Jordan Peele recebe Oscar de melhor roteiro original exibindo o racismo de uma forma diferente e perturbadora  

 A arte pode ser percebida de muitas maneiras, formas e lugares diferentes, mesmo não sendo tão fácil de explicá-la, podemos nos aproximar do que é a arte. Para alguns, ela pode ser considerada o simples ato criativo de juntar coisas diferentes, formando assim, uma nova obra de arte. Alguns artistas se permitem unir uma grande ideia com uma grande luta. 
 
É o caso de Jordan Peele, que escreveu e dirigiu o filme “Corra”, lançado em 18 de maio de 2017, no Brasil. Fazer um filme de terror, que mostre a dura realidade com pontos cômicos é algo criativo. É uma junção que forma uma obra de arte. O que eleva o primeiro longa-metragem escrito por Peele para outro patamar é a pauta social que a envolve: O racismo. 
 

 Imagine: você é ator, decide então mudar de lado e escrever um roteiro de cinema. No final do ano, o seu “presente de Natal” são 4 indicações ao Oscar. Este foi o início da carreira de Peele, como diretor. “Corra” foi premiado pelo “melhor roteiro original”. Não por menos, já que você assiste o filme sem poder piscar os olhos para não correr o risco de perder algum detalhe ou deixar algo passar despercebido. A todo momento as falas dos personagens, por mais inocente que pareçam, vão de encontro com o desfecho do filme.  

(Foto de FREDERIC J. BROWN/AFP via Getty Images) 

 Outro estreante em filmes foi Michael Abels, estudioso e especialista em música afro-americana. Ele compôs a trilha sonora tensa e, por vezes, perturbadora de Corra! A primeira música é “Sikiliza Kwa Wahenga“, traduzida da língua Suaíli (língua banta da família nigero-congolesa) como “ouça os seus ancestrais”. Entre os versos da canção, se ouve alguns avisos do tipo “algo ruim está vindo corra!”. Dois anos depois, o rapper Djonga utilizou a mesma música de abertura do filme na introdução da sua música, não por acaso, também chamada de “Corra“, na qual denuncia o racismo estrutural e a crueldade feita com o povo afrodescendente, até hoje. 
 
O prêmio de melhor roteiro original é concebido para a obra que não é baseada em qualquer outra obra já publicada. Jordan Peele fez isto em Corra, ao mesmo tempo em que trouxe a realidade do racismo, explícito em falas, estereótipos e, até mesmo, em cenas sem nenhuma fala. Mostrando o poder do roteiro do filme. 

 Não quero dar tantos “spoilers”, mas cada cena e diálogo vai de encontro com a ideia de transplantes de cérebros. É isso mesmo, transplante de cérebro! Porém, algumas cenas valem serem destacadas, como aquelas que, mesmo sem falas, dizem muito. Por exemplo, quando a namorada branca (interpretada por Allison Williams) do protagonista negro (Daniel Kaluuya), que vai viajar para o interior na casa da família dela, come um cereal colorido, separado do leite branco, uma alusão a segregação racial, sem nenhuma fala. 

Daniel Kaluuya e Allison Williams no filme ‘Corra!’ — Foto: filme 

 Falando em atores e atrizes, de nada valeria um bom roteiro e uma direção segura, se as interpretações dos papéis dispostos no filme não fossem executadas com verdade e sentimento. Em especial, para Daniel Kaluuya, indicado ao Oscar de melhor ator naquele ano. Daniel traz verdade ao filme com seus olhares e expressões estranhando o comportamento branco das pessoas e deixando claro o desconforto do personagem, unido com um possível costume de quem já viveu situações racistas na vida pessoal. 

 O diretor e o protagonista do filme, ultrapassam o roteiro de um filme fictício e de uma simples atuação. Ambos, trouxeram a realidade de uma sociedade racista, em uma obra original, rica em detalhes e que se destaca pelo terror psicológico que o racismo carrega. Jordan Peele deixa explícito o tratamento racista, não sendo apenas uma parte do filme, mas sim um câncer na sociedade. Além de fazer esta obra de arte, o diretor obriga o mundo inteiro ver o primeiro homem negro a vencer na categoria do Oscar de “Melhor Roteiro Original”, da premiação mais importante do cinema mundial. 

Corra está disponível em: Netflix, Start+, Apple TV, Amazon Prime Vídeo e Globo Play.