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Ergonomia: como a saúde dos trabalhadores impacta nos resultados

Jacinta Renner afirma que, hoje em dia, sem um bom ambiente de trabalho, as empresas não conseguem mão de obra

A ergonomia é uma área não tão conhecida pelo público, mas que afeta a produção de empresas através do bem estar dos trabalhadores. 

Jacinta Sidegum Renner, coordenadora da QualiVida, consultoria em análises ergonômicas, e membro da direção da Associação Brasileira de Ergonomia, atua no modo como o meio ambiente de trabalho afeta a saúde dos profissionais, desde aspectos físicos (altura de mesa e cadeira que podem causar dores, por exemplo) até aspectos mentais (como assédio moral) que causam depressão e outras complicações.

Há 30 anos no mercado, Jacinta diz que a maior repercussão de seu trabalho pode não aparecer no formato econômico direto, mas aparece na diminuição de perdas.

Ela concedeu a seguinte entrevista à Beta Redação.

Como você define o papel da ergonomia hoje dentro das empresas? 

O papel da ergonomia é extremamente estratégico. Por muito tempo, essa, como qualquer prática que dê atenção à saúde e à segurança dos trabalhadores, foi vista como algo à margem, porque o que interessa para as empresas é a lucratividade. A boa ergonomia traz muitos benefícios no sentido de agregar valor à produção.

Então a ideia de que o foco do nosso trabalho é apenas na diminuição de afastamentos do trabalho, por acidentes ou doenças, já está bem ultrapassada. A boa ergonomia, que seria a macroergonomia, tem um olhar muito mais amplo, e acaba transformando a cultura organizacional, com foco no bem-estar do trabalhador. 

Por que olhar para a saúde do trabalhador?

Se sentindo bem, o trabalhador vai produzir mais e melhor. Isso vai repercutir diretamente na qualidade do produto. E, com isso, vêm outros valores agregados, como a mudança na imagem corporativa externa das empresas. Quando se tem esse cuidado, o trabalhador se sente visto, ele se sente muito mais pertencente a um espaço de trabalho. O primeiro passo de toda análise ergonômica é perguntar: “como você está se sentindo nesse trabalho?”.

Só essa pergunta muda toda uma perspectiva. Porque normalmente a reação à pergunta é: “nunca ninguém me perguntou sobre isso, que bom que vocês estão perguntando”. Esse é o princípio de tudo, ouvir o trabalhador, essa escuta ativa do trabalhador. Porque é ele que faz o trabalho, ninguém sabe melhor do que ele (sobre o funcionamento da empresa).

Qual é o impacto econômico da ergonomia nas empresas? 

Ah, sem dúvida é gigantesco, mesmo que nem sempre claramente mensurável. De modo geral, nos primeiros seis meses de um projeto ergonômico dentro de uma empresa, enquanto se realiza um diagnóstico ergonômico, já se percebe mudanças na estrutura organizacional Depois de um ano, começa a perceber diminuição de perdas. Essas perdas podem ser humanas – diminuição de acidentes, afastamentos de trabalho e absenteísmo, que é o índice a insatisfação com o trabalho – ou de processo – perdas por estoque parado ou de deslocamento desnecessário.

Pode exemplificar?

Por vezes, as empresas acabam viciadas em sistemáticas, e aí, quando entra um projeto de ergonomia, ele te traz um outro olhar, e se começa a olhar as perdas, tanto as humanas quanto as de processo.

Na Herval, indústria que utiliza um fluxo de produção de manufatura, com muitas pessoas trabalhando, existia um fluxo de processo não linear, um “zigue-zague” dentro da produção. Nesse contexto, inúmeras perdas por deslocamento desnecessário eram visualizadas. Eu, como ergonomista responsável, junto do Coergo (Comitê de Ergonomia), conduzi o processo dentro da empresa e, após a análise e várias iniciativas em termos de ergonomia, no final sobrou um dia inteiro de atividade dos trabalhadores, pela otimização.

Um dia da semana, quatro semanas por mês: assim nós temos quatro dias ganhos de produção a mais. Isso é um ganho enorme, né? Então, o próprio fato de ajustar máquinas, enxergar o fluxo de produção de uma outra forma gerou ganho imediato, praticamente, de produção. 

Tudo que prejudica o trabalhador –  que provoca dor, desconforto – é também o que traz perda na produção. A relação é direta. 

O que leva uma empresa a buscar consultoria ergonômica?

Hoje em dia, percebo dois tipos de comportamentos empresariais: aqueles que são proativos e que procuram a ergonomia porque entendem que se o trabalhador está bem, ele vai trabalhar bem; e tem aqueles que só reagem após fiscalização.   

E as empresas proativas geralmente apresentam uma diminuição de custos maior. Outro resultado significativo é a retenção da mão de obra. Hoje em dia, sem um bom ambiente de trabalho, as empresas não conseguem mão de obra.

E as empresas sérias, que já entenderam que a partir da visão da ergonomia, se melhora o contexto de trabalho, estão em maior número do que já estiveram antigamente. Observo isso a partir de uma história de praticamente 30 anos de atuação. 

Os riscos psicossociais estão em alta nas discussões acerca do mundo do trabalho. Qual é a contribuição da ergonomia nesse sentido?

Os riscos psicossociais sempre foram vistos na ergonomia. Isso não é nenhuma novidade. Tenho minhas críticas com relação a forma de levantamento validada (pelo Ministério do Trabalho e Emprego). Em uma escala como a vigente, eu não sei dimensionar exatamente quanto o trabalhador realmente vai responde, de acordo com o sentimento dele.

A ergonomia séria parte do pressuposto daquilo que o trabalhador fala, livremente, espontaneamente, sobre o que se passa no dia a dia.E isso não acontece com escalas de perguntas induzidas e direcionadas. É neurolinguístico.   

A forma atual de avaliação está baseada em levantamentos e diagnósticos pré-concebidos a partir de uma ferramenta. Virou uma situação mercantilista, onde há uma confusão generalizada. 

Na minha opinião, não se deve aplicar nenhuma dessas ferramentas sem uma construção junto com a empresa. Os questionários não consideram a situação de trabalho, não contextualizam com o médico do trabalho, o psicólogo, enfermeiros, técnicos de segurança e com a CIPA (Comissão Interna de Acidentes), que são fundamentais nesse processo. 

Sem essas pessoas envolvidas, será que um instrumento validado, seja lá em que lugar do mundo, vai ser superior a isso? Tudo que é novo deve ser refinado. Os questionários devem ser dissecados, têm que ser avaliados e analisados. 

Serão muitos ajustes ao longo do caminho. Mercado, empresas, profissionais, o próprio Ministério devem se mobilizar e entender que isso não está pronto. É processual.

Como uma empresa reconhece um bom profissional de ergonomia?

As empresas precisam ter um olhar atento para que tipo de profissionais contrata. Nesse processo, a Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO) é o melhor caminho. Eu, como integrante da Associação, recomendo a certificação oferecida pela ABERGO, pois ela garante a qualificação.

Fazemos um trabalho muito sério, de contínuas melhorias, para que os ergonomistas do país se qualifiquem e se aproximem da associação que os representa.

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