Lipsen e sua Times Square gaúcha

A história do Gaiteiro do Brique, multiartista e personagem de um dos principais pontos de encontro dos porto-alegrenses

O domingo é o dia em que o Monumento ao Expedicionário, no Brique da Redenção, se torna passagem garantida para os gaúchos que vivem na capital. O cenário é cartão-postal de Porto Alegre, mas aos finais de semana se torna palco. 

Em meio às feiras de artesanato, não demora muito para uma roda se formar, e nem o frio é capaz de espantar a plateia. No centro dela, o Gaiteiro do Brique abre o acordeom do avô e começa o seu show. O personagem conhecido por muitos que frequentam o parque tem nome, e até apelido. Philipe Philippsen, mas podemos chamá-lo apenas de Lipsen


As músicas não são suas, “mas o show é” enfatiza ao longo da apresentação.
LAURA SANTIAGO / BETA REDAÇÃO

Há mais de 10 anos tocando no Brique, sua história começou ainda quando criança. Fruto de uma família musical, Lipsen sempre demonstrou interesse e talento para as artes, e aprendeu músicas sem muitas aulas, “tirando de ouvido os instrumentos”.

Formado em Teatro pela UFRGS, o artista estreou com seu acordeom em 2012, em Nova York, na Times Square. Foi na cidade que nunca dorme que Lipsen percebeu a alta demanda da arte de rua e encontrou o segredo de seu show: o olho no olho. 

“Uma menina me abordou e deu uma dica: ‘Não fecha teus olhos enquanto toca, olha para as pessoas e sorri’”, contou.

As apresentações acontecem todos os domingos, pontualmente às 11h e às 15h.
LAURA SANTIAGO / BETA REDAÇÃO

Além das ruas de Nova York, o artista já se apresentou em Paris, Berlim, Lisboa, Munique, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. Depois de disputar com as luzes da Times Square, em março de 2013 Lipsen retorna para o Brasil de mala e gaita, e foi na Redenção que ele encontrou acolhimento: “Nos Estados Unidos o público circulava, filmavam um pouco e deixavam uma contribuição. Quando eu cheguei aqui, me surpreendi com as pessoas pararem pra assistir. Nova York era hostil, então foi muito acolhedor chegar no Brique. Virou uma família”. 

Durante uma hora e meia, Lipsen apresenta uma performance que mistura música, bom humor e conexão com o público. Segundo ele, é uma construção coletiva: “O Brique vai me dizendo o que eu preciso mudar ou acrescentar no show”. 

O artista define seu setlist como “bem gay” e usa sua arte como resistência pela causa LGBTQIAPN+. Com músicas de Lady Gaga, Anitta, Adele e Freddy Mercury, o estranhamento das pessoas ao ouvir tais sons tocados no acordeom também traz luz para a bandeira levantada pelo artista: “Eu quero ser um exemplo positivo de pessoa LGBT e mostrar que gays estão vencendo!”. 

O artista costuma brincar dizendo que o momento mais lucrativo do show é quando toca sucessos dos anos 80.
LAURA SANTIAGO / BETA REDAÇÃO

O talento de Lipsen se desdobra numa vida multiartista, trabalhando com música, teatro, audiovisual e, recentemente, se formou como intérprete de Libras. 

Apesar de relatar uma hérnia de disco que perdura por anos, devido ao peso do acordeom, ele conta que motivos não faltam para permanecer com seus shows: “O Brique se tornou uma das minhas principais fontes de renda, e tem uma euforia muito grande, uma sensação de encaixe. É aquilo que eu faço e só eu faço daquele jeito”. 

A paixão pela arte que começou em família se propaga para as demais, e mesmo não conhecendo todas as pessoas da sua plateia, Lipsen ainda se surpreende com o impacto do seu trabalho: “Tem um casal, ambos com esclerose múltipla, e eles assistiam ao meu show quando namoravam. Eles noivaram e me convidaram pra tocar no casamento deles. Um dia apareceram com um bebê e eu toquei no aniversário da criança. Eu faço parte dessa família”, conta. 

Fã de Tangos & Tragédias, clássico do teatro gaúcho, Lipsen lembra com alegria as comparações com Nico Nicolaiewsky (1957-2014), ator e criador do espetáculo. A casualidade dos nomes duplicados – Philipe Philippsen e Nico Nicolaiewsky – é mera coincidência, de resto, a semelhança de aparência é proposital. 

“Por mais que eu tenho criado o meu show, ele é uma bagagem de referências, principalmente do Nico. Eu quero dar crédito aos que vieram antes de mim.” 

O multiartista se orgulha de ser um grande nome da arte porto-alegrense, e com um público que a cada domingo canta e aplaude ao som de seu acordeom, Lipsen encontrou sua Times Square em Porto Alegre.

Criar o inesperado é parte do show, como tocar gaita e trompete ao mesmo tempo.
LAURA SANTIAGO / BETA REDAÇÃO

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