Matheus Gomes é deputado estadual do Rio Grande do Sul, tem 32 anos, é do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), fundado em 2004, e faz parte da Bancada Negra da Assembleia Legislativa. “Desde que a Bancada Negra surgiu, os índices de denúncia de violência racial no Rio Grande do Sul subiram, exponencialmente”, ressalta Gomes.  

Além disso, o político é mestre em História, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nas eleições de 2022, foi o 5º deputado mais votado, com 82.401 votos, sendo que a sua maior votação foi na cidade onde nasceu, a capital gaúcha: 51.981 votos.  Uma das suas lutas é o combate à violência do Estado contra as pessoas. “Já fui criminalizado, inclusive pelo próprio Estado, por conta da minha atividade política”, destaca.

Em entrevista realizada no dia 17 de abril de 2024, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o deputado estadual comenta sobre a sua história, os motivos que o levaram a seguir com o trabalho em meio à política e as suas lutas. Atualmente, ele é político mais jovem na Assembleia Legislativa. “Sei da responsabilidade que a gente tem aqui, que é desenvolver uma nova tradição política, de ter representação negra, periférica, popular”, afirma Gomes. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Deputado, para começar, você foi da primeira turma de cotistas a ingressar na UFRGS. O que te levou a escolher estudar História? 

Eu entrei primeiro no curso de Ciências Sociais em 2009 e depois mudei para História, em 2010. O que me levou a ingressar no curso foi a vontade de trabalhar com educação. Eu tinha muito interesse em ser professor, em atuar na área, e a disciplina de História sempre foi a minha matéria preferida. Esse vínculo é impossível não relacionar também com a política. Na época eu já era militante, desde o ensino médio. Então, era algo que me despertava curiosidade e vontade. 

Recentemente você deu uma entrevista também para o curso de História da UFRGS. Qual foi a sensação de voltar para o curso agora sendo entrevistado? 

Foi legal, até porque era um projeto de trajetórias, de egressos notáveis, de pessoas que alcançaram esse reconhecimento público. Algo que não é comum, estudante com a minha origem social, negro, também com uma trajetória política ligada a novos movimentos, que estão hoje alcançando representação institucional. Fiquei muito feliz, foi algo que eu fiz com bastante gosto.   

E que lembranças você tem daquela época, quando entrou no curso de História? 

Muita coisa, porque eu era muito jovem. Entrei com 17 anos na universidade. Eu tenho boas lembranças, tanto pelo meu amadurecimento individual, de tudo que eu pude conhecer do ponto de vista acadêmico, de pesquisa, do ambiente político também, que a universidade é inserida. Dentro disso, óbvio que tem contradições, tem situações que a gente não precisava ter passado, mas no geral a minha lembrança é muito boa, eu gosto muito de lembrar desse momento, de reviver ele sempre. 

Em que que momento você começou a perceber as palavras racistas que tem no hino do Rio Grande do Sul? Como é ter que escutar esse hino frequentemente no meio político?  

Eu comecei a despertar para esse tema entre 2011 e 2012, foi quando ele chegou até mim. Me apresentaram a frase: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. A partir disso, eu fui descobrindo todo o acúmulo do movimento negro do Rio Grande do Sul sobre esse tema, pesquisadores, poetas, artistas que faziam esse questionamento, e resolvi abraçar essa ideia porque ela faz muito sentido com o que é a estrutura do nosso Estado, o passado e o presente também. E, para falar a verdade, o hino não toca muito frequentemente aqui. Depois que a gente entrou, até tem algumas cerimônias em que ele não foi reproduzido. Eles não divulgam isso, mas estão fazendo já. Sempre que toca, eu faço o meu protesto. É meu direito enquanto cidadão parlamentar. Já teve momentos em que fazer o protesto com relação ao hino, em um ambiente como a Assembleia, faz com que a gente se sinta um pouco acuado, visto que fica ali uma minoria fazendo, mas eu aprendi a lidar com isso.  

De que forma são feitos esses protestos?

A gente permanece sentado. Isso iniciou na UFRGS. No ano que eu me formei, em 2018, o hino deixou de ser executado em cerimônias oficiais da universidade. Foi uma vitória que nós tivemos. Não é algo comum – em outros lugares do Brasil, não se executa o hino nacional, não é algo que tem de obrigatoriedade -, e como há esse reconhecimento do ponto de vista acadêmico, de uma série de pesquisas que comprovam, os aspectos que nós denunciamos, sobre, principalmente, a Guerra dos Farrapos, a maneira em que negros foram tratados naquele período, foi importante a faculdade começar por esse reconhecimento.

Foi lá que eu li, pela primeira vez, a carta que foi trocada entre os farrapos e as tropas imperiais para orquestrar o massacre de Porongos. É um documento histórico, está disponível no arquivo público. O professor apresentou a carta, nas disciplinas de História do Rio Grande do Sul. Foi lá que a gente começou, e eu espero que ele ainda culmine no movimento de modificação daquela estrofe, para ter uma inclusão maior da população negra na cultura gaúcha. 

Vocês têm o apoio de outras pessoas?  

Tem parlamentares solidários na nossa pauta, mas ainda é um processo tímido, no meu ver. Por exemplo, o tema do hino é uma pauta que está no âmbito da disputa de memória, cultura, história. Enfim, poucos parlamentares brancos, dois, três no máximo, ficam sentados. Tem mais parlamentares que dizem que concordam conosco, mas não tomam a atitude. Têm medo de ter que explicar para os seus eleitores e para a sociedade por que estão fazendo isso. Então, ainda há um apoio muito tímido nesse sentido. 

Matheus, parte da tua trajetória tem um envolvimento com movimentos estudantis. De que forma esse fato ajudou na sua escolha de entrar na política?   

Eu já era militante do movimento estudantil. O movimento negro, antes de entrar na universidade, eu comecei ainda no ensino médio e eu tinha na minha família também uma tradição de militância, de esquerda. Isso foi sempre parte da minha educação política e começar ali foi importante, porque me ajudou a dar outro significado para as vivências que eu tinha como jovem. Então, trabalhar alguns valores, que hoje estão mais difíceis na sociedade, de coletividade, de solidariedade, de abrir a cabeça para as situações de opressão – no caso da relação com as mulheres, com a comunidade LGBTQIA+, com a própria negritude, no geral.

Ser uma pessoa negra também é um processo de te entender dessa forma, de reconhecer violências que tu mesmo viveu e que, às vezes, tu reproduzia com outras pessoas. A militância certamente para minha época de jovem foi algo importante. Me deu um propósito, me deu um objetivo para vida.  

A militância ajudou a me localizar academicamente e profissionalmente também. Não digo de trabalhar com política, mas de entender as situações de violência. Eu no meu primeiro emprego já sofri racismo. Tenho, inclusive, mudanças a fazer nos lugares em que estou trabalhando.  

O Deputado afirma que os jovens têm o papel de cumprir um papel relevante na política, exigindo representação institucional e estar atento nas disputas do Parlamento (Foto: Equipe Matheus Gomes/Arquivo Pessoal)
Deputado na época que fazia parte do movimento estudantil (Foto: Equipe Matheus Gomes/Arquivo Pessoal)

Deputado, tu citou agora que no teu primeiro emprego tu já sofreu racismo. Poderia comentar um pouco sobre esse episódio? 

Trabalhava em uma empresa que fazia distribuição de tickets de transporte. Fui transferido de um setor, por conta do meu cabelo. Na época eu não tinha dread, eu tinha um cabelo black power. Naquele tempo, eu nem reagi, não manifestei muito no momento. Depois eu fui entender o que estava acontecendo.  

Foi uma situação bem ruim. Violência racial, infelizmente, é algo que a gente acaba vivenciando em vários lugares. Lutamos para que não seja mais o normal, mas em vários empregos que eu tive, eu vivi situações desse tipo. 

Tu foi o quinto deputado estadual mais votado nas eleições de 2022. De que maneira os jovens têm influência nesse número? 

Bastante, porque não há representação da juventude na política institucional à altura do que os jovens representam para a sociedade. A juventude é um fator da sociedade, do ponto de vista da força de trabalho, de quem movimenta a economia, de quem pressiona mais pelas mudanças culturais e sociais. Sempre foi assim ao longo da História. Quando tu olha para a política aqui, a média de idade está acima dos 40, 50 anos. Em geral são homens, brancos, que já estão nesse meio há muito tempo, apadrinhados por outros políticos. A juventude certamente apostou em ter uma representação política jovem, a qual fosse um reflexo também das suas próprias pautas. Eu sou o mais jovem hoje também da Assembleia, apesar de ter 32 anos, não me acho tão jovem assim. Mas procuro sempre estar conectado com a juventude também, com os mais novos do que eu. 

Como iniciou a Bancada Negra no meio político e qual a importância dela? 

Historicamente, começamos a ter no Rio Grande do Sul um equilíbrio entre o que sempre foi a presença negra na política e a falta de representação dessa presença na institucionalidade. Ou seja, no parlamento, no poder executivo. O Rio Grande do Sul produziu, por exemplo, o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra para o Brasil e para o mundo. Surgiu em Porto Alegre em 1971. E hoje é feriado nacional, em 2024, pela primeira vez na história. Mas isso nunca tinha sido reconhecido pelo próprio Estado. Então, é essa a contradição que eu acho que a gente está começando a resolver agora, de ter a presença negra aqui para trazer as demandas dos negros para os ambientes de poder.  

Não é algo que se resolve da noite para o dia, nem com o fim dos nossos mandatos. Estamos iniciando uma nova tradição política, é uma responsabilidade grande. Precisa ter a formação de outras lideranças negras para dar o engajamento aos demais segmentos da sociedade nessa pauta. Não só pessoas negras, parlamentares e políticos não negros também têm que abraçar a causa do combate ao racismo para que a gente possa desenvolver essa tradição política antirracista na Bancada Negra aqui dentro. 

Qual a importância e o significado do Dia da Consciência Negra ser considerado um feriado nacional agora no Rio Grande do Sul?

É um pagamento de uma dívida histórica conosco, porque a gente criou o Dia da Consciência Negra, mas já era feriado em 500 cidades do Brasil, menos aqui em Porto Alegre ou no próprio Rio Grande do Sul. O nosso Estado tem o maior percentual de população branca do Brasil e ao mesmo tempo teve um crescimento também de autodeclaração negra. Nós somos quase 22% do nosso estado. Isso é muito, mais de 2 milhões.

A luta antirracista e a própria ação parlamentar é um movimento de fiscalizar as atividades do estado e denunciar as situações também que estão em contrariedade à lei, aos direitos humanos e ambientais. Uma das maiores mudanças que estimulamos, desde que a bancada negra surgiu, é que os índices de denúncia de violência racial no Rio Grande do Sul subiram exponencialmente. Isso é produto da nossa chegada, porque uma coisa é tu denunciar uma situação de racismo, como a gente tinha antes de não ter representação política, e outra é tu fazer a denúncia sabendo que agora tem pessoas também que estão nos espaços de poder, dando ênfase à lei.

Quais são os principais projetos que você tem para a população negra que estão em andamento? 

Estou finalizando agora, inclusive, um trabalho que conduzi, de uma comissão temporária da Assembleia sobre a situação econômica da população negra no Rio Grande do Sul. A partir dela, pretendemos, nos próximos meses, apresentar vários projetos de lei para pegar nesse ponto central do combate ao racismo, a desigualdade econômica. Desde a escravidão, em que negros foram colocados nesse contexto por uma motivação econômica de acumulação primitiva de capital no Brasil e em todo o mundo e hoje continua sendo também. Vamos divulgar dados que mostram que uma mulher negra ganha 54% a menos do que um homem branco, em média, aqui no RS.  

Vamos propor políticas para ampliar a inserção de negras e negros no serviço público, qualificando o processo de reserva de vagas, políticas de empregabilidade antirracista, de combate ao racismo no local de trabalho, de manutenção de boas práticas também, para combater, por exemplo, situações de trabalho análogo à escravidão.   

Nós vamos propor que os bancos do estado do Rio Grande do Sul desenvolvam programas de aceleração da inclusão da comunidade negra também, seja dos que empreendem e de ambientes em que a população negra está concentrada e que precisam de investimento público, de fundos que possam ser aplicados para melhorar a qualidade de vida dessas comunidades.  

Recentemente, teve aquele caso do menino de 15 anos que morreu em um protesto. Gostaria que tu falasse de que forma os teus projetos de segurança podem auxiliar essas pessoas que acabam sofrendo racismo e morrendo, infelizmente

A situação do João Vitor foi muito difícil e bem complicada. A gente recebeu aqui a mãe dele, ajudamos a encaminhar o atendimento jurídico dela junto à Defensoria Pública, trouxemos também na Comissão de Direitos Humanos para fazer a denúncia do caso e a partir daí tentar convencermos deputados e as deputadas da necessidade de aprovar algumas medidas que a gente está dizendo que são urgentes.  

Nós, no ano passado, propusemos no orçamento do Rio Grande do Sul a inclusão de políticas de letramento racial, a partir de uma constatação do próprio Estado, que fez uma pesquisa com os policiais, e eles responderam que a cor de pele é o principal elemento que leva eles a fazer uma abordagem, ou seja, nós temos uma segurança pública que é ineficaz em vários aspectos porque é pautada por um elemento que não tem vínculo com a criminalidade.  

Foram os inventores do racismo genético, do racismo biológico, que falavam que o negro já tinha uma propensão genética à atividade criminal. Essa ideia já deveria ter sido banida, não existe nenhuma cientificidade nisso. Nós propusemos isso, o governo não aceitou, e a gente vai continuar lutando por esse tema. Ter política de formação sobre combate ao racismo dentro da Brigada Militar, letramento racial. Nesse sentido, também apresentamos um projeto para obrigatoriedade de câmeras nas fardas e viaturas, que é uma lei que leva o nome de dois jovens negros que foram assassinados pela polícia nos últimos anos, o Gustavo Amaral e o João, de São Gabriel. 

Apresentamos um projeto pelo fim do uso de tecnologia de reconhecimento facial na segurança pública. Os algoritmos utilizados no Brasil não são treinados para reconhecer pessoas negras e nem há uma previsão de que isso possa acontecer, e mesmo que isso aconteça, na nossa opinião é errado, porque o Estado não pode ter uma lei de reconhecimento facial, não pode ter um poder elevado ao ponto de deter informações preciosas que são só das pessoas, genéticas para dar conta de um monitoramento, que significa um grau de hipervigilância, de hipercontrole do Estado sobre as pessoas, que pode nos levar a uma situação de autoritarismo, uma situação caótica. Então, nós apresentamos esse projeto para discutir isso. Nos Estados Unidos, em lugares onde foi criada essa tecnologia, já estão tendo ações governamentais nesse sentido, a Europa e outros vários países baniram o reconhecimento facial na segurança pública, e aqui no Brasil está chegando, sem estudo e sem nenhum controle, e aprofundando o racismo, porque eu conheço vários casos de pessoas que foram presas injustamente, algumas que tiveram suas vidas destruídas por conta desse tipo de política. 

Gabinete do Deputado Estadual, na Assembleia Legislativa (Foto: Babi Bühler/Beta Redação)
Gabinete do Deputado Estadual, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (Foto: Babi Bühler/Beta Redação)

Quais são os desafios pessoais enfrentados na política, nesse meio? Tu é uma pessoa jovem, um deputado jovem. Então, como tu se sente e quais são tuas lutas? 

Penso que o principal problema que enfrentamos, nos últimos anos, foi a violência política, porque eu recebi muitas ameaças de morte, de agressão, principalmente pelos meios virtuais, mas que a gente sabia que tinha correlação com a realidade. Então, por exemplo, nós recebemos ameaça de morte de grupos neonazistas.  

Rio Grande do Sul, junto com Santa Catarina, é o estado com maior atividade de organizações neonazistas no Brasil e um dos maiores no mundo. A gente sabia que não eram simples e-mails que chegavam, eram grupos reais, pessoas que inclusive foram presas. Por isso, tivemos que mudar toda a nossa rotina, do ponto de vista de segurança, de cuidados diversos, comigo e com a minha família. Essa é a maior dificuldade nesse momento. Ser jovem, ser negro e ser descredibilizado por isso, pelos meus pares, era algo que eu já sabia que viria por conta do que é a estrutura do racismo e acontece aqui dentro [Assembleia Legislativa]. Diante disso, a gente se prepara para fazer um debate político diferente, ele deve ser feito em alto nível, de qualidade, que é o que o povo espera da gente.

E quais foram os desafios que tu enfrentou quando recebia as ameaças? Tinha medo, receio de fazer alguma coisa?  

O ambiente político no Brasil, principalmente, no auge ali do processo de violência que sofremos entre 2021 e 2022, ele estava dominado por pessoas que estimulavam essas práticas. O bolsonarismo foi, certamente, o principal movimento a defender a violência política como um método cotidiano. As denúncias que a gente fazia precisavam ser credibilizadas pelas instituições responsáveis por fazer as investigações. Isso era muito difícil. O Ministério Público, a Polícia Civil, a própria Polícia Federal, o próprio Parlamento. Na época eu era vereador e a Câmara de Vereadores tinha uma dominância dos bolsonaristas, o que dificultava.  

Medo a gente tem, obviamente, mas a gente vai ter que tomar cuidado. O tipo de atividade política que eu sempre tive é de vínculo com movimentos sociais, de acreditar que a organização social, os protestos, a mobilização da sociedade é um meio positivo. A gente tem que ter uma organização que seja necessária e eficaz para se conseguir mudanças. O Estado e as suas instituições, o poder executivo, o governo, as prefeituras, as polícias, as guardas municipais, são constantemente utilizados contra as demandas do povo para que o poder que está ali eleito naquele momento silencie as vozes críticas e possa desenvolver o seu projeto com base na violência. Isso é uma prática, então eu já fui reprimido inúmeras vezes em movimentos políticos, já fui criminalizado, processado, inclusive, pelo próprio Estado, por conta da minha atividade política.  

Na época, principalmente nos movimentos contra o aumento das passagens aqui. Eu luto contra a violência do Estado contra as pessoas também. Acho que Estado tem que estar a serviço da maioria da população, e aqui eu continuo levantando essa bandeira sempre. Por isso, lutar contra a violência policial não é só um negócio de defender a população negra, mas também é defender liberdade de expressão, porque é algo necessário e fundamental. Defender o direito de manifestação, de organização das pessoas, de protesto, de reivindicação social é muito importante.

Tu também defende bastante a luta pela justiça em relação à morte da Marielle. Como tu enxerga esse fato e que importância tu dá para essa luta? 

É uma necessidade para que o Brasil possa entender essa relação entre agentes políticos e a atividade criminosa, que vai para muito além do tráfico de drogas, envolve controle territorial, construção civil, setores do comércio, dos serviços, que formam essas redes de milicianos. A partir disso, é preciso combater essas organizações para ter uma perspectiva de justiça social.  

A Marielle morreu, dentre vários motivos, por estar ali criticando e combatendo uma política de concentração imobiliária dominada pelo crime. E moradia é uma das principais demandas do Brasil. Então, veja só como uma coisa está conectada com a outra. Eu acho que é fundamental que o Brasil entenda isso e comece a reorganizar as suas estruturas a partir do significado histórico da violência que a Marielle sofreu. Essa bandeira nós vamos continuar erguendo. Acho que tem muita água para rolar ainda, porque ela foi assassinada, junto com o Anderson, e isso significou um fato político de extrema gravidade.  

Onde você se enxerga no poder executivo? Qual seria a tua ambição maior, onde tu quer chegar e o que tu faria nesse meio? 

Sei da responsabilidade que a gente tem aqui, que é desenvolver uma nova tradição política, de ter representação negra, periférica, popular. Então, acho sim que a gente tem que disputar o poder do Estado, o poder executivo, e penso que hoje, aqui na cidade de Porto Alegre, por exemplo, que tem eleição nesse ano, nós deveríamos eleger como prioridade central combater a desigualdade social. 

Não é a maneira como a prefeitura age hoje, bem pelo contrário, eles têm um eixo de estimular a concentração de renda e de riqueza na cidade, através de privilegiar negócios privados em detrimento do bem comum, do serviço público, da preservação da natureza. Deveríamos trabalhar políticas para combater a desigualdade e, a partir daí, mudar a realidade da nossa cidade hoje, que é a capital mais desigual do Sul, é a mais desigual entre negros e brancos no mundo, no Brasil inteiro, e isso aumenta os problemas sociais da cidade como um todo, precária de educação, com aumento da insegurança pública, tem impactos em todas as áreas. 

Na minha opinião, nós precisamos lutar para inverter a lógica, e isso é, sim, falar de processos que envolvem ações revolucionárias, que envolvem ações de transformação radical da sociedade. Não vou dizer para ti, “Ah, me vejo como um governador”. Se as condições permitirem, a gente pode estar aí disputando esses espaços, mas eu observo a história e concluo que as mudanças mais efetivas são as mudanças coletivas. São as mudanças construídas por milhares e milhões se colocando em movimento em torno de determinadas bandeiras. É nisso que eu acredito. 

Matheus Gomes em campanha para se eleger Deputado Estadual em 2022 (Foto:Equipe Matheus Gomes/Arquivo Pessoal)
Matheus Gomes em campanha para se eleger deputado estadual em 2022 (Foto: Equipe Matheus Gomes/Arquivo Pessoal)