Carta de 1988, também conhecida como “Cidadã”, deu o primeiro passo para políticas públicas fundamentais até os dias de hoje

Um momento de solidificação da democracia brasileira após um período de ditadura militar. Assim foi vista a Constituição de 1988, que substituiu a que havia sido criada em 1967 – três anos após o Golpe Militar. A construção desse período marcante para consolidação democrática no país foi liderada especialmente pelo PMDB, PTB, PDS (atual PP) e PFL, partidos que dominaram o cenário da Constituinte iniciada em 1985 – ano final do governo militar do general Figueiredo. 

Conforme o jornalista Nikão Duarte, que cobriu in loco a implementação da Constituição em 1988, um detalhe importante a ser citado envolve o deputado federal peemedebista mais votado no Rio Grande do Sul, Mendes Ribeiro. Ao chegar em Brasília, com uma certa empáfia e arrogância, conforme descreve Duarte, o deputado chegou almejando o cargo mais importante na Assembleia Constituinte, que era o de presidente da comissão de sistematização – quem faria o primeiro texto para começar a formalizar a Constituição.

Contudo, Ulysses Guimarães (PMDB), presidente da Assembleia Nacional Constituinte, não absorveu a ideia de Ribeiro e favoreceu um outro membro do PMDB, também da bancada gaúcha: Nelson Jobim. Naquele instante, o jovem advogado e político, considerado uma promessa, cresceu significativamente nos dois anos da Constituinte, tornando-se sub-relator da comissão de sistematização, cargo que o aproximou de Guimarães e deu ao parlamentar uma participação de tamanha relevância em todo o processo de construção da Constituinte. 

Duarte classificou o período como um processo particular do Brasil. “Era uma Constituinte que buscava trazer de volta a democracia depois de 21 anos de governo militar e ditadura”, pontua. 

Nelson Jobim chegou à Constituinte em seu primeiro mandato, em 1987. Era um estudioso das constituições nacionais e estrangeiras. Recém-chegado na política, Jobim foi apresentado a Ulysses Guimarães pelo deputado federal Antônio Brito (PMDB), que após uma longa conversa com Guimarães, foi direcionado ao líder do partido, Pimenta da Veiga, que o tornou parte do processo da Constituinte. “Eu conhecia os processos regimentais e por isso entrei. Na verdade, eu não tinha poder decisório. Eu era o escrivão”, conta Jobim.

O ex-deputado lembra que no início a bancada não era integralmente coesa. Havia certas divisões a serem administradas por Guimarães, que conduzia as adversidades para que as reuniões que discutiam os temas continuassem a fluir. “Nós nos juntamos às 7h da manhã na casa dele (Guimarães) com a presença do secretário-geral da Mesa, Paulo Afonso, que conduzia a parte burocrática, para tratar dos temas”, recorda.

Após a construção das ideias, havia uma reunião do colégio de líderes que examinava as temáticas para fazer o entendimento das proposições. “Os líderes tinham importância. Cada um tinha, pelo menos, 80% dos votos da sua bancada. Se o Mário Covas (um dos principais nomes da dissidência do PMDB) reunia todos os líderes, nós tínhamos 80% dos votos no plenário que ia para votação. Agora, quando não conseguíamos reunir as lideranças, nós precisávamos pensar em como defender tal ideia no plenário”, detalha. 

Conforme Jobim, à época o que existia eram políticos adversários e não inimigos, ao traçar uma comparação com a atualidade. “A variável do ódio prejudica os entendimentos de hoje. No passado, nós sabíamos compor os dissidentes políticos, sem precisar recorrer a nenhum Supremo Tribunal Federal, como hoje”, compara. 

O ex-deputado peemedebista cita como um dos pontos negativos o período de regime econômico mundial que era praticado à época. “Aconteceu que estávamos votando antes da mudança mundial da participação do Estado na economia. A nossa visão era que o Estado podia participar da produção e do mercado, sem ser órgão regulador”, explica. Esse problema econômico descrito por Jobim foi modificado no Brasil no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por emendas em 1995, ocasião que ele foi ministro da Justiça e encarregado por FHC de discutir as emendas econômicas, que foram todas aprovadas.

Outro ponto tratado por Jobim, que precisou ser alterado com o tempo em relação ao que foi criado em 1988, foram as regras da seguridade social. “As regras eram incompatíveis com o poder do Estado em pagar as aposentadorias e tivemos que alterar sucessivas vezes”, expressa.  A primeira alteração se deu no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e a última no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Para o jurista Lênio Streck, o Brasil melhorou no quesito dos direitos fundamentais. “Avançamos no campo das liberdades públicas, da saúde pública, o SUS como produto da Constituição, as garantias processuais, direitos das minorias, cotas raciais e direitos indígenas”, pontua.

Streck aponta como maior benefício da Constituição de 1988 o acesso à justiça. Por outro lado, o jurista aponta a parte do Estado Social que a Constituição prevê e que até hoje está por realizar. “As elites no parlamento evitam, por exemplo, taxar as grandes fortunas e fazer uma melhor distribuição dos impostos”, destaca.