Se você perguntar a Arley Santos Barreto quem ele é, não ouvirá títulos corporativos pomposos ou definições acadêmicas, embora sua formação técnica, vasta experiência e sucesso profissional pudessem justificar ambos. A resposta vem carregada de uma simplicidade que desafia a norma culta: “O Arley é um budegueiro”. O termo, antigo e quase em desuso, remete aos comerciantes de balcão, aqueles que conhecem o cliente pelo nome, que valorizam o “olho no olho”. Mas Arley é um tipo específico de budegueiro: um que já viajou por 40 países, devora biografias e entende a geopolítica do varejo global.
Aos 56, quase 57 anos de idade, nascido na véspera de Natal em 1968, o proprietário da Mania de Loja diz que a curiosidade é uma característica essencial para qualquer empreendedor. Filho de Elena e Arlindo Barreto, irmão mais velho da Arlety, Anali e Alexi, Arley começou a trabalhar com “14 para 15 anos” juntando sucata e, da sucata, conseguiu o dinheiro para comprar uma bicicleta. Dali em diante, o inquieto Arley nunca mais parou: passou por colégio interno em Osório, foi dono de videolocadora, sócio em outro comércio local, até que encontrou o seu verdadeiro palco em 9 de setembro de 1988 – o dia em que nasceu a Mania de Loja.
O nascimento de uma Mania
A “Mania” surgiu no mercado em uma época analógica. O capital inicial foi puramente baseado na confiança, moeda forte nas relações comerciais da época. “Comecei com seis camisetas da Seychelles, que é uma marca de Porto Alegre. E foi com esse crédito que começamos a vida”, relembra. Hoje, a Mania não é apenas um ponto comercial; “a Mania é uma marca. Uma marca lembrada porque é trabalhada, cuidada e amada”, nas palavras de Arley.

A construção dessa identidade sólida começou no diferencial que o empresário carregava como objetivo: a exclusividade e a curadoria. No início, buscava trazer para a cidade o que ele mesmo gostaria de vestir e que não encontrava com facilidade. Naquela época, a lógica de consumo era ditada pela escassez e pela etiqueta. “Tínhamos uma preocupação de estilo e também com marca”, analisa Arley, citando o surf como o grande motor da moda jovem daquele período.
Hoje, a curadoria é sobre entender que o cliente busca algo que a frieza da internet e do e-commerce em geral não entrega, enquanto reconhece a importância de investir na indispensável presença digital, tanto nas redes sociais como no atendimento online personalizado.
A economia do “filé”
Em uma empresa de êxito, a gestão de recursos humanos é essencial. Para Arley, o segredo para manter uma equipe de confiança é uma filosofia que aprendeu com o seu pai, o saudoso Arlindo Manique Barreto: “Quem ajuda a roer o osso precisa receber um pedaço do filé”, repete ele.
A frase resume uma política de gestão onde os colaboradores não são apenas números. São premiados por metas, os líderes participam dos resultados e há um cuidado genuíno com o bem-estar básico de todos os funcionários. A loja possui cozinha própria, servindo café da manhã, almoço e café da tarde.
Além disso, Arley detalha que mantém a prática que reforça um compromisso sagrado para a saúde financeira de qualquer trabalhador: o salário cai na conta “religiosamente em dia”. O resultado econômico é a retenção de talentos e o engajamento da equipe em prol do sucesso do negócio. Quem veste a camisa da Mania sabe que faz parte de uma engrenagem em que o talento e o bem-estar são valorizados com benefícios reais.
Arley orgulha-se de ver a loja funcionar como uma escola, onde colaboradores antigos permanecem, ex-funcionários que saíram para tentar outros voos alcançam sucesso e muitos até retornam, trazendo de volta a experiência adquirida.
Um exemplo de sucesso é Dieferson Cardoso Peixoto, conhecido como Alemão. Ele trabalha na Mania há 18 anos e conta, bem humorado, que até seu filho mais novo acha que o nome do pai é “Alemão da Mania”.
Visivelmente emocionado, Alemão descreve Arley como um visionário à frente do seu tempo, alguém que abre portas e lhe deu a oportunidade de aprender e de errar. Ele conta que Arley o encontrou entregando panfletos e reconheceu seu potencial, oferecendo-lhe uma chance na Mania. Atualmente um dos líderes da equipe, ele destaca a resiliência de Arley e sua capacidade de buscar soluções, afirmando que aprende muito com ele.


Ele brinca: “Por muito tempo, pensei que o Arley não tinha defeitos”, e declara que a família de Arley, incluindo seu pai Arlindo e sua mãe Elena, transmite traços de visão e carinho que influenciaram não só o empresário, mas todos que passaram pela loja. Alemão enfatiza que a Mania de Loja é uma família de verdade, em que o cuidado com as pessoas é primordial, um valor que Arley conseguiu transmitir.
Família: o alicerce do negócio
Por trás do empresário que também é sócio da SAP Assessoria Contábil, da JM Investimentos, da pedreira Petra, das franquias da Melissa no litoral e da marca de confecção própria, a Club 714, existe um homem profundamente enraizado na família. A Mania foi fundada com a ajuda do pai de Arley, Arlindo, retratado pelos funcionários como uma figura muito benquista.
“Lá em 1988, a loja na visão dele também era para dar emprego à família”, conta Arley. Hoje, a gestão é compartilhada com os irmãos Arlety e Alexi (o Lequinho). Essa divisão de tarefas permitiu que Arley fizesse a transição de “operário” para “estrategista”.
“Nesse primeiro momento, eu batia na bola, cobrava o escanteio e corria para cabecear, fazia tudo”, recorda sobre os anos iniciais da loja. “A minha função hoje é muito mais de conselheiro, e muito menos operacional. Eu hoje tô aqui como um fiscal da balança de algumas decisões, mas um amigo de todos”, destaca, aparentemente satisfeito com a posição.
Questionado se já sentiu a clássica insegurança de “dar o passo maior que a perna”, Arley diz que não, mas confessa que o crescimento da loja, especialmente a mudança para o prédio atual (em localização privilegiada no centro da cidade, às margens do trecho municipalizado da ERS-030) foi o momento de maior tensão. Sua visão sobre o risco é pragmática: “Grandes movimentos e grandes transformações na vida demandam frio na barriga. Se não tiver frio na barriga, tem algo errado”, enfatiza.
Ainda no contexto familiar, unindo passado e presente, Arley fala da filha Lucília, fruto do seu primeiro casamento. “A Lu é um presente na minha vida” e conta, com orgulho, que após o divórcio, ela decidiu morar com ele. Questionado, diz que a filha nunca foi forçada a trabalhar na Mania, e que por muito tempo foi funcionária da Magna Cosma, multinacional do setor automotivo. “As portas da Mania sempre estiveram abertas pra ela voltar quando quisesse”, conclui. Desde o seu retorno à Mania, Lucília já foi responsável pelas lojas Melissa e atualmente desempenha função administrativa na gestão das compras, números e dos dados da loja.

Para Lucília, seguindo a tradicional dinâmica das relações saudáveis entre o pai e a filha mulher, Arley é um herói. Ela se descreve como um espelho do pai: racional, acelerada e intensa. Essa semelhança de temperamento, segundo ela, gerou alguns embates. Hoje, a dinâmica é pautada por um respeito inegociável, fundamentado na premissa herdada do avô de que “quem tem respeito, não tem medo”, transformando a antiga disputa em uma parceria de admiração mútua.
Crescer como filha do “Arley da Mania” cobrou um preço: às vezes, a ausência. Lucília admite que em alguns momentos ressentiu a falta do pai em festas escolares e no cotidiano, já que a rotina exaustiva do varejo o tirava de casa antes de ela acordar e o devolvia quando já dormia. Com a maturidade, veio a compreensão pragmática de que as oportunidades que teve — como o carro aos 18 anos, as viagens, o intercâmbio no Canadá — foram frutos diretos desse sacrifício. Ela entende agora que a linguagem de amor do pai não era sempre o tempo de qualidade convencional, mas a provisão e a construção de um legado, através de oportunidades que ela reconhece como privilégio.
A admiração de Lucília, antes baseada na idealização de um “super-homem”, tornou-se mais sólida ao enxergar a humanidade e as falhas de Arley. Na função que hoje desempenha na Mania, ela valoriza a lição de que o erro é parte do processo pedagógico, não motivo de decepção. Ao ver o reconhecimento público da trajetória do pai, sente, acima de tudo, orgulho de pertencer àquela história construída com a ajuda da família, definindo Arley não pela infalibilidade, mas pela resiliência: a capacidade de se adaptar, errar, aprender e sair das adversidades melhor do que entrou.
Davi no interior contra os Golias do grande mercado
A visão de mercado de Arley é afiada e realista. Ele acompanhou a transição do varejo físico para o digital com a precisão de um estudioso. Registrou o domínio da Mania ainda no ano 2000 e se orgulha de ter sido um dos pioneiros na adaptação para os sistemas digitais, instalados na loja em 1995. Arley viajou o mundo em missões empresariais, mas foi na pandemia de 2020 que viu a necessidade pelo digital acelerar em meses o que, talvez, levaria anos.
No entanto, ele não se ilude. Ao dizer que o cenário tributário brasileiro é um campo minado para o pequeno e médio empresário, brinca: “Hashtag minha opinião”. É assim que Arley denuncia o desequilíbrio estrutural entre o pequeno varejo brasileiro e os gigantes globais, citando questões tributárias e logísticas. “O Brasil está se transformando num país muito injusto para quem é empreendedor pequeno como a gente. Os gigantes mega ultra power acabam pagando menos imposto do que quem tem um empreendimento pequeno paga, em proporção”, desabafa.

Ele ilustra essa desigualdade com o exemplo da Nike e da Centauro, demonstrando profundo conhecimento da cadeia de suprimentos. Explica como grandes operadores “bloqueiam” o estoque das marcas globais para vender online sem assumir o risco da compra, enquanto o lojista local precisa mobilizar capital para comprar e revender o produto. “A Nike não é mais Nike no Brasil. A Nike no Brasil é uma operação licenciada para Centauro. Como é que eu vou ter a ousadia de querer competir com esses caras? Não tem como”.
Diante da impossibilidade de competir por preço, Arley adotou outra estratégia que ele relata, com uma franqueza desarmante:
“No início, eu ficava muito chateado quando alguém vinha aqui olhar um tênis, experimentava o meu tênis e comprava na internet. Hoje, sabe o que que eu faço? Eu dou o sinal do wi-fi e dou o café. Não tem, cara. Não tem como eu competir mais com isso”.
Neste cenário, Arley reforça o diferencial que encontrou para a sobrevivência da Mania no mercado:
“A satisfação. O cliente da Mania é recebido com leveza, com alegria, ele sente satisfação de estar aqui. Quando é urgente e não dá tempo de comprar na internet, vem comprar na Mania”. Para Arley, o que faz a diferença é o momento em que o consumidor opta pela Mania por saber que lá encontra a experiência de ter a peça do momento, de comprar um presente de aniversário e provar a peça na hora.
“É o que podemos oferecer: acolher bem e cuidar das pessoas. O produto é consequência.”, afirma.

Amor e gratidão
E há, ainda, o amor. Além do empresário que monitora tendências globais, existe um Arley apaixonado, que faz questão de bradar o amor que sente e admira. Arley diz que a esposa apareceu na sua vida em 2018, “aos 49 do primeiro tempo”, e enfatiza “do primeiro tempo!”. Arley é casado com a professora Josélia Maria Lorence de Fraga, a Jojô Maria, como chama carinhosamente. Ele conta que já se conheciam há muitos anos por razões profissionais, mas que foi na primeira conversa que tiveram em um contexto romântico que soube: ali estava a mulher da sua vida. Contente, descreve o momento e a relação como “a descoberta de um amor genuíno”.
Recentemente, encararam juntos o desafio que a vida apresentou a partir do diagnóstico de câncer de Josélia. O enfrentamento da doença revelou a profundidade dos valores de Arley, que aplicou na vida pessoal a mesma dedicação que tem nos negócios, contrariando as tristes estatísticas de mulheres que são abandonadas pelos parceiros após a descoberta de doenças graves.

“Quando uma relação é de verdade, é de verdade em qualquer situação”, afirma, categórico. Ele relembra os momentos no hospital com a mesma intensidade que fala das viagens de lazer. “Ela era a mesma, e a verdade é a mesma. Tem que estar de verdade. Se não é de verdade, não adianta”. A frase que resume essa resiliência está num quadro com o qual ela o presenteou no primeiro encontro: “Gratidão transforma tudo que temos em suficiente”.
Para Josélia, “falar do Arley é falar de um amor de almas. Estar ao lado dele é saber que mesmo nos dias mais difíceis e dolorosos, existe alguém que não desiste, que acolhe e que segue junto, sempre com verdade e uma segurança rara”, conta.
A professora se orgulha da história do marido, destacando que ele tem em si força e resiliência inexplicáveis. “Como marido, ele é presença, cuidado, dedicação e parceria. Tem no olhar a firmeza de quem sustenta, e no coração a generosidade de quem compartilha”, relata.

Na visão dela, como empresário, “Arley é uma combinação de intuição afiada com coragem para decidir e ética inegociável. Ele não lidera, ele inspira. Constrói resultados e soluções com a simplicidade dos que dominam a própria essência. Sua visão prática, a forma como lê o mercado e a honestidade com que conduz cada escolha fazem dele um dos empreendedores mais autênticos que conheço. Arley é exemplo de trabalho e caráter — daqueles que não apenas crescem, mas elevam quem está ao redor.”
Brincando, mas certamente em uma declaração verdadeira, ela ainda diz: “Tenho vontade de falar dele por horas! Dono de uma praticidade, também de uma inquietação permanente e de um coração gigante, é generoso com os que não são de perto e com os vulneráveis. Sou muito grata por caminhar ao lado de um homem que transforma vida, negócio e mundo com a mesma força silenciosa e consistente”.
Josélia conclui seu depoimento relembrando do momento difícil que enfrentaram: “O cuidado que teve comigo durante o meu tratamento para o câncer será a razão da gratidão por viver todos os meus dias! Eu amo esse guri!”.
O mundo como quintal
O que faz um homem de Santo Antônio da Patrulha se sentir em casa em qualquer lugar do mundo? A tal curiosidade. Perguntado sobre os sonhos que ainda quer realizar, ele diz que quer conhecer mais países. Arley é um explorador. Com 40 nações no passaporte, não tem mais a pretensão de conhecer todos e afirma que não viaja com a ambição de dizer “mais um país”, e sim com o objetivo de viver e aprender com as culturas dos locais que visita. Dentre os que já conheceu, admira especialmente a beleza, cuidado e estrutura dos parques naturais dos EUA. Dos países cujas fronteiras ainda não cruzou, destaca o desejo de conhecer o Japão.

Um apaixonado pelas viagens de carro, que incluem uma epopeia de 22.000 km e expedições até o Ushuaia, Arley conta entusiasmado sobre suas andanças, que também moldaram seus negócios. Foi em Miami, em 2005, que “virou a chave” sobre a importância de viver o mundo para entender as tendências e o mercado. Hoje, ele afirma sem falsa modéstia que, se a Mania estivesse em Nova York, não estaria fora de contexto como estava em comparação a Miami dos anos 2000.
Apesar de ter o mundo como horizonte e nutrir o desejo de morar fora do país por um período, Arley afirma que seu porto seguro é inegociável: seu alicerce e suas raízes estão em Santo Antônio da Patrulha, terra da qual se orgulha e onde pode estar junto da família, especialmente no cuidado de sua mãe idosa, a dona Elena, figura também mencionada e querida pela “família Mania”.
O valor do equilíbrio
Ao final da entrevista, quando provocado a se autodefinir em uma palavra, Arley é taxativo: inquieto. Ele oferece uma lição final que serve tanto para a gestão de negócios quanto para a vida pessoal. Leitor de biografias e admirador de histórias reais, ele cita o navegador Amyr Klink: “Ele diz que gosta de barcos porque o barco afunda”, conta. “O mar pode estar calmo, o mar pode estar revolto, mas o barco tem que estar equilibrado. Assim é a nossa vida”, afirma.

Aos curiosos e, quem sabe futuros empreendedores que leem este perfil, Arley deixa um conselho específico: estudo e atenção redobrados à questão tributária do mercado brasileiro, admitindo que gostaria de ter estudado isso mais cedo.
Ele conclui a conversa com a Beta Redação em uma declaração distinta: “Tudo que o preço paga, tudo que o dinheiro paga, é o mais barato da vida. Valor, dinheiro não paga. Valor tem que ser construído”. Arley construiu um império de valores.
Para encerrar este perfil, a autora pede licença para parafrasear “Jojo Maria do Arley”, com a certeza de que nada é tão inspirador de belas e verdadeiras palavras quanto o amor:
“Outra característica dele é não julgar ninguém. Tudo tem um porquê de uma determinada ação. E o mais bonito é que estas duas versões dele — o Arley marido e o Arley empresário — se somam na mesma verdade: ele é inteiro em tudo o que faz. Leal aos seus valores e sempre movido por um propósito que passa pela família, que é o seu grande amor e legado”, conclui.
