Marcia e Pollyanna Kullmann contam a sua trajetória de desafios e superação na vida e no esporte
Exemplos de parceria na vida e no esporte, Marcia Kullmann, de 46 anos, natural de Tupanciretã e a sua filha, Pollyanna Kullmann, de 15 anos, nascida em Gravataí, possuem uma notável coleção de medalhas, incluindo títulos como o Campeonato Brasileiro de Jiu-Jítsu 2023, conquistado por Pollyanna em maio, e o ouro no Campeonato Brasileiro de Taekwondo 2023, garantido por Marcia no início de setembro. Com grandes vitórias, mãe e filha enfrentam juntas os desafios de dentro e fora dos tatames e servem de inspiração uma para outra.
Mãe, filha e o esporte
A trajetória no mundo esportivo teve início com a filha, na quarta série do ensino fundamental, aos 9 anos de idade, em Gravataí, cidade onde até hoje reside a família. Pollyanna começou a assistir os treinos de jiu-jítsu de uma amiga da época e, revelou à mãe, um mês depois, sua própria decisão de iniciar a prática do esporte. Márcia, que trabalha como autônoma e produz artesanatos, recorda o momento em que sua filha fez a revelação. “Ela chegou em casa um dia e pediu que eu pagasse as roupas de treino que tinha encomendado. Perguntei: “Roupas de treino?”. Foi então que ela me disse que eram para as aulas de jiu-jítsu”. Na ocasião, Márcia explicou à filha que, se estivesse mesmo interessada na prática esportiva, seria necessário buscar apoio financeiro do avô para pagar a mensalidade das aulas – combinado este que segue até os dias atuais.
Em 2017, a jovem deu início à sua jornada esportiva pela equipe Union Team. E, em 2019 migrou para a equipe Overmatch BJJ, com sede em Gravataí. Desde então, seu talento foi cada vez mais desenvolvido. O taekwondo entrou em cena um ano após o jiu-jítsu, e Pollyanna também demonstrou aptidão para a modalidade. “A princípio, eu encarava o esporte como um hobby, porém, à medida que desenvolvi comprometimento com os treinos diários e com as competições, encontrei um propósito e não havia mais espaço para desistir”, relembra.
Marcia engravidou de Pollyanna anos após finalizar o tratamento de um câncer de colo de útero. Casada há quase 20 anos com Fernando Castanho Martins, de 38 anos, ela brincava sobre um dia pensar na possibilidade de ser mãe. “Em 2007, tive uma gestação ectópica (também denominada gravidez tubária) em que quase fui a óbito. Então, fiquei com muito medo de engravidar novamente”. No ano seguinte, Marcia ficou grávida de Pollyanna e enfrentou uma gestação de risco. “No início, minha gravidez não foi identificada, pois tinha um cisto no ovário de 9,5 cm x 13 cm, e precisaria removê-lo no hospital. Na última ecografia, antes da suposta cirurgia, descobrimos que, na verdade, eu também tinha 1,5 cm de Pollyanna dentro de mim”, brinca.
Mãe coruja, como ela mesma se define, Marcia aceitou a missão da maternidade e sempre se dedicou a acompanhar todos os treinos da filha. “Eu tinha muita preocupação que ela machucasse alguém ou que fosse machucada, por isso sempre acompanhei os treinos para saber o que estava sendo trabalhado. Além disso, assistia para buscar entender como funcionava o jiu-jítsu e o taekwondo e nas competições saber se a Polly estava ganhando ou perdendo”, relata.
No ápice da pandemia de Covid-19, em 2020, foi limitado, por segurança, o número de pessoas nos treinos na academia de taekwondo em que a atleta frequenta. Com a situação, o treinador e amigo de infância de Marcia, Jorge França, disse que se caso Marcia quisesse continuar assistindo os treinos de sua filha, precisaria treinar junto. “Eu aceitei e depois de alguns meses de treino, fui incentivada a me inscrever no Campeonato Sul Brasileiro de 2021, em Jaraguá do Sul, pois já iria de qualquer forma para acompanhar a Pollyanna”, explica. Mesmo acreditando que ainda não estava preparada para competir, Marcia conquistou o seu primeiro título na categoria Poomsae, aos 43 anos. (Em resumo, Poomsae trata-se de uma categoria que executa uma combinação de movimentos de ataque e defesa do taekwondo). “Se eu soubesse que tinha essas habilidades e não houvesse barreiras sociais, teria iniciado antes e talvez hoje, seria professora da Pollyanna. Mas na minha época, era considerado estranho uma mulher praticar esportes como futebol e artes marciais”, informa.
Para Fernando, testemunhar a dedicação de sua esposa e filha ao esporte é motivo de orgulho. “É muito satisfatório ver a Polly cuidando de sua saúde física e mantendo uma dieta equilibrada, e, ao mesmo tempo, incentivando a participação da sua mãe. Como pai, reconheço os inúmeros benefícios do jiu-jítsu e do taekwondo não apenas em termos de condicionamento físico, mas também no que diz respeito ao amadurecimento, educação e disciplina”, enfatiza.
Rotina e equilíbrio
Para treinar todos os dias é preciso muita determinação e foco, ainda mais quando está em fase escolar. Pollyanna, que cursa o 1º ano do ensino médio, mudou de escola recentemente devido ao esporte e se desdobra para conciliar os estudos com a rotina de atleta, para que as atividades e provas escolares não sejam afetadas pelos treinos e competições. “Nem sempre consigo entregar um trabalho exatamente no prazo, pois tenho que viajar para competir, então faço os trabalhos duas ou três semanas antes e deixo com minhas colegas da escola que entregam para mim”, revela. Com apenas um ano de amizade, mas muito companheirismo, as colegas Taysla Aquino e Camila Silva ajudam a atleta neste processo. “Nós gostamos muito da companhia uma das outras e nos divertimos fazendo festas do pijama e assistindo filmes juntas”, conta Taysla. “Acompanhamos a dedicação da Polly em sua rotina e temos muito orgulho dela, por isso fazemos de tudo para apoiá-la na escola”, acrescenta Camila.
“A Polly treina jiu-jítsu três dias por semana, nas segundas, quartas e sextas-feiras, das 19h às 21h30. Os treinos são divididos em momentos focados nas competições com kimono, treino adulto e preparação física direcionada ao jiu-jítsu na aula de NO-GI (prática sem kimono), relata o instrutor de jiu-jítsu de Pollyanna na equipe Overmatch BJJ, Eduardo Kullmann. Sobre a diferença dos períodos de preparação para campeonatos, o profissional salienta que os treinos são mais focados em regras e estratégias. “Eles estudam regras, movimentações e estratégias para aprimorarem o seu desempenho físico e mental nas competições”, explica.
No campo do taekwondo, Jorge França, mestre na equipe JF Taekwondo, conta que Marcia e Pollyanna treinam o esporte duas vezes na semana, devido a rotina corrida. “Os treinos são nas terças e quintas-feiras à noite e trabalhamos muito a coordenação motora, alongamento e o aprendizado técnico dos movimentos”, informa. Com fundamentos direcionados a disciplina e foco, Jorge destaca que é gratificante ver mãe e filha dedicadas ao taekwondo e sendo bem-sucedidas na modalidade. “Isso mostra que o trabalho está sendo realizado de maneira correta e que as ideias estão sendo absorvidas, independentemente da faixa etária”, acentua o especialista.
Um aspecto crucial para o desenvolvimento físico de Pollyanna é o treinamento funcional, uma parceria que estabeleceu com o Grupo Água Viva, de Gravataí. Amanda Souza, professora de natação no estabelecimento, compartilha como tudo começou: “Conheci Pollyanna por meio da mãe de um de meus alunos, que expressou o desejo de que nossa empresa patrocinasse uma jovem praticante de artes marciais. Em fevereiro de 2020, nosso primeiro encontro com Pollyanna aconteceu, e ela começou a participar das aulas de natação que eu ministrava, sempre às 7h30”, lembra.
Quando Pollyanna ingressou nas aulas de natação, Amanda notou algumas limitações de mobilidade devido a lesões anteriores sofridas durante competições, além de problemas posturais que poderiam impactar seu desempenho nas lutas. Então, foi iniciado um programa de treinamento focado em melhorar esses aspectos, com o objetivo de aprimorar a mobilidade dos ombros e a capacidade respiratória da atleta. Em junho de 2022, foi aberto o treinamento funcional do Grupo Água Viva, e Amanda foi designada para comandar a equipe e levou Pollyanna para treinar junto.
O treino funcional é realizado em conjunto com o preparador físico, Mauro Comissoli, que explica que o método é muito mais que pular em caixotes e bater cordas no chão. “É um treino específico, voltado a individualidade biológica de cada atleta. O treinamento funcional é excelente para todos os tipos de esportes de combate, por trabalhar desde a estabilidade articular, flexibilidade, mobilidade, até ganho de força e aumento de potência muscular”, esclarece o ex-atleta de boxe e muay thai.
Manter o equilíbrio psicológico e a disciplina é de extrema relevância para qualquer atleta, especialmente para aqueles que ainda estão em fase de amadurecimento. “A Pollyanna sempre foi uma atleta disciplinada. Teimosa, mas disciplinada. Então, não foi preciso trabalhar essa questão. Agora quanto ao psicológico, todo atleta precisa ser acompanhado por profissionais competentes, ainda mais quando falamos de uma atleta adolescente”, afirma Mauro.
O treinador aponta também para o aspecto competitivo da jovem atleta. “A Polly sempre se cobrou demais por resultados. Ela sabe do seu potencial e ficava frustrada quando os resultados não apareciam, impactando inclusive no seu cotidiano. Trabalhamos isso durante um bom tempo, hoje ela é uma atleta muito mais madura e psicologicamente mais saudável”, diz Mauro.
Busca por patrocínios
A busca por recursos financeiros para cobrir despesas de viagens e taxas de competições é um desafio enfrentado diariamente por muitos atletas brasileiros, e Pollyanna não está imune a essa realidade. Segundo sua mãe, embora a atleta conte com apoiadores, nem todos fornecem um valor fixo mensal. “Ela tem muitas permutas para divulgação de serviços e produtos, mas não possui nenhum patrocinador com contrato. Por isso, para arrecadar dinheiro, fazemos rifas, vendemos gel para massagem e fazemos pedágio. Realmente, não temos condições financeiras, então, sempre estamos realizando apelos nas redes sociais, pedindo o apoio de empresários e das pessoas em geral”, conta.
O pai da atleta, que é mecânico de veículos pesados, expressa sua frustração com a difícil realidade que sua filha enfrenta. “É muito triste ver que após uma semana cheia com estudos e treinos, a Polly ainda tenha que ir aos fins de semana para a sinaleira arrecadar dinheiro para competir e seguir com seu sonho. Nós fazemos de tudo para ajudar, mas as taxas de inscrição e custo das viagens são altos. Eu sempre digo para minha filha que, um dia, vai aparecer um patrocínio mensal com contrato e não precisaremos mais passar por isso”, ressalta o pai.
Inspirações e próximos passos
Pollyanna afirma que a determinação é o ponto principal para a carreira de um atleta. “O que me faz acordar todos os dias para ir treinar não é uma motivação, é uma determinação, algo que vem de dentro de mim”, diz. Para Pollyanna, o caminho para o sucesso vai muito além de subir ao pódio e celebrar uma vitória. Ela acredita que o verdadeiro campeão é movido não apenas pelo resultado final, mas pelo processo árduo que o leva até lá. “Conquistar a medalha é muito bom, mas acho que todo verdadeiro campeão não está só pelo resultado e sim pelo processo que enfrenta para conquistar a glória. Um atleta apaixonado pelo processo consegue dar seu sangue, suor e lágrimas, chegar em casa cansado e querer descansar, mas nem sempre conseguir, pois o corpo não relaxa. Não estou sempre bem, mas vou treinar e esse é o meu processo. Busco procurar conforto no desconforto”.
Pollyanna conta que a sua maior inspiração vem de seus pais e avós, que sempre acreditaram no seu sonho e fornecem todo o suporte possível. “Me espelho muito na história deles. A minha mãe começou a treinar e isso serviu como mais um motivo para continuar, saber que tanto eu me inspiro nela quanto ela em mim. Além disso, meu pai está sempre correndo atrás para auxiliar na minha carreira como atleta. Sou muito grata também aos meus avós que pagam a academia, sem eles eu não estaria nem treinando”, destaca.
Ela também reconhece a relevância do papel desempenhado por seus instrutores, professores, mestres e treinadores na preservação do seu equilíbrio mental e na potencialização do seu desempenho. “Mauro, Amanda, Eduardo e Jorge, todos de modalidades diferentes, mas atuam como parte da minha base e sabem das minhas dificuldades e desafios diários, estando sempre disponíveis para me ajudar a aperfeiçoar minhas habilidades e manter o foco”, agradece.
Marcia e Pollyanna pretendem seguir na luta, tanto nos tatames quanto na vida, à medida que buscam apoio financeiro e aprimoramento de desempenho. “É emocionante relembrar tudo o que enfrentamos este ano, incluindo lesões e dificuldades financeiras, entre outros desafios”, compartilha Marcia. “Apesar das adversidades, Pollyanna conseguiu alcançar um de seus principais objetivos, que era tornar-se campeã brasileira e conquistar o título sul-americano, algo que nem sequer sonhávamos ser possível. É gratificante saber que colhemos as recompensas de seis anos de dedicação e esforço”. Pollyanna é uma das grandes apostas de Gravataí para Mundial de jiu-jítsu que será realizado em dezembro.
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