Além de lidar com as perdas provocadas pelas enchentes, a comunidade LGBTQIA+ possui demandas próprias, que não deixam de existir mesmo durante a catástrofe climática. Há, nesse caso, uma dupla camada de vulnerabilidade: além de lidar com a devastação por conta dos alagamentos, essas pessoas precisam enfrentar a LGBTfobia até mesmo em espaços que deveriam servir como acolhimento – os abrigos. Para ajudar essas pessoas, surgem ações sociais que arrecadam doações e criam espaços seguros.
Coordenador estadual da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) e recém-empossado vereador pelo PSDB, Dani Morethson cita a criação do abrigo Renascer, cujas atividades foram iniciadas no dia 4 de maio. “Quando começou a catástrofe aqui em Porto Alegre, que começaram a abrir os abrigos, eu fui ser voluntário em um abrigo, num CTG. E lá tinha uma mulher trans, que era minha conhecida. Ela chegou lá, foi fazer as necessidades dela e começou aquela coisa: qual banheiro que ela iria usar? Ela ficou constrangida e eu fiquei revoltado”, conta. Assim, surgiu a ideia de iniciar uma campanha de arrecadação para transformar uma associação de moradores abandonada, no bairro Cascata, em abrigo para vítimas de violência.
O espaço deve se manter em atividade de forma definitiva, atendendo pelo menos 25 pessoas em situação de vulnerabilidade. “Todas as pessoas que chegaram até o nosso abrigo sofreram todo o tipo de violência. Na cabeça delas, não é, mas se a gente sentar e escutar todo o relato, vai ver vários pontos de violação de direitos. Aconteceram várias violações nos abrigos com voluntariado, e até os de algumas igrejas, como a Universal, que fizeram orações para a pessoa voltar sua identidade de gênero (processo conhecido como ‘cura gay’, proibido em 2019 pelo STF)”, diz Morethson.
Outra ação social, que parte de um coletivo de transativistas, é o #AjudaTransRS. A iniciativa, liderada por Luka Machado e Gustavo Deon, pretende evitar violências transfóbicas através do mapeamento de pessoas trans atingidas e voluntárias, além da arrecadação de doações e pix. Dessa forma, a ajuda é transcentrada: repassada de uma pessoa trans para outra.
Há uma série de itens arrecadados, entre eles, os binders – faixas ou coletes compressores usados por transmasculinos e não binários para ocultar o volume do peito –, maquiagens, roupas de tamanhos e gêneros variados, kits de higiene e limpeza. Confira a lista completa no card.
A coordenadora de pautas LGBTQIA+ do Fundo Positivo e secretária da ONG Igualdade RS, Marina Reidel, relata que o Fundo busca recursos junto a organismos internacionais para fortalecimento de projetos em prol da comunidade. “Logo no início da tragédia que se abateu pelo estado, o Fundo decidiu apoiar financeiramente quatro instituições parceiras. Nós apoiamos a Unisc, que tem um convênio vigente conosco, a Igualdade RS, da Marcelly Malta, a Igualdade Guaíba e a Associação das Profissionais do Sexo do RS. Apoiamos cada instituição com R$ 10 mil. Posterior a esse ato emergencial, nós lançamos uma carta-convite para a associação pró-ensino da Unisc, para desenvolver um projeto de justiça climática novamente, diante da situação que aconteceu no RS”, enumera.
Em sua atuação como secretária da ONG gaúcha, Reidel viu de perto as necessidades das pessoas trans. Além de moradia, um dos maiores desafios é garantir a segurança alimentar. “Nós temos visto maior necessidade de alimentação. As pessoas estão pedindo comida, doações de cestas básicas e insumos. Mas, em geral, tem pessoas que perderam tudo, travestis que perderam tudo, principalmente na região da Avenida Farrapos e do bairro São Geraldo, Navegantes, aquela região onde elas moram e trabalham. Tivemos pessoas trans que perderam suas casas, suas coisas pessoais, então isso demandou uma mobilização, mas ainda há uma necessidade de pensarmos em apoios”, afirma. A ONG Igualdade RS também apoia o #AjudaTransRS, mencionado anteriormente.
Questionada sobre o apoio às iniciativas citadas na reportagem, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul afirma que todos os abrigos são de responsabilidade dos municípios, ONGs e parceiros privados, inclusive o Renascer. De acordo com a assessoria de comunicação da pasta, o único abrigo criado por iniciativa do governo do Estado, com o apoio de parceiros e voluntários, é a Casa Violeta, exclusivo para mulheres e crianças.
Outras iniciativas regionais, lideradas por vereadoras trans, foram mapeadas e divulgadas pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Confira os contatos para oferecer ou buscar ajuda na lista abaixo.
COMO AJUDAR A COMUNIDADE LGBTQIA+ ATINGIDA PELAS ENCHENTES
Abrigo Renascer
- Entrega de doações no abrigo – Rua Alameda Servidão, 25, bairro Glória, Porto Alegre.
- Chave Pix (CNPJ da Abrafh): 234204750001-32
#AjudaTransRS
- Entrega de doações na Casa de Cultura e Resistência – Rua Lopo Gonçalves, 327, bairro Cidade Baixa, Porto Alegre.
- Chave pix (e-mail): ajudatransrs@gmail.com
Ação de solidariedade – Antra (ajuda às pessoas trans no interior)
- Pitty Serrano (Guaíba) – (51) 99311-6844
- Regininha (Rio Grande) – (53) 99179-1159
- Cleonice Araújo (Caxias do Sul) – (54) 99161-3078
- Lins Robalo (São Borja) – (55) 99611-0393
ONG Igualdade RS
- Chave pix (CPF) – 186853580-00 (Marcelly Malta, presidente da ONG)