o tamanho do que ele tinha acabado de fazer. Vestia roupas simples, o boné habitual e um ar de quem prefere o essencial. Ele não tenta impressionar, e talvez seja isso que mais impressiona.
Entre uma resposta e outra, olhava para a imprensa como quem conversa, não como quem dá uma coletiva. Seu tom é humilde, quase tímido, mas a presença é firme. Há uma energia tranquila, a mesma que talvez o tenha mantido estável a 65 metros de altura.
Ele não se coloca como herói. Ao contrário, fala sobre medo, aprendizado e paciência como partes naturais da vida de quem escolhe o skate. “Eu continuo aprendendo”, disse, sorrindo.
Mais do que um recorde, a descida foi também uma forma de validação, não dos números, mas do reconhecimento dentro da própria comunidade do skate. Sandro contou que se sentiu validado pelos outros skatistas, algo que para ele tem um peso maior do que qualquer medalha. “Não queria que parecesse autopromoção. O foco sempre foi o skate, o movimento, o que ele representa pra gente”, explicou. Manter-se fiel às origens, sem se afastar da essência das pistas e das pessoas que o formaram, foi o que deu sentido ao feito.
Aos 50 anos, Sandro mostra que a longevidade no esporte não se mede em velocidade ou saltos, mas em consistência. “Eu nunca pensei em parar”, contou. “O skate me ensinou tudo: cair, levantar e tentar de novo.”
O legado do que permanece
O feito no CAFF foi mais do que um número no livro dos recordes. Como contrapartida, a Red Bull irá revitalizar pistas e construir novas rampas de skate no Rio Grande do Sul, multiplicando a herança do projeto em novas gerações.
Mas, na fala de Sandro, o tema não aparece como autopromoção. Ele prefere falar da emoção da descida, da equipe, do frio na barriga antes do primeiro drop. E a sensação de ver, lá do alto, o sonho de um garoto de Santo André finalmente deslizando no concreto de Porto Alegre.
Ao final da entrevista, posou para fotos, respondeu perguntas e saiu como entrou. Só ele, o skatista que continua sendo, acima de tudo, uma pessoa comum. E talvez esteja aí o segredo do Mineirinho: alguém que desafia o impossível sem precisar parecer herói.
