Caso não seja aprovada, o governo Leite planeja o corte de incentivos fiscais a setores produtivos como alternativa para minimizar perdas de arrecadação

Por: Gabriel Jaeger, Gustavo Bays, Henrique Kirch e Júlia Möller

O governador Eduardo Leite apresentou, em 16 de novembro, a proposta de aumento do ICMS (PL 534/2023) de 17% para 19,5% a partir de 2024. Para ser aprovado, o projeto precisa de maioria simples dos parlamentares da Assembleia Legislativa. Durante a campanha política, Leite havia prometido que não aumentaria os tributos estaduais.

Eduardo Leite durante o anúncio do projeto de aumento do ICMS – Foto: Gustavo Mansur/Secom

Depois da má repercussão da sugestão encaminhada ao parlamento, o governador afirmou que seu Plano B, caso o projeto de lei não passe na Assembleia Legislativa, será uma revisão e um provável corte de 50% dos incentivos tributários concedidos pelo Estado.

Imagem: Beta Redação

Bancada do PSOL não concorda com o crescimento do imposto

De acordo com o deputado estadual, Matheus Gomes (PSOL), o aumento do ICMS é prejudicial ao Rio Grande do Sul. “Há setores do agronegócio que são os maiores responsáveis pela emissão de gases que aumentam o efeito estufa e aquecimento global, que estão nos atingindo. Precisamos discutir a tributação numa perspectiva mais ecológica”, ressaltou.

O deputado Matheus Gomes (PSOL) entende que algumas isenções de taxa devem ser excluídas para melhorar a situação tributária do estado. Foto: Alex Ramirez

Para o político, é preciso averiguar se os incentivos que são dados possuem o real retorno para o Estado, em termos de geração de empregos e de valor agregado, que aparentemente não se apresenta em vários casos.

Na opinião dele, o Rio Grande do Sul aumentou as isenções no governo Leite, que acumulam mais de R$ 13 bilhões. Se 20% dessas isenções fossem revisadas, segundo o parlamentar, o Estado teria oportunidade de arrecadar até mais do que a proposta com o aumento do ICMS.

Gomes conclui que a reforma tributária não deve se restringir ao consumo, e que é necessário discutir a segunda fase que inclui a taxação sobre grandes fortunas, heranças, patrimônios, lucros e dividendos, ações que raramente acontecem em todo o País e que geram grandes injustiças tributárias.

Empresários também são contra o aumento

“Se entende que o contribuinte já tem um valor expressivo de carga tributária e não será tolerável mais um aumento de ICMS”, defende o vice-presidente jurídico da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul), Milton Terra Machado.

A entidade entende o aspecto da mudança na reforma tributária. “Esse aumento vem com a distorção do texto da Reforma Tributária, que estaria induzindo os governadores ao aumento do ICMS. É grave sim essa distorção e se espera a alteração desse texto na Câmara de Deputados”, avalia Milton.

Mesmo assim, para ele, o impasse com a reforma tributária não deveria ser motivo para aumentar o imposto. “O aumento de arrecadação deve vir da produção, da agitação econômica. O governo tem que agir como fomentador da atividade econômica, não como opressor.”

Segundo Milton, o Estado vive um estresse tributário. “Um aumento de alíquota não dá garantia que representará um aumento efetivo de arrecadação. O que se postula é que o aumento de arrecadação venha pela atração de investimentos e pela liberdade econômica, que se estimule a produção”, salienta.

Sobre o Plano B do governo, Milton também discorda. “Pressupõe-se que, se o incentivo foi dado, ele representa um acréscimo econômico no Estado. Não podemos desincentivar a economia”, avalia. A Federasul já procurou políticos para debater o aumento de ICMS. “Temos feito contato com deputados estaduais e líderes de bancada”, destaca.

Executivo busca formas de esclarecer o PL ao povo gaúcho

O PL de aumento do ICMS obteve reações críticas de setores econômicos e desconforto entre integrantes da base aliada do governo estadual. Desde então, o governador Eduardo Leite e o vice Gabriel Souza têm buscado conversar com representantes de diferentes setores, no sentido de detalhar o cenário financeiro projetado para os próximos anos.

Paralelamente, outras reuniões têm ocorrido individualmente com os deputados estaduais. Nos próximos dias, os encontros deverão envolver as bancadas. Assim como com os empresários, o movimento é para esclarecer dúvidas, debater e detalhar alternativas na procura do equilíbrio.

Por se tratar do método de regime de urgência, o PL deverá ser votado na última semana antes do recesso parlamentar. A expectativa é que, caso o Executivo não o retire de pauta, os parlamentares apreciem no dia 19 de dezembro, última sessão do ano com Ordem do Dia. No modo de projeto de lei, é necessária a maioria simples para sua aprovação. Em outras palavras, 28 deputados entre os 55 terão que se posicionar a favor da proposta.

Vice-governador Gabriel Souza analisa o IBS

A Reforma Tributária institui o Imposto de Bens e Serviços (IBS). Em tese, origina-se do conceito de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que vigora em mais de 170 países. Sua tributação se aplica no consumo.

Nessa linha, o vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza, analisa: “Com uma alíquota nacional única, como países desenvolvidos já dispõem, resolve problemas de disputas entre Estados e municípios nas frações aplicadas. Então vejo como uma forma de solução para acabar com a guerra fiscal.”

O vice-governador Gabriel Souza tem enfrentado problemas de articulação política até mesmo com deputados estaduais do seu partido (MDB) para aprovação do projeto. (Foto: Isabelle Rieger/JC)

Com as características de tributação no destino, recuperação de crédito e mesma base de incidência, o IBS é um imposto não cumulativo, isto é, não incide em cascata em cada etapa da produção. A normativa prevê uma incidência “por fora” da cadeia, dessa forma, cada contribuinte paga apenas o imposto referente ao valor que adicionou ao produto ou serviço. 

Em nota, o governador Eduardo Leite explica que, se o Rio Grande do Sul não agir, irá perder R$ 4 bilhões por ano. “Ninguém gosta de aumentar impostos. Se elevar alíquotas é impopular, evitar elevar, sabendo ser tecnicamente necessário, é populista. Assumo o risco de propor esta discussão com a sociedade gaúcha, que soberanamente escolherá a conta que quer pagar: um pouco a mais em impostos – ainda que menos do que historicamente – e receita que fique no Estado ou o custo de perder serviços e investimentos, além de recursos para outras unidades da federação ao longo das próximas décadas”, afirma.

A transição da cobrança do imposto na origem do produto (atual ICMS) para tributação no destino, quando ele é efetivamente consumido (futuro IBS), vai se prolongar por 50 anos, até 2078. Ao longo desse tempo, segundo o governo do estado, caso o Rio Grande do Sul mantenha a alíquota básica de ICMS atual, seguirá acumulando perdas. Só nos próximos 25 anos, de 2024 até 2048, a expectativa de perda é de R$ 110 bilhões.

“Quando falamos em tributos, a política da União Federal valoriza mais os Estados do Nordeste e do Norte. Os quais, proporcionalmente, recebem mais recursos do que as regiões sul e sudeste. Dessa forma, temos que nos defender neste processo. Uma vez que o que está em jogo é a arrecadação dos próximos cinco anos. Pois, posteriormente, com o IBS em vigor, o recurso irá voltar ainda menor proporção do que será pago. Isso se mantermos as alíquotas atuais. Portanto, devemos debater essa questão no estado do RS”, conclui o vice-governador.

Entenda a Reforma Tributária

O ano de 2023 está ficando marcado na história do país por conta da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, conhecida como PEC da Reforma Tributária. O texto, depois de passar pelo Senado, ainda aguarda votação na Câmara de Deputados. Entre as principais mudanças está a criação do novo Imposto sobre Bens de Serviço (IBS), que pretende reunir todos os impostos que incidem sobre bens de serviço. 

Conforme o projeto, o objetivo é preservar a disponibilidade de recursos do Estado para investimentos e prestação de serviços essenciais à população em áreas como saúde, segurança e educação. 

O IBS viria para substituir os atuais Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é a principal forma de arrecadação dos estados brasileiros, e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

A implementação do IBS será feita de forma gradual entre 2029 e 2033. O que for arrecadado nos Estados formará um agregado total do país, que depois será repartido. Porém, o período de transição entre o ICMS e o IBS será muito maior, se prolongando até 2078. 

Seguindo o texto da PEC, a redistribuição de orçamento aos Estados do que for arrecadado no período de transição será realizado de forma proporcional à média de arrecadação de ICMS e ISS de cada ente federativo entre 2024 a 2028. Ou seja, quem arrecadar mais no período terá direito a uma fatia maior do IBS.

Por conta disso, 22 estados brasileiros se encaminham para ter o aumento do ICMS em 2024. Entre o Sul e Sudeste brasileiro, o único Estado que não propôs o aumento do ICMS foi Santa Catarina. Vale destacar que esse aumento não interfere no preço do gás e dos combustíveis.

Especialista Giane Guerra avalia o caso

A especialista em economia, Giane Guerra, explicou o motivo que leva o Estados brasileiros a aumentar o ICMS: “Tem um artigo na reforma tributária que determina que essa divisão [ICMS] deverá ser calculada a partir da arrecadação dos estados entre 2024 e 2028. Estados do Norte e do Nordeste já aumentaram suas alíquotas. No Sul e no Sudeste agora os estados estão propondo em blocos. O Rio Grande do Sul tem outro motivo, o governador tem apontado também uma perca de arrecadação com a redução de alíquotas de ICMS de recursos como combustível, energia e telecomunicações”.

Em entrevista, a profissional explicou mais a fundo qual seriam as intenções do atual governo, visto as características atuais da arrecadação do Estado. “Como o governo do Estado do Rio Grande do Sul tem alegado perca da arrecadação e que a receita vai ficar menor do que a despesa. Isso irá estrangular as finanças do Estado. É o segundo argumento. De qualquer forma, perguntei ao Governador se por acaso tivesse a mudança na reforma tributária, se ele poderia desistir de propor esse aumento do ICMS e ele disse que sim. Então, se houver essa mudança, o que é difícil, ele desistiria dessa elevação da alíquota de ICMS aqui no Rio Grande do Sul”.

Para um melhor entendimento do público, separamos uma fala de Giane Guerra que auxilia o conhecimento sobre a diferença entre ICMS e IBS:

Para fins de futuro, Giane também explica quais cálculos demonstram os próximos anos do setor financeiro do Estado do Rio Grande do Sul. Escute:

Por fim, Giane avalia se existe outra opção ao Rio Grande do Sul além do aumento do ICMS. A economista avalia que o governo poderá seguir com ajustes, “Corte de despesas é um deles. Mas, se cortar, vai ter menos policial na rua, vai ter menos para a escola. Então, o que teria de cortes são investimentos em portos, infraestrutura, hidrovias”, explica.

Para além, Giane também exemplifica a escolha do governo por corte nos benefícios fiscais: “Será necessário buscar uma compreensão por parte das entidades empresariais. Esses benefícios são dados as empresas para que elas se instalem no Rio Grande do Sul, para que elas ampliem sua operação e para dar competitividade para alguns setores. O governador diz que teria que se fazer um corte linear. Um pouco do incentivo de todo mundo. E depois cortes pontuais, que seriam escolhidos setores que não atuam fortemente na geração de empregos e que tem um efeito menor em cascata na economia”.

Atualmente, de acordo com a jornalista que se baseia em dados da Secretária Municipal da Fazenda, são mais de R$ 9 bilhões por ano em incentivos fiscais. “o que o governo quer agora é a garantia de R$4 bilhões de arrecadação. Que é o que ele estima que vai perder, se, por acaso, não aumentar o ICMS agora”, e complementa, “É uma conta que acaba sendo matemática, tem que escolher quais são os fatores que vão entrar nessa equação”.