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“Inovador na sua essência”: especialista explica porque o cooperativismo é uma chave para o desenvolvimento social

Gabriela Riboli, do Sicredi, lidera o primeiro programa de aceleração de cooperativas do Brasil

O modelo cooperativista, com sua força coletiva e foco no desenvolvimento comunitário, tem se mostrado um pilar de inovação social e econômica, especialmente em momentos de crise. Para discutir essa essência e o potencial do setor, Gabriela Riboli, especialista em cooperativismo e assessora de programas sociais e educacionais na Sicredi Pioneira, compartilha sua visão. Reconhecida por liderar o Aceleracoop, o primeiro programa de aceleração de cooperativas do país, ela detalha os princípios que regem o movimento e o impacto de iniciativas voltadas à inovação, à geração de valor coletivo e à transformação social.

Poderia nos explicar de maneira geral o que é o cooperativismo?

O cooperativismo moderno surgiu em 1844, na Inglaterra, durante a Revolução Industrial. Naquele contexto, os tecelões tinham seu trabalho prejudicado e viviam sob um poder monopolizado, onde os donos das empresas controlavam também o comércio e preços. Então, esses trabalhadores encontraram na força coletiva uma solução. Juntando recursos, eles passaram a buscar produtos diretamente para vender à comunidade por um preço justo. O objetivo não era o lucro, mas sim garantir o acesso a insumos de qualidade. Assim nasceu esse modelo de negócio.

Quais são os princípios do cooperativismo atualmente e qual o papel de cada um deles?

O cooperativismo tem sete princípios. O primeiro é a adesão voluntária e livre: qualquer pessoa pode participar, desde que cumpra os pré-requisitos. O segundo é a gestão democrática: não importa se alguém entrou há 20 anos ou ontem, o poder de voto é o mesmo. O terceiro é a participação econômica, ou seja, o resultado financeiro é dividido entre os cooperados ou reinvestido. O quarto é a autonomia: as cooperativas são livres de partidos e lados. O quinto é a educação e informação, pois é essencial tomar decisões com embasamento. Depois vem a intercooperação: cooperativas não competem entre si, se apoiam. E, por fim, o compromisso com a comunidade, representado por dois pinheiros do mesmo tamanho, o social e o econômico, pois não há impacto social sem resultado econômico, e vice-versa.

Gabriela Riboli, especialista em cooperativismo e assessora de programas sociais e educacionais da Sicredi Pioneiro.
Hemelly Marques/BETA REDAÇÃO

A partir destes princípios, podemos definir qual é o principal objetivo do cooperativismo?

O principal objetivo do cooperativismo é resolver um problema por meio da força do coletivo. É por isso que muitas cooperativas crescem justamente em tempos de crise ou durante uma pandemia. O foco está no desenvolvimento da comunidade. E é nesses momentos desafiadores que o cooperativismo se fortalece ainda mais, porque todos estão enfrentando as mesmas dificuldades, e é a união coletiva que busca as soluções.

Como o papel do cooperativismo na solução de problemas coletivos inspirou a criação do AceleraCoop, o primeiro programa de aceleração voltado exclusivamente para cooperativas no Brasil?

O AceleraCoop surgiu no final de 2023, na área de atuação da Sicredi Pioneira, no Vale do Caí, Vale dos Sinos e na Serra Gaúcha. Queríamos mostrar que o cooperativismo funciona quando seus princípios são aplicados com clareza. Ao mapear as cooperativas, percebemos que muitas tinham propósitos definidos e atuavam há anos, mas tinham dificuldade em enxergar seu potencial econômico e o impacto social que poderiam gerar com melhor posicionamento no mercado. Nosso objetivo foi potencializar essa atuação por meio de um programa de aceleração de três meses, voltado ao desenvolvimento de um novo produto, serviço ou entrada em um novo mercado. Participaram cooperativas de reciclagem, mobilidade urbana, agro, professores e mulheres que reciclam óleo de cozinha. Todas gerando impacto positivo.

Além da aceleração, vocês criaram um programa de incubação de cooperativas. Qual a diferença e como ele se relaciona com o AceleraCoop?

A partir de 2025, criamos um programa de incubação para criar novas cooperativas, pois identificamos dois modelos principais de coletivos: associação e cooperativismo. As associações têm foco cultural e social, sem fins comerciais. Já o cooperativismo, mesmo sem ter o lucro como objetivo, pode exercer atividade comercial. Começamos, então, a levar essa informação a grupos não formalizados e associações com perfil comercial, para entender o interesse em um programa de incubação. Foi assim que encontramos as “Valentinas”, um grupo de Gramado que já estava unido, mas ainda não formalizado.

Quem são as “Valentinas” e qual o foco do seu trabalho?

As “Valentinas” são mulheres que encontraram força no coletivo para ir mais longe. O grupo surgiu em um espaço de convivência e reúne mulheres em situação de vulnerabilidade, por não se encaixarem nos modelos convencionais de trabalho ou empreendedorismo. Elas buscavam fazer algo juntas, com flexibilidade, criatividade e propósito, mas também cuidando do meio ambiente e dos detalhes do processo. Um dos impactos do projeto é o upcycling: transformar resíduos da indústria da moda em produtos artesanais, com materiais reciclados. As “Valentinas” fogem do padrão comum em Gramado, que é muito focado no turismo e no lucro. Com elas, encontramos propósito, afeto e força coletiva.

O grupo Valentinas é formado por mulheres que encontraram na costura uma forma de geração de renda, integração social e sustentabilidade. Hemelly Marques/BETA REDAÇÃO

Quais são os critérios para um grupo ser selecionado para o programa de incubação?

Para participar da incubação, o principal critério é que o grupo já esteja formado, unido e em operação, com pelo menos sete pessoas. Não é preciso ter um produto ou serviço definido, mas é essencial ter vontade de construir algo coletivo. O objetivo não pode ser apenas o lucro. Buscamos iniciativas com propósito maior, como gerar impacto social, promover trabalho digno ou reduzir impactos ambientais. Nosso foco é um cooperativismo que resolva problemas reais de forma colaborativa.

O processo de incubação envolve diferentes etapas. Como ele se estrutura?

O processo de incubação é dividido em pré-incubação e incubação. Na primeira fase, são trabalhados temas essenciais para a formalização da cooperativa, como gestão tributária, fiscal, jurídica e de pessoas. Após a formalização, inicia-se um ciclo de seis meses focado em mercado, público, estratégias e marketing. Cada tema é abordado em workshops conjuntos entre as cooperativas incubadas, promovendo troca de experiências. Depois, o trabalho segue de forma individualizada, com materiais e um plano de ação específico para cada projeto.

Considerando esse processo de incubação e desenvolvimento coletivo, qual é o papel da inovação dentro do cooperativismo?

A inovação no cooperativismo é, antes de tudo, uma inovação social. Como o lucro não é o objetivo principal, a inovação também não é voltada para isso. Ela nasce para reduzir desigualdades, melhorar processos e ampliar o impacto social. Costumamos dizer que o maior inimigo do cooperativismo é a falta de informação. Apesar de haver muito conteúdo disponível, ele nem sempre é acessível ou atrativo. Ainda assim, o cooperativismo é inovador na sua essência. Basta observar debates atuais sobre temas como cashback, ESG e colaboração, que já fazem parte do DNA cooperativista há muito tempo. Outro diferencial está na capacidade de adaptação ao contexto local. Por ser construído pela própria comunidade, o cooperativismo responde com precisão às necessidades reais das pessoas envolvidas. É uma construção coletiva que nasce de dentro para fora.

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